Educação
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8 de novembro de 2024
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17:31

‘Temos que tentar reencantar quem está no chão da escola’, diz nova presidente do Cpers

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
Rosane Zan é a nova presidente do Cpers. Foto: Joana Berwanger/CPERS
Rosane Zan é a nova presidente do Cpers. Foto: Joana Berwanger/CPERS

Com 71,1% dos votos válidos, Rosane Zan é a nova presidente do Cpers, eleita nessa quinta-feira (7). Em segundo lugar ficou Regis Ethur, que somou 27,5% dos votos válidos. Rosane comandará um dos maiores sindicatos do Rio Grande do Sul na gestão 2024/2027, sucedendo Helenir Aguiar Schürer, que preside o Cpers desde 2014.

Rosane ingressou no magistério estadual em 1997 e, desde então, começou a construir sua jornada no movimento sindical. Diretora-geral em duas ocasiões em São Luiz Gonzaga, na região das Missões, ela chega agora na presidência do Cpers com muitos e grandes desafios pela frente.

Nessa entrevista exclusiva ao Sul21, a presidente recém eleita em diversos momento destaca a importância de construir a unidade da categoria dos professores estaduais. O cenário não é fácil, considerando que, como ela mesma destaca, atualmente 59% dos professores em atuação na rede estadual de ensino trabalham com contratos emergências.

Fazer o Cpers se aproximar desses professores e, mais do que isso, conquistar corações e mentes para atraí-los à luta sindical, é um dos objetivos mais importantes que Rosane vislumbra para sua gestão. “Ele tem que enxergar que existe a política e que somos seres políticos. Essa construção nós vamos ter que voltar a fazer em formação política sindical. Não fazer formação política sindical para nós mesmos, que já temos uma construção, mas ir atrás dos jovens, parece que eles também não entendem a importância do sindicato”, analisa a nova presidente.

Ciente de que o trabalhador brasileiro mudou e que a escola também não é mais a mesma de décadas atrás, Rosane vislumbra que um novo caminho precisa ser trilhado e que ele passa, necessariamente, por “voltar ao chão da escola” para alcançar a almejada unidade da categoria.

“Precisamos construir uma nova narrativa e fazer o enfrentamento para trazer novos trabalhadores e trabalhadoras para o movimento. Nós mesmos temos que voltar mais para o chão da escola”, afirma.

Leia a entrevista na íntegra:

Sul21: Como você avalia o processo eleitoral e a responsabilidade de, a partir de agora, ser a nova presidente do Cpers?

Rosane: Eu não entrei ontem no movimento sindical. Fui diretora-geral por duas gestões, em São Luiz Gonzaga, e desde que entrei em 1997 na rede estadual, uma das coisas que sempre buscamos e principalmente eu, enquanto classista, foi levar em conta a nossa unidade. No último período, viemos resistindo bravamente para não perder direitos. A própria conjuntura nacional, estadual e mundial vem trazendo esse recuo por parte da classe trabalhadora em relação as suas pautas, a diminuição cada vez maior da mobilização, não por culpa da direção estadual ou das direções dos núcleos, mas porque é um processo que vem acontecendo.

Acho que os ataques que nós sofremos, no último período, na educação, principalmente quando nos tiraram a nossa dignidade. Nosso poder de compra mexe com a economia local em qualquer dos 497 municípios do estado, temos um papel importante na sociedade como educadores e educadoras, mas no último período a gente vem cada vez mais perdendo nossa identidade e principalmente nossa dignidade. Sempre me reconheci como uma trabalhadora em educação e é esse passo que precisamos construir, a consciência de classe na nossa categoria, a unidade de juntarmos as diferentes forças. As forças diferentes entenderam que o momento é de unidade, porque cada vez que nós nos esfacelarmos para pensar que temos formas diferente de condução de luta, quem ganha com isso são os governos.

