
Neste sábado (7), será inaugurada em Porto Alegre uma exposição que comemora o centenário do Salão de Outono, o primeiro grande evento de artes visuais realizado na capital gaúcha. A mostra será no Museu de Arte do Paço, no Centro Histórico, e reúne cerca de 30 obras originais apresentadas na edição de 1925. Além das peças, o público poderá conferir documentos, fotografias, recortes de jornais e outras fontes históricas que ajudam a recuperar o impacto do evento.
O Sul21 conversou com as historiadoras da arte Lizângela Guerra e Paula Ramos, organizadoras da exposição, sobre o processo de pesquisa e a importância do Salão para o cenário cultural do estado e do país.
Em 1925, um grupo de jovens artistas e intelectuais promoveu, em Porto Alegre, um evento inédito na cidade: um salão dedicado às artes plásticas, arquitetura, escultura e artes aplicadas, aberto tanto a profissionais quanto a amadores. Com mais de 300 obras expostas, assinadas por 68 artistas locais ou em trânsito pela Capital, o salão viria a se consolidar como um marco na história da arte moderna no Rio Grande do Sul e no cenário artístico gaúcho.
“São Paulo teve a Semana de 22, nós tivemos o Salão de 1925. Isso quer dizer que o Salão de Outono foi um salão de arte moderna? Não é isso que eu tô dizendo, mas o salão foi totalmente moderno”, diz Paula Ramos. Segundo ela, a diferença principal está no caráter democrático do evento gaúcho. Enquanto o evento em São Paulo possuía um teor elitista, o Salão de Outono tinha inscrição livre, permitindo a participação de profissionais e amadores, com a exposição de desenhos, pinturas, esculturas, mobiliários, fotografias e joalherias. “O Salão foi democrático nas linguagens, foi democrático na abertura para os artistas exporem, e foi democrático ao público, porque era um evento com entrada franca”, destaca.

A exposição que agora marca o centenário do evento nasce da pesquisa iniciada por Lizângela Guerra em seu Trabalho de Conclusão de Curso, sob orientação de Paula Ramos. Apesar da importância reconhecida do Salão para a história da arte no Rio Grande do Sul, não havia até então um estudo dedicado exclusivamente a ele.
A ausência de pesquisa aprofundadas foi um desafio para a organização do evento e localização das obras. “Foi um processo longo e bem complexo”, relata Lizângela. A principal fonte foi o catálogo original de 1925, preservado no Arquivo Histórico do Instituto de Artes da UFRGS. Nele, constam os nomes dos artistas e os títulos das obras, mas muitas vezes esses títulos não permitiam identificar completamente as peças. A solução foi cruzar essas informações com as poucas fotografias da época e com a cobertura da imprensa, que descrevia e comentava a mostra.
O Salão de Outono reuniu tanto artistas consagrados como profissionais em início de carreira. Entre os já reconhecidos estavam nomes como Pedro Weingärtner, que atuou na corte de Dom Pedro II, o pintor Augusto Luiz de Freitas, de reconhecimento internacional, e o escultor Alfred Adloff, um dos mais importantes escultores da época.
O evento também contou com a participação de artistas que, mais tarde, se tornariam nomes de destaque na história da arte gaúcha e deixariam marcas permanentes no cenário urbano da Capital. É o caso de Antônio Caringi, que, ainda em início de carreira, apresentou seus trabalhos no evento. Anos depois, seria responsável por esculturas emblemáticas, como a Estátua do Laçador, um dos principais monumentos de Porto Alegre.
Além de Caringi, mais artistas compuseram essa onda jovem proporcionada pelo Salão, como Sotero Cosme, João Fahrion, José Rasgado, que assinava pelo pseudônimo de Stelius, Oscar Boeira e Judith Fortes, primeira artista mulher a ter reconhecimento como profissional no Rio Grande do Sul.

“Teve essa leva de artistas jovens, e aí tem uma série de amadores que também participaram. O salão esteve aberto para profissionais e amadores e foram expostos todos no mesmo espaço, o que inclusive gerou muita crítica, muita polêmica na imprensa”, aponta Lizângela.
A imprensa teve papel fundamental na pesquisa e na construção da exposição que marca os 100 anos do Salão de Outono. Entre as fontes de maior destaque estão os textos assinados por “Jack”, pseudônimo de um crítico que acompanhou o evento de perto. Entre maio e julho de 1925, ele publicou nove artigos no recém-criado Diário de Notícias, nos quais comentava suas obras favoritas e causava polêmica com críticas irônicas aos artistas expostos.
Para a historiadora Paula Ramos, a atuação da imprensa na época foi decisiva para preservar a memória do Salão e permitir que, um século depois, seja possível reconstruir aquele momento artístico e cultural vivido por Porto Alegre. “A gente identifica essa exposição como um presente para a cidade, um presente para lembrar o que já aconteceu na cidade em termos de cultura. Agora a gente tá vivendo uma situação tão complexa no segmento da cultura, que tradicionalmente é o mais afetado, que mais perde, que mais tem dificuldades. Naquela época esse pessoal todo se uniu para fazer um grande evento e fizeram. É essa história que a gente vai mostrar”, afirma.
A pesquisadora Lizângela Guerra também ressalta o valor desse resgate histórico. “Muita gente sabe o que estava acontecendo na Semana de Arte Moderna em São Paulo, nas vanguardas europeias, mas pouca gente sabe o que estava acontecendo aqui em Porto Alegre. Pouca gente sabe que já tinha esse ambiente cultural e artístico aqui na cidade”, explica.
A abertura da exposição acontece no sábado (7), com atividade das 10h às 13h, no Museu de Arte do Paço (Mapa), no Centro Histórico de Porto Alegre. A visitação seguirá de 9 de junho a 11 de julho, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h.