Cultura
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22 de setembro de 2024
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08:45

‘Redoma’: audição comentada do novo álbum de Paola Kirst abre as portas do Coletivo Pedra Redonda

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
Sentada no chão, de vestido vermelho, Paola contou a história de cada música do novo álbum. Foto: Vitória Proença
Sentada no chão, de vestido vermelho, Paola contou a história de cada música do novo álbum. Foto: Vitória Proença

O sorriso simpático de Thais Andrade deu as boas vindas na entrada da bonita casa, localizada na curva sinuosa em que a Tristeza fica pra trás e o bairro Ipanema se vislumbra em frente. Naquele instante, ainda não a conhecia. Os primeiros passos dentro do imóvel conduziam o visitante direto para a sala onde tudo acontece. A grande mesa de áudio disposta quase ao centro não deixa dúvida de que ali está o estúdio da Pedra Redonda, comandado pelo técnico de áudio e produtor musical Wagner Lagemann.

Em torno da mesa de áudio, há sete anos se reúne uma turma que tem agitado a cena cultural de Porto Alegre: o Coletivo Pedra Redonda, auto-denominado “mutante” e “multi-facetado”. Naquela noite de sexta-feira, o coletivo abriu suas portas para uma audição comentada de uma de suas últimas criações, o álbum Redoma, da cantora Paola Kirst e banda Kiai, formada por Lucas Fê na bateria, Dionísio Souza no baixo e Marcelo Vaz no piano.

O ambiente é acolhedor, com luzes baixas nos cantos. Uma sala confortável, decorada com tapetes coloridos emoldurados numa estrutura de madeira. Os “quadros” estão em todas as paredes e inclusive no teto. No lado oposto à mesa de áudio, um sofá espaçoso. No chão, três colchões para quem quisesse sentar, cobertos por cangas e, numa das laterais, apenas duas cadeiras, onde se acomodava a atriz e pianista Simone Rasslan e o cantor e ator Álvaro RosaCosta.

O show de estreia do álbum Redoma ocorreu no último dia 13 de agosto, no Centro Histórico-Cultural Santa Casa. “A ideia é reunir gente para ouvir música junto e calhou de ser agora que o disco completou um mês”, explicou Paola, sentada no chão, com os cabelos coloridos num tom alaranjado e trajando vestido vermelho. Ao final da audição, seria exibido um minidoc sobre os bastidores da gravação do álbum.

O ingresso do evento incluía degustar comidinhas veganas com sucos e chás. Cerca de 25 pessoas compartilham o ambiente quando a primeira música é tocada, Cidade Pulsa, letra e música de Paola Kirst, seguida da segunda faixa do álbum, Lava em Movimento, do poeta Carlos Medeiros e música de Paola e Kiai. O som alto e de qualidade reverbera no ambiente.

 

O produtor musical Guilherme Ceron. Foto: Vitória Proença

Cidade Pulsa tem participação marcante do produtor Guilherme Ceron no processamento de efeitos e na voz da cantora. O efeito das vozes de Paola sobrepostas, uma delas “abafada”, oitavada, estimula o debate de como o resultado foi alcançado. “Eu proponho. Pode não querer”, comenta Ceron, rindo.    

Entre amigos, conhecidos e desconhecidos, ao final da audição das duas primeiras canções, o clima no estúdio ainda é de certo comedimento.

A terceira canção é Submersos, letra e música de Gabi Lamas, artista de São Lourenço Sul que participa da noite por meio de um vídeo gravado pra ocasião e reproduzido num monitor. Outras pessoas envolvidas na criação do álbum também enviaram depoimentos em vídeo. O nome do álbum, inclusive, seria Submersos. Após a trágica enchente de maio, entretanto, Paola decidiu trocar o nome por entender que não cairia bem usar uma palavra que remetia ao drama vivido pelos gaúchos.

A mudança, no entanto, não foi simples de ser feita, pois durante dois anos o álbum estava planejado para ter o título de Submersos. O jeito foi encontrar outra palavra capaz de explicar a essência do novo trabalho. “Eu estava muito assustada e acho que essa palavra sintetiza melhor o que é o álbum. Acho que ficou até melhor”, conta Paola. O álbum, ressalte-se, foi todo gravado no estúdio da Pedra Redonda em dois dias e meio.

Outras faixas foram sendo executadas na ordem do álbum, outras pessoas foram chegando, amigos, conhecidos, a música cada vez mais tomando conta do ambiente. Palavras bobas, com música de Pedro Borghetti e letra de Paola Kirst e Carlos Medeiros, tem arranjo de cordas feito por Pedro Dom, executado pelo quarteto formado por Bibiana Turchiello e Miriã Farias nos violinos, Pablo Schinke no cello e Cleverson Cremer na viola.

Morando nos Estados Unidos, Pedro Dom mandou áudio explicando o processo de composição do arranjo, uma explicação técnica e difícil de ser compreendida por quem não é do ramo. O trabalho foi realizado em três dias. “Primeiro vomito (a ideia). No dia seguinte, dei uma limpada e, no outro dia, finalizei”, disse depois, de modo mais cru. “Esse arranjo é isso, um arroz com feijão bem bonito e temperado com muito amor.”