O governo Leite, de forma muito ardilosa, mexeu no nosso plano de carreira histórico. Não perdemos o nosso plano, mas houve um achatamento do nosso plano de carreira. Temos que pensar em governos que entendam e que a gente possa avançar nas nossas faltas, ao contrário da nossa resistência. O processo agora é construir a consciência de classe da nossa categoria e, principalmente, podermos fazer uma luta mais de igual para igual e avançar nas nossas pautas.

Sul21: Sua eleição com uma votação grande é um indicativo dessa unidade? 

Rosane: Acredito que essa unidade que aconteceu e a votação expressiva que tivemos, com 71,1%, mostrou que a categoria quer essa unidade. Em todos os lugares em que passei nas últimas semanas, foi muito bom. Não teve escola que nós não fomos bem recebidos e, principalmente, o que temos hoje na escola, com muitos contratos emergenciais, 59% da nossa categoria são contratos. Vamos procurar criar uma política para os contratos emergenciais. Em todos os espaços, disse que não vamos vender a ilusão de efetivação dos contratos, mas sim a nossa luta diária por concurso público, que é o caminho que está na Constituição.

Para entrar no serviço público precisa fazer concurso, mas também precisamos pensar em políticas para os contratos. A questão do confisco previdenciários também diminuiu o poder de compra, tirou a dignidade de muitos aposentados que trabalharam uma vida para a educação, além da questão da valorização, a nossa luta diária pelo piso salarial  profissional para que realmente os governos cumpram a lei, e também nossa luta pelo piso nacional para os funcionários de escolas, que também foram enquadrados no novo projeto do Governo do Estado, é uma categoria que vai precisar de muita unidade. Essa é uma das minhas incumbências, um dos desafios, manter essa categoria unida.

Sul21: As mudanças da classe trabalhadora, do mercado de trabalho e do modo dos sindicatos se relacionarem com seu público tem sido um tema muito debatido. Como você analisa as atuais relações entre os dirigentes sindicais e os professores que estão em sala de aula e como alcançar a unidades com eles? 

Rosane: As escolas também mudaram, né? Hoje, 59% da nossa categorias são contratos. Existe muita pressão, há um acúmulo de trabalho nas escolas. A escola mudou e vai ter que ser construída uma nova narrativa. O Lula foi um grande sindicalista e a gente vê que no próprio ABC (Santo André, São Bernardo e São Caetano, cidades da região metropolitana de São Paulo e berço do sindicalismo no Brasil) há um recuo. Hoje, a maior classe que ainda continua em termos de mobilização é a educação.

Temos sindicatos grandiosos na América Latina e tanto a APEOESP (Sindicato dos Professores de SP) quanto o Cpers são dois dos maiores sindicatos da América Latina e sempre tivemos o perfil de grandes mobilizações, grandes enfrentamentos a governos, e acho que vamos ter que pensar novas narrativas e mobilização. E tem um ponto que parece que se perdeu no meio do caminho que é o descrédito do trabalhador em se reconhecer como trabalhador. Ele achar que ganha pelo trabalho dele… ele tem que entender que, por trás de tudo, tem um contexto, uma política e tem uma conjuntura.

Sul21: Como conseguir isso?

Rosane: Ele tem que enxergar que existe a política e que somos seres políticos. Essa construção nós vamos ter que voltar a fazer em formação política sindical. Não fazer formação política sindical para nós mesmos, que já temos uma construção, mas ir atrás dos jovens, parece que eles também não entendem a importância do sindicato. A gente precisa construir isso. Não tem uma varinha de condão, como uma grande bruxa para mudar o fato, mas acho sim que precisamos de muita formação política sindical. Precisamos construir uma nova narrativa e fazer o enfrentamento para trazer novos trabalhadores e trabalhadores para o movimento. Nós mesmos temos que voltar mais para o chão da escola.

Nós temos 42 núcleos que fazem mobilização em suas bases, não é só aqui em Porto Alegre, e vemos nos 42 núcleos a dificuldade de mobilização. A nossa categoria envelheceu muito. A maioria dos nossos sócios são aposentados e quem faz a pressão, é quem está no chão da escola. Temos que tentar reencantar quem está no chão da escola.


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