Cultura
|
13 de junho de 2021
|
18:31

No formato de aula-entrevista, seminário investiga o processo de criação literária de escritores e suas obras

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
No formato de entrevista, o escritor Reginaldo Pujol Filho repete agora a fórmula que foi sucesso em 2020. Foto: Davi Boaventura
No formato de entrevista, o escritor Reginaldo Pujol Filho repete agora a fórmula que foi sucesso em 2020. Foto: Davi Boaventura

Depois de uma longa trajetória de 10 anos como aluno da oficina literária do escritor Charles Kiefer, em Porto Alegre, seguida de pós-graduação em Portugal, e mestrado e doutorado em Escrita Criativa na PUC-RS, Reginaldo Pujol Filho começou a dar cursos de criação literária há cerca de sete anos. Nesse período, volta e meia seus alunos perguntavam questões específicas sobre a escrita do gênero romance, uma provocação involuntária que foi crescendo até dar origem ao seminário “Romance: Modos de Fazer”.

O formato é o da “aula-entrevista”. Na primeira edição, realizada em 2020, nove escritores e escritoras foram entrevistados por Pujol Filho, estimulados a desmembrar os caminhos e descaminhos da elaboração de seus livros. O sucesso da empreitada impulsionou a realização do volume 2 do seminário, que começa na próxima quinta-feira (17) e segue até o final de julho.

Dessa vez, serão oito entrevistas e oito obras esmiuçadas: Maria Valéria Rezende (Carta à rainha louca); o mexicano Juan Pablo Villalobos (Se vivêssemos em um lugar normal);  José Falero (Os supridores); Eliana Alves Cruz (O crime do cais do Valongo); Carola Saavedra (Com armas sonolentas); Luisa Geisler (De espaços abandonados); Samir Machado de Machado (Tupinilândia); e Itamar Viera Júnior (Torto arado).

“A forma do romance parece que inquieta muito, embora seja uma forma que não tem forma, no meu modo de ver, mas que inquieta muito quem está em desenvolvimento na escrita, fazendo oficinas e cursos. De tanto ouvir essas perguntas e pensar que nada em literatura tem uma resposta só, achei que podia ser interessante para os alunos, alunas e outras pessoas, terem acesso a um painel com variadas visões da escrita do romance e que o melhor jeito seria chamar quem já escreveu romances potentes, curiosos, interessantes, pra conversar a fundo”, explica Pujol Filho.

Será uma hora de entrevista com cada convidado e mais uma hora de conversa com os participantes. O seminário será on-line e ainda há vagas para os interessados. Para o autor de “Não, não é bem isso” e “Só faltou o título“, o formato do seminário transita entre a crítica e o ensaio literário, na medida em que torna possível debater os livros ao mesmo tempo em que se conhece o processo de escrita de cada autor convidado. “A entrevista junta o potencial da crítica em elaborar uma obra, mas também trazer o conhecimento do escritor ou da escritora”, afirma Pujol Filho.

Sul21: Como surgiu a ideia do seminário?

Reginaldo Pujol: É muito comum a pergunta sobre como se faz um romance, como se começa um romance. A forma do romance parece que inquieta muito, embora seja uma forma que não tem forma, no meu modo de ver, mas que inquieta muito quem está em desenvolvimento na escrita, fazendo oficinas e cursos. De tanto ouvir essas perguntas e pensar que nada em literatura tem uma resposta só, achei que podia ser interessante para os alunos, alunas e outras pessoas, terem acesso a um painel com variadas visões da escrita do romance e que o melhor jeito seria chamar quem já escreveu romances potentes, curiosos, interessantes, pra conversar a fundo. Não é comum que a gente tenha um debate aprofundado sobre a técnica, a elaboração do personagem, preocupação com conflito ou não conflito, desenvolvimento, a montagem, aquela pista deixada lá no meio do livro.

Sul21: E como é a preparação para fazer as entrevistas?

Reginaldo Pujol: Cada entrevista é uma. Eu fico estudando o livro e meio que desmontando ele pra depois fazer uma entrevista super voltada para a construção daquele objeto específico. Então esse é o ponto de partida, pela inquietação de gente que estudo escrita criativa, que tá iniciando ou já escreve há algum tempo. Percebi que isso é uma coisa que está no ar, as pessoas querem ouvir sobre isso, só que elas nunca vão encontrar uma resposta só. Ano passado foram nove encontros, esse ano são oito. Foram nove pessoas, falando nove coisas completamente diferentes sobre a escrita do romance. É até meio libertador, estimulante pra se ver que a gente também pode criar nossos modos, pensar em outras possibilidades de estruturar o romance.

Sul21: Alguma influência das famosas entrevistas da revista Paris Review?

Reginaldo Pujol: Muita gente tem comentado comigo sobre a referência da Paris Review, e também as referências nacionais, as melhores entrevistas do Rascunho, do Suplemento Pernambuco, mas é uma coisa que na hora não me dei conta dessa semelhança. Depois falando com outras pessoas sobre esse parentesco, é evidente que existe uma tradição da aprendizagem da técnica literária via entrevistas, e como a gente compra livro de entrevista de autores, como a gente gosta de ler entrevistas sobre a produção de um livro, como a gente vai a eventos ouvir escritores e escritoras falando.

Mas acabou surgindo esse formato de uma forma meio inexplicável. Eu passei brevemente pela faculdade de jornalismo, mas não cheguei nem perto de praticar jornalismo, mas há uns 15 anos o Fernando Ramos, que organiza a FestiPoa Literária, me chamou pra fazer uma mediação. E descobri prazer nisso, gosto muito de colocar o debate, estudar os livros. Vejo como uma espécie entre a crítica e o ensaio literário, porque tu vais elaborando os livros e debatendo, e tem o retorno também. Acabei me tornando um cara que faz muitas mediações, fui desenvolvendo uma experiência de entrevista e vejo que quando o mediador tenta se esconder, deixar o outro falar, isso é muito rico pra quem está assistindo. A entrevista junta o potencial da crítica em elaborar uma obra, mas também trazer o conhecimento do escritor ou da escritora.

Sul21: O que é mais interessante em entrevistar colegas escritores, até mesmo pro teu aprendizado?

Reginaldo Pujol: Me acrescenta muito. Tive a oportunidade de conversar com os mais diferentes tipos de escritores e escritoras e aprendo muito. Ano passado fiz a entrevista de lançamento numa live de um autor alagoano, o Lucas Litrento, e ele é um leitor incrível, com uma base de leitura sensacional, e conversar com ele é muito inspirador. Tu vês a energia do jovem, com a cabeça fervilhando, mas isso casado com a leitura. Ouvir as experiências dos outros escritores e escritoras é retroalimentador, ouvir os processos deles e pensar nos teus, achando novas possibilidades pra tentar novas escritas. É o poder do diálogo, estar aberto pra experiência alheia e se deixar alimentar por elas.

E também é legal perceber as fragilidades. Se pensa muito no mito do gênio, que sabe escrever e tem amplo domínio da coisa e, quando tu vês, as pessoas se entregam muito na dificuldade ou no espaço do acaso pra escrita. Outra coisa que não podemos esquecer é a importância da dedicação. É 100% trabalho, energia, acordar de manhã pra pegar no batente. Não é aquele prazer…colocar pra fora, não é uma catarse só. É muito trabalho. E isso fica evidente, na soma das conversas transparece muito.

Sul21: O quanto da literatura é técnica? O quanto é possível aprender técnica literária?

Reginaldo Pujol: Vou citar uma frase brilhante do Luiz Antonio de Assis Brasil, grande escritor e grande professor de escrita, que diz assim: “Não se ensina a escrever, mas aprende-se”. Não existe um jeito só de escrever, mas a aprendizagem literária, assim como outra manifestação artística, ela existe. Ela pode existir pela experiência, pelo convívio com as obras, pela leitura atenta. Ela pode acontecer pela leitura de entrevistas, pelo acompanhamento da experiência de outros escritores e escritoras, pode acontecer pela conversa diária com amigos, e pode acontecer também no espaço das oficinas e dos cursos de criação literária.

Sem dúvida há recursos técnicos. Fazer literatura existe há milênios, então existe uma série de conhecimentos acumulados, que não quer dizer que se precise usar como sempre se usou, mas existem exemplos construídos de variados tipos de personagem, variadas gamas de narradores, variados modos como narrativas foram desenvolvidas, como o tempo foi atrasado pra criar suspense, como o tempo foi acelerado pra criar intensidade. Tem uma série de coisas que já se observou, se repetiu e se aprimorou. Existe conhecimento sobre isso, mas não é como engenharia, em que existe um cálculo pra fundação e não vou tentar fazer um cálculo de vanguarda, porque existe um jeito de como se faz. Literatura existem vários jeitos de como já se fez. Então é a frase do Assis Brasil, “escrever literatura não se ensina, mas aprende-se”.

Sul21: O que mudou no ensino da escrita criativa desde o início há cerca de 30 anos no RS, com o Assis Brasil e o Charles Kiefer, ou com o João Silvério Trevisan (SP) e o Raimundo Carrero (PE)?

Reginaldo Pujol: Tenho a formação quase completa. Fui aluno na oficina do Charles Kiefer por quase 10 anos, fiz pós-graduação em Artes da Escrita, em Lisboa, fiz mestrado e doutorado na PUC. Então já vivi de tudo um pouco como aluno de escrita criativa e criação literária. É difícil pensar em termos do que mudou. Uma coisa que certamente mudou é o espaço que isso ocupa hoje no campo literário. Ainda tem gente que torce o nariz, mas tem muito mais gente que leva a sério esse espaço de formação e convívio. A oficina foi muito mal carimbada como lugar em que se “ensina a ser escritor”, como se em qualquer escola de música se vai sair um Beethoven ou Jimi Hendrix, não é isso, é uma parte da formação.

A oficina literária pode ser um espaço de leitura, de aprofundar a relação com o texto, ganhar novas ferramentas inclusive de leitura, se aprende muito a ler quando se faz curso de criação literária. Mas uma coisa que mudou bastante é a possibilidade de oferta e quase de especialização. Eu mesmo descobri obcecado pelo narrador, pela prática do narrador literário, então criei um curso de 16 horas só pra pensar a figura do narrador e as possibilidades de se praticar vozes literárias pra construir contos ou romances. Isso é um exemplo. Daqui a pouco se descobre alguém armando um curso sobre discrição, um curso sobre fluxo de consciência, sobre construção do personagem — o Paulo Scott tem trabalhado muito sobre construção de personagem. No começo do ano a Verônica Stigger tava dando um curso sobre escrita de diálogo.

Então acho que antes, como era tão rarefeito, um campo por se desbastar, era até o clichê de “oficina de contos”, e hoje tem cursos voltados pra romance, pra escrita poética, de dramaturgia, de roteiro. Foi se explorando mais possibilidades porque tem muita coisa pra debater.

Sul21: A ambição dos alunos também mudou?

Reginaldo Pujol: Quando comecei a fazer oficina em 2001, a minha turma era de uma ingenuidade, em termos de objetivos, quase romântica. Era um bando de pessoas que estava ali porque tinha prazer de escrever algumas coisas e não sabia escrever muito bem. E se passou muito tempo escrevendo por escrever, pra levar na oficina e debater com os colegas, reescrever e mostrar de novo. Era mais ou menos isso. Com o tempo comecei a ver a oficina como um espaço de pessoas que já se entendem escritoras e já chegam com a ideia de um livro ou com ambição de estar no mercado editorial. Acho que tem uma coisa mais pragmática com o contato com a oficina. Isso é uma mudança, o perfil de quem aparece desde que comecei a dar aula, nos últimos 7 anos, tem muito disso.


Leia também