 

Paola Kirst disse que o resultado final do álbum é bem diferente de outros trabalhos já feitos. Foto: Vitória Proença

O nascimento do Coletivo Pedra Redonda tem relação com o primeiro álbum de Paola Kirst, também com o grupo Kiai, Costuras que me bordam marcas na pele, lançado em 2018. A gênese da junção de artistas para trabalhar juntos está na vontade de unir forças “para fazer as coisas acontecerem”, como explica Thais Andrade. Desde o início, a linguagem audiovisual dos clipes e minidocs que marcam a estética do grupo é assinada por Vitória Proença e Vinícius Angeli. Também desde o começo está a proposta de ser um coletivo aberto.

“Não conseguimos nem dizer ao certo quando começou. É um coletivo aberto porque, para cada integrante, ele é diferente. É um coletivo multiartístico. Todos se chamam de ‘professor’, na ideia de ter algo para ensinar”, comenta Thais, diretora e iluminadora de teatro.

A entrada dela no coletivo é peculiar. Paola lhe pediu luzes emprestadas para uma gravação do álbum-visual Vertigem, gravado na Pedra Redonda. Mais do que apenas emprestar, Thais quis fazer a iluminação e acabou acompanhando as filmagens durante o dia todo no papel de assistente de direção. Depois, foi convidada para participar de outra gravação e novamente assumiu as luzes. Dessa vez, porém, houve um problema no pagamento do projeto e os outros integrantes ficaram sem receber. Thais foi a única a ganhar o cachê, pago por meio de uma “vaquinha” entre os participantes. Ao não entender porque só ela recebia o pagamento, lhe foi dito que era porque não era integrante do coletivo. “Mas eu quero ser do coletivo”, disse ela. E assim nasceu a brincadeira de que Thais Andrade entrou para o Coletivo Pedra Redonda “para não receber”.

 

O Coletivo Pedra Redonda. Foto: Divulgação

“A gente costuma dizer que as pessoas se sentem parte e assim integram o coletivo. Não tem contrato, não tem ritual ou formalidade. As pessoas se aproximam pela forma de se relacionar e fazer sentido, algo colaborativo, pensado em conjunto. A gente se apoia pra colocar as ideias no mundo. É difícil fazer um álbum, fazer um documentário”, afirma a diretora e iluminadora de teatro, responsável pela direção cênica dos shows do coletivo.

Atualmente, o Coletivo Pedra Redonda tem 16 componentes. Thais avalia que o grupo tem criado trabalhos com qualidade e de forma íntima, prezando por uma produção sensível. Na base do apoio mútuo, nascem projetos que todos querem que aconteça.

O coletivo se organiza em torno da música, mas não só. E assim tem atraído profissionais de áreas distintas que se reúnem para produzir juntos. Nessa caminhada está inserido o desejo de “fazer acontecer” trabalhos que o grupo acredita. Como exemplos, a gravação de Mestre Paraquedas e Paulo Romeu, artistas invisibilizados e que o coletivo acredita que devem ter maior projeção.

A audição do álbum Redoma prossegue. Pessoa bonita, com letra novamente de Carlos Medeiros e música de Paola Kirst; Delirando eu vôo, letra de Paola, com harmonia e arranjo de Leo Oliveira; Contínuo, letra de Thais Andrade, com música de Paola Kirst e Pedro Borghetti, gravada com a banda Psycho Delícia.

Ao passar pela metade do álbum, o clima no estúdio da Pedra Redondo já é mais solto, com pessoas deitadas nos colchões, alguns de olhos fechados, uma certa leveza no ar. O evento entra no trecho final, com as faixas Rotina nº27, letra e música de Zoje, artista residente na praia do Cassino; e Nem fudendo, letra e música de Arthur de Faria.

“Com este disco, queria poder experimentar muitas das coisas que eu estava estudando”, explica Paola Kirst, fazendo referência a exploração da própria voz e sobre brincar com ela como sendo um instrumento. “Se ela falhar, vou assumir que falhou e tá tudo bem, faz parte.”

 

O clima dentro do estúdio da Pedra Redonda foi ficando mais descontraído durante a audição. Foto: Vitória Proença

As duas últimas músicas são Nada, letra e música de André Paz, com participação especial da potente cantora Marietti Fialho, e Véu do Tempo, composição do baterista da Kiai, Lucas Fê, e Carlos Medeiros, música de Lucas Fê e também interpretada pelo baterista.    

Véu do Tempo tem uma curiosidade. Ausente no evento presencial, Lucas Fê mandou um depoimento em vídeo de quase 10 minutos. Fala logo avaliada como longa demais para o momento. A fotógrafa Vitória Proença foi direta para os dois minutos finais do depoimento, trecho em que ele contou como foi “enrolado” por Paola. Isso porque gravou a voz da canção achando que ela também cantaria junto e gravaria depois. Ledo engano. Ficou bom demais ele cantando sozinho, decidiu Paola. Risadas generalizadas no estúdio da Pedra Redonda.

Paola Kirst diz que apenas três faixas do novo álbum se assemelham com o trabalho que ela desenvolve há anos em parceria com a banda Kiai. As outras têm um resultado final bem diferente. “Foi um pulo no precipício.”

 

O grupo que acompanhou a audição comentada do álbum “Redoma”, de Paola Kirst. Foto: Vitória Proença

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