
Treze artistas que participaram do espetáculo “O Reino do Natal”, apresentado no 38º Natal Luz de Gramado, em 2023, cobram desde janeiro deste ano, em vão, os cachês devidos pela produtora Yeah!, contratada pela Autarquia Municipal de Turismo de Gramado (Gramadotur) para realizar a obra. De acordo com os artistas, os cachês previstos em contrato variam entre R$ 15 mil e R$ 17 mil, referentes a mais de 600 apresentações realizadas em 10 sessões diárias, seis dias por semana, durante os dois mais de meses e meio de duração do tradicional evento na Serra Gaúcha — entre 26 de outubro de 2023 e 21 de janeiro de 2024.
Em carta divulgada sobre a situação, os artistas alegam que estão cobrando os valores desde janeiro e que, até o momento, não receberam nenhum pagamento. Na manifestação, alegam que a Yeah!, depois de descumprir o prazo original em janeiro, chegou a propor um primeiro acordo de dividir os valores devidos em quatro parcelas a serem pagas entre abril e julho, mas nem a primeira delas foi quitada. Responsável pela produtora, Abramo Machado apresentou uma nova proposta em julho, mas com parcelamento dos cachês em até sete vezes, o que não foi aceito pelos artistas, uma vez que não acreditam que o parcelamento será honrado e exigem que o pagamento seja feito em uma única vez.
Além de não terem recebido, os artistas afirmam que precisaram arcar com todos os custos de alimentação, moradia e higiene durante o período de apresentações em Gramado, o que seria ressarcido pela produtora nos cachês até o momento não pagos. “Ao todo, somamos 13 artistas que tivemos de nos mudar para Gramado. Em outras palavras, pagamos para trabalhar, pagamos para dar lucros a empresas que agora não se responsabilizam e nos pedem paciência”, diz a manifestação dos artistas.
A nota ainda aponta que os artistas fizeram reuniões com a Gramadotur e a produtora, sem que a situação fosse resolvida. A posição da Yeah! repassada aos artistas em abril era de que os recursos que seriam usados para o pagamento dos cachês estava retido pela Gramadotur, que nega qualquer atraso com a produtora. Posteriormente, a empresa alegou que não teve lucro com o espetáculo e, ainda, que as enchentes que atingiram o RS teriam prejudicado o pagamento, o que os artistas consideram uma “desculpa lamentável e cruel”.
“A produtora alega que não teve lucro, entretanto um elenco que não é sócio não pode arcar com esta (ir)responsabilidade de uma produção que não tem um caixa e mesmo assim contrata funcionários e depois não os paga. É preciso dizer também que a Gramadotur, na condição de tomadora de serviços, firmou o contrato de exclusividade com a empresa Yeah! Entretenimento e Participações Eireli para a realização do evento O Reino do Natal. Tal contrato estabelece uma relação jurídica entre Gramadotur e Yeah!, onde a primeira se beneficia diretamente do serviço prestado pela segunda. A Gramadotur tinha controle sobre o evento, consequentemente sobre os serviços prestados pelos 13 artistas. Os artistas atualmente estão recorrendo à justiça, indo em busca de seus direitos trabalhistas”, diz a nota.
O Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado do Rio Grande do Sul (Sated-RS) informa que foi procurado pelos artistas para mediar a situação, tratando do assunto com a produtora em e-mails, reuniões e troca de mensagens, mas também sem obter sucesso. “A assessoria jurídica buscou uma intervenção no caso, propondo reunião com a Gramadotur e posteriormente com a produtora Yeah. A Gramadotur se eximiu de qualquer responsabilidade, já a produtora se dispôs a fazer o pagamento de forma parcelada, o que não foi aceito pelos trabalhadores, uma vez que estão desde janeiro aguardando o pagamento”, diz o Sated.
O sindicato pondera ainda que problemas de falta de pagamento a artistas são comuns na região da Serra Gaúcha, especialmente em Gramado e Canela, existindo um histórico de “descumprimentos contratuais e exploração de mão de obra”. “Inclusive, o Sated está movendo uma força tarefa para detectar artistas nessas condições. É particularmente alarmante que, enquanto o local em questão é amplamente reconhecido como um ponto turístico de destaque, a empresa responsável não esteja cumprindo com suas obrigações de pagamento aos trabalhadores. Este local, que se orgulha de sua ostentação e atratividade, deve refletir a dignidade e o respeito que todos os trabalhadores merecem”, diz o sindicato.
Em nota divulgada neste mês de agosto, a Gramadotur informa que “recentemente tomou conhecimento” do atraso no pagamento dos cachês e que todos os valores previstos no contrato com a produtora foram devidamente repassados pela autarquia. “No aspecto, importa referir que há casos, provenientes de outros contratos de prestação de serviço, em que houve descumprimento desta empresa, ensejando a instauração de processo tanto no âmbito administrativo, como na esfera judicial. A responsabilidade pela contratação de equipe e cumprimento de todas as responsabilidades trabalhistas, incumbiam exclusivamente à Yeah! Entretenimento e Participações LTDA, sendo tal condição também estabelecida no contrato para elaboração e execução do evento”, diz a nota da Gramadotur.
A autarquia diz ainda que as suas contratações respeitam o processo licitatório e as legislações civil, criminal e trabalhista, com todos os seus atos sendo submetidos à fiscalização do Tribunal de Contas do Estado e do Ministério Público, mas ressalta que não tem como resolver a situação dos artistas. “A Autarquia Municipal lamenta o fato ocorrido, contudo, tal circunstância excede os limites de sua competência, considerando que cumpriu integralmente com suas obrigações relativas ao contrato firmado, em todos os aspectos”, diz a nota.
A reportagem encaminhou um e-mail para o contato oficial da Yeah!, mas este retornou com a mensagem de que o domínio da produtora não existia mais. Também entrou em contato com Abramo Machado, que não retornou até o fechamento desta matéria.
Os artistas informam que estão buscando seus direitos trabalhistas na Justiça e que chegaram a ser avisados pelos contratantes de que a ação não seria boa para o elenco, “visto que eles retiraram todos os bens do seu nome e não tem como pagar”. “Nós artistas estamos atravessando a crise decorrente da enchente e sabemos o quanto é essencial o pagamento, em uma Porto Alegre com teatros defasados, editais para próximo ano e ainda tivemos nossos espetáculos cancelados este ano no Natal Luz, que ficou apenas com artistas locais na programação”.