
No Brasil, há 479 mil detentos espalhados em unidades prisionais ao redor do País. Diante deste cenário, iniciativas como o documentário “Palavra Presa” surgem para ampliar a discussão sobre medidas que podem contribuir de forma positiva para a realidade do cárcere. Dirigido por Ilaine Melo e filmado no complexo prisional de Joinville/SC, o filme será exibido na Cinemateca Capitólio no dia 24 de setembro, às 19h, com entrada franca.
Realizado pela IPÊ Produções e CPU Filmes, o longa-metragem apresenta o cotidiano do envolvimento de João Marcos Buch, na época juiz penal e atualmente desembargador, com projetos de leitura e escrita dentro de sistemas prisionais. Com intuito de romper rotinas violentas, propiciar um espaço de organização emocional, diálogo e aproximação com obras literárias, Buch, que também é autor, é acompanhado na sua jornada de defesa dos Direitos Humanos.
A diretora do longa-metragem, Ilaine Melo, afirma que, durante o processo de produção, foram lidas mais de 400 resenhas escritas para o benefício da remição de pena. “Entrevistamos várias pessoas que compõe a comunidade carcerária. Detentos, diretores, professores e agentes”, diz. A intermediação entre os membros ocorreu através de Buch, protagonista do filme.
Segundo a diretora, os objetivos de impacto do documentário incluem fomentar o diálogo com a sociedade sobre o sistema de justiça criminal e penitenciário, que historicamente segrega jovens negros, pardos e pobres; discutir alternativas para superar violações dos Direitos Humanos nas prisões brasileiras; apresentar a remição de pena pela leitura como um recurso inclusivo; e promover alianças e dar visibilidade a redes e movimentos sociais que defendem os Direitos Humanos, utilizando o cinema como ferramenta de mobilização.
Além da exibição, a sessão na Cinemateca Capitólio do dia 24 contará com um debate com os produtores do documentário.
A Resolução 391, aprovada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2021, regulamentou a remição por estudo, um direito da população carcerária previsto desde 2011. Conforme a resolução, a cada obra lida, é possível reduzir até quatro dias de pena. O limite é um livro por mês, seguido de um relatório, podendo remitir 48 dias da sanção penal a cada ano.
O Censo Nacional de Práticas de Leitura, elaborado pelo CNJ em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Política Social e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mapeou a presença de programas relacionados à leitura em estabelecimentos de privação de liberdade e apontou que 18 unidades da federação tem projetos políticos pedagógicos de fomento à leitura em todas as unidades de atendimento socioeducativo, enquanto 4 não possuem programas do tipo — outras duas têm na maior parte das unidades e duas na menor parte.
Professora da UCPel e coordenadora-geral do Censo, Christiane Russomano Freire, avalia que “o direito à literatura deve ser considerado um direito fundamental, independentemente se a pessoa está privada de liberdade ou não”.
Ela destaca que, além do direito de remição da pena, a prática de leitura promove outros benefícios às populações do sistema penal e socioeducativo. “Existe um resgate de cidadania, do direito à fala, um resgate, inclusive, das relações familiares”, diz.
Christiane diz ainda que, com o incentivo à leitura, a população carcerária adquire interesse pelo estudo, tem uma valorização da autoestima, há uma melhora na convivência entre os detentos e também com os profissionais do sistema. “É, fundamentalmente, para que as pessoas tomem para si sua existência, ‘sou preso, cometi um crime, mas minha vida não acabou’. A literatura permite esse tipo de identificação”, afirma.