Educação
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23 de agosto de 2023
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20:01

Governo avança no polêmico projeto de museu e centro de referência no Instituto de Educação

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
Comunidade escolar do Instituto de Educação diz que planos do governo desrespeitam projeto de reforma do prédio. Foto: Luiza Castro/Sul21
Comunidade escolar do Instituto de Educação diz que planos do governo desrespeitam projeto de reforma do prédio. Foto: Luiza Castro/Sul21

No mesmo dia em que lançou um projeto de parceria com o setor privado para realização de obras em escolas estaduais, o governador Eduardo Leite (PSDB) também assinou o polêmico Projeto de Cooperação Técnica Internacional (Prodoc) com a Organização dos Estados Ibero-Americanos (OEI) para transformar o Instituto de Educação General Flores da Cunha num Centro de Referência em Educação. 

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O Projeto de Cooperação Técnica Internacional contempla a criação do Centro de Desenvolvimento dos Profissionais da Educação (CDPE), do Centro Gaúcho de Educação Mediada por Tecnologia (Cegemtec) e do Museu da Educação para o Amanhã, com investimento previsto de R$ 21,4 milhões.

Segundo o governo, o projeto tem o objetivo de atuar na “preparação de professores e estudantes para os novos desafios do mundo e estimular habilidades que respondam às exigências de inovação e complexidade do século 21”. O governo justifica que os novos espaços irão incentivar o “desenvolvimento da educação gaúcha, da cultura, da ciência e da tecnologia”.

Os planos do governo, todavia, são contestados pela comunidade escolar do Instituto de Educação (IF) desde quando foram anunciados, em maio de 2021. Isso porque depois da restauração do icônico prédio começar em 2016, paralisar em 2019, e recomeçar apenas em 2022, Leite mudou o projeto de restauro licitado em 2016 ao querer implementar no local o Centro de Referência em Educação e o Museu da Educação para o Amanhã – uma alteração de projeto feita à revelia da comunidade escolar que há mais de 10 anos luta pela reforma do prédio. 

Dos 12 mil metros quadrados de área total, 2 mil m² serão destinados para o Museu da Escola do Amanhã. Outros 2 mil m² serão divididos entre o Centro de Formação e o Centro Gaúcho de Educação Mediada por Tecnologias (Cegemtec). Assim, a escola perderá um terço de seu espaço original no prédio. Na prática, isso pode significar a redução do número de salas de aula, de 27 para 17. A escola também contará com dois refeitórios (um para a escola básica e outro para a educação infantil), uma quadra coberta, uma quadra descoberta e três laboratórios.

Em entrevista ao Sul21, a ex-presidenta da Comissão de Restauro do IE, Maria da Graça Morales, destacou que o novo desenho da escola proposto pelo governo Leite é diferente daquele projetado pelo governo estadual em 2014, cujo estudo foi elaborado ao custo de R$ 600 mil. Na ocasião, o projeto aprovado contou com a participação da comunidade escolar, secretarias estaduais e órgãos do patrimônio na sua elaboração. 

 

Obras iniciaram ainda no governo Sartori | Foto: Maurício Tonetto/Secom

Maria da Graça sustenta que toda e qualquer intervenção realizada não pode desfigurar a finalidade e os fundamentos que justificaram o tombamento do Instituto de Educação, assim como seu valor histórico, cultural e imaterial. 

Mãe de dois alunos do IE que se formaram durante o período da reforma, Maria da Graça hoje atua no Movimento em Defesa do IE. Ela diz que a qualificação dos espaços para a escola e para o usufruto dos estudantes foi o que o motivou a mobilização da comunidade escolar para garantir a reforma do prédio.

“O que está acontecendo? É uma peça publicitária, em que o governador se promove em cima de um projeto construído de restauro que já estava em andamento e o governo dele interrompeu, alegando falta de recursos financeiros. Ele mostra a obra como se tivesse sido um trabalho dele, quando, na realidade, o governo dele paralisou essa obra porque achava que era muito dinheiro para investir em uma escola. Ele só tocou de novo, não quando tinha recursos, mas quando tinha um novo projeto. E dá para ver, claramente, a privatização entrando ali”, afirmou.

A polêmica em torno dos planos de Leite para o Instituto de Educação levou a deputada estadual Sofia Cavedon (PT), Maria da Graça Morales e o vice-presidente do Cpers Sindicato, Edson Garcia, a entregarem ao Ministério Público de Contas (MPC), em fevereiro deste ano, um requerimento solicitando a análise do órgão sobre os documentos referentes à reforma do IE. O grupo defende que a escola permaneça 100% pública, sem alterações no projeto original licitado e executado, que prevê áreas de tecnologia, ciência, esportes, cultura, inclusão, acessibilidade, segurança, climatização e, principalmente, o número de vagas para os alunos.

Recebida na ocasião pela procuradora-geral substituta, Dra. Daniela Wendt Toniazzo, a deputada alertou que a intenção do governo estadual nada mais é do que a cessão do espaço à iniciativa privada, ao arrepio da legislação. 

 

Instituto de Educação está fechado desde 2016 | Foto: Luiza Castro/Sul21

“Nos documentos anexados fica evidente o desvio de finalidade do projeto e de ilegalidades nos atos administrativos do governador”, afirmou. Sofia diz que as obras ficaram paralisadas entre 2019 e 2022 por decisão meramente política do governo estadual, ainda que falasse da falta de orçamento. 

“Se o Tribunal de Contas não intervir, vai haver um gasto a mais, porque o governo está tentando fazer uma parceria com a Organização de Estados Íbero-Americanos (OEI) com o dispêndio de 43 milhões para construir as diretrizes desse museu privado dentro do Instituto de Educação, trazendo prejuízo e reduzindo o atendimento que a escola fará”, alertou a parlamentar.

Na visão dela, esse valor que o governo se dispõe a pagar poderia ser investido para recuperar outros prédios públicos. “O governo vai botar dinheiro fora de um projeto licitado e reduzir o atendimento da educação, inclusive da educação infantil, sendo que  Porto Alegre deve 6 mil vagas e o Tribunal de Contas acompanha esse tema.” Uma das principais preocupações da deputada é o encerramento da Educação Infantil no prédio da Osvaldo Aranha e a redução de 27 para 17 salas de aula destinadas à educação. 

Sofia questiona ainda o fato de que, segundo o projeto apresentado pelo governo, apenas alunos da 6ª série em diante serão atendidos no prédio histórico da Osvaldo Aranha.

A reforma do IE começou a ser pleiteada pela comunidade escolar em 2010, quando se verificou a necessidade de seis reformas nos prédios da escola, que estava com o ginásio de esportes prestes a ser interditado, problemas no telhado, falhas na rede elétrica, entre outros. A reforma só seria aprovada em 2013, no então governo de Tarso Genro (PT), que buscou um empréstimo junto ao Bird (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento) para bancar a obra, orçada em R$ 22,5 milhões.

O governo realizou as licitações do projeto e para as obras de fato, que foram vencidas pela empresa Portonovo Empreendimentos e Construções Ltda, mas o contrato só seria assinado no final de 2015, já no governo de José Ivo Sartori (MDB). Para o início das obras, os então 1,6 mil alunos do IE foram transferidos para as escolas Roque Callage, Rio Branco e Felipe de Oliveira no começo de 2016. Apenas as crianças dos anos iniciais permaneceram na Dinah Neri, prédio anexo do IE que seguiu aberto após o início das obras.

 

Em outubro de 2021, o governador Eduardo Leite anunciou a retomada das obras como parte do programa Avançar na Educação. Foto: Luiza Castro/Sul21

No entanto, por conta do atrasos nas obras, que nunca passaram de 10% do cronograma previsto, a Secretaria de Educação (Seduc) decidiu romper o contrato com a Portonovo em agosto de 2017. Um novo processo licitatório foi aberto e só encerrado em 2018. Vencedora do processo, a Concrejato Serviços Técnicos de Engenharia S.A. retomou as obras em 17 de outubro de 2018. No entanto, devido a seguidos atrasos nos pagamentos por parte do governo do Estado, a empresa alegou que não tinha mais condições de seguir a reforma e interrompeu os trabalhos em 1º de agosto e, sem que a situação fosse resolvida, parou totalmente em setembro. Desde então, nada mais havia avançado até janeiro de 2022.

Uma comissão de membros da comunidade escolar criada para acompanhar as obras, a direção e representantes dos pais acionaram o Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), que abriram processos para apurar possíveis irregularidades envolvendo os contratos e a condução deles pelo governo do Estado.

Desde o anúncio do governador dos seus novos planos para o Instituto de Educação, a comunidade escolar se articula para questionar se o governo poder alterar o projeto original, que era objeto da licitação de 2014, para abrigar os planos atuais para o IE.

Nos documentos de cooperação entre o governo Leite e a Organização de Estados Íbero-Americanos (OEI), a escola já é chamada de “antigo” prédio do Instinto de Educação.

“O projeto de cooperação técnica tem como objetivo central fornecer assistência técnica para o desenvolvimento de capacidades humanas e institucionais, no âmbito da Secretaria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, para implementar e consolidar as ações de estímulo à produção científica tecnológica e à inovação no ensino estadual por meio do Centro de Referência em Educação, a ser implantado no prédio do antigo Instituto de Educação General Flores da Cunha (IE), contemplando o Museu da Educação para o Amanhã (Museduca)”, diz trecho do contrato de cooperação.


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