
O que era para ser uma vistoria se transformou quase num ato de inauguração. Os estudantes indígenas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que há quase um mês reivindicam a criação de uma casa do estudante própria, estiveram nessa quarta-feira (30) visitando a creche da universidade em companhia de funcionários da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis.
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Localizada no Campus Saúde, a creche da UFRGS foi anunciada na última segunda-feira (28) como sendo o local que abrigará a futura Casa do Estudante Indígena.
Durante a vistoria, os estudantes anunciaram aos representantes da Pró-Reitoria que já iriam permanecer no espaço. A justificativa apresentada foram as péssimas condições da ocupação no antigo prédio da Secretaria Municipal de Indústria e Comércio (Smic) após a chuva que caiu em Porto Alegre nesta madrugada. Segundo os indígenas, adultos e crianças estavam com as roupas todas molhadas e voltar para a ocupação seria prejudicial à saúde, principalmente dos filhos.
Os estudantes também desconfiaram do comportamento de uma funcionária da Fundação Nacional do Índio (Funai) que acompanhou a vistoria. Ao longo de todo o mês de março, o órgão se manteve alheio à demanda dos indígenas, porém, durante a vistoria, a funcionária fez ponderações e críticas que levaram os alunos a temer que a UFRGS recuasse na decisão de transformar a creche em casa do estudante.
A representante do órgão do governo federal criticou os alunos indígenas por terem negociado diretamente com a universidade, a Prefeitura de Porto Alegre e o Ministério Público, e disse que eles deveriam ter primeiro procurado a Funai. A necessidade de um laudo técnico sobre a segurança da creche também foi levantada, causando desconfiança nos estudantes.
“Ficamos com receio pela forma como a Funai veio, com questionamentos, ressalvas”, explica Angélica Kaingang, estudante de mestrado em Política Social e Serviço Social. “Não somos mais tutelados pela Funai, temos autonomia e podemos buscar nossos direitos junto aos outros órgãos.”
A decisão dos indígenas em permanecer na creche foi mal aceita pela UFRGS. Houve indignação e inclusive ameaça de suspender o acordo de transformar a creche em casa do estudante. Após um momento de tensão, os indígenas negociaram com os funcionários da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis que ficarão em apenas três salas do espaço e darão todo o apoio para que a equipe da UFRGS recolha os móveis e materiais da creche nos próximos dias.
Ao todo, cerca de 30 estudantes indígenas com seus filhos estão no local, acompanhados de uma liderança espiritual.
Depois de quase um mês de atos, reuniões e negociações para viabilizar a antiga demanda de uma casa do estudante própria, os alunos indígenas da UFRGS estão agora preocupados em retomar o caminho dos estudos. Angélica comenta que as aulas on-line ficaram comprometidas pela falta de acesso à internet durante o período ocupando o antigo prédio da Smic.
Ainda assim, o sentimento era de ter alcançado o objetivo. “Estávamos abaixo de chuva e fomos obrigados a agir. A gente precisava mesmo desse local”, explica Angélica. A estudante de mestrado em Política Social e Serviço Social diz ter ciência da demanda por uma nova creche para os funcionários da UFRGS e que os indígenas apoiam a reivindicação. Aparentemente encaminhada a solução para a Casa do Estudante Indígena, a questão da nova creche deve agora ser assunto no campus da UFRGS.