
O vereador Felipe Camozzato (Novo) tentou recuperar neste mês de junho um projeto que havia apresentado em 2019 com o objetivo de revogar a Lei nº 8203/1998, que determina que shows internacionais realizados em Porto Alegre devem contar obrigatoriamente com apresentações de abertura feitas por “músicos, cantores ou conjuntos musicais do município”. Contudo, após uma mobilização de artistas para repudiar a proposta, Camozzato decidiu, ao menos no momento, desistir de levá-la adiante.
O PL 165/19 foi apresentado originalmente em julho de 2019, mas arquivado em janeiro do ano seguinte. De acordo com informações da Câmara de Vereadores, foi desarquivado neste ano. A última informação a respeito do projeto indica que, neste mês de junho, ele está em tramitação.
Procurado pela reportagem, o vereador Camozzato informou, por meio de sua assessoria, que não irá colocar o projeto para votação e que preferia não falar mais sobre o assunto.
Em entrevista sobre o projeto à GZH em 2019, o vereador explicou que fazia parte de um esforço para revogação de projetos de lei antigos. Na época, afirmou que a Lei nº 8203/1998 era uma “burocracia que não tem justificativa” e que apenas criava reserva de mercado para os músicos do município.
No texto do projeto de lei, defendeu a revogação com a justificativa de que ela “prejudica a produtora que tem, em seu rol, potenciais bandas capazes de atender aquele evento e que são limitadas artificialmente. Da mesma forma, as pessoas que vão assistir ao show terão que se contentar com a atração que foi capaz de se enquadrar nos condicionantes impostos por esta Lei, e não com o artista desejado por uma maioria para a abertura do espetáculo cultural em questão”.
Além disso, citou uma decisão do município de Foz de Iguaçu em que o prefeito, ao vetar uma lei semelhante, argumentou que a obrigatoriedade de contratação de artistas locais elevaria os custos do evento para os organizadores e para os consumidores que teria um de pagar um preço maior não relacionada ao que “queriam assistir de fato”.
Com o desarquivamento do projeto, vereadores de oposição organizaram uma audiência para debater o projeto, que contou com a participação de mais de 30 artistas, que se posicionaram amplamente contra a proposta.
Uma das vozes mais ativas contra o projeto, Renato Borghetti, que já abriu shows internacionais dos artistas Roger Waters e Robert Plant, argumenta que há um consenso entre a comunidade artística de que a revogação da lei seria negativa. “Nenhum setor da sociedade é unânime em quase nada, ainda mais no Rio Grande do Sul. Mas, a respeito dessa conquista, tu pode perguntar para qualquer músico, de qualquer área de trabalho, seja regional, instrumental ou rock, 100% deles vão dizer que apoiam. Eu não entendi o porquê do projeto”, diz.
Para Borghettinho, a proposta de Camozzato foi um tiro no pé dado pelo vereador. “Não existe um argumento a favor disso, uma coisa tão positiva que qualquer pessoa vai dizer que é uma belíssima conquista. Se perguntar para qualquer pessoa envolvida, desde o organizar, o artista que vai se apresentar no palco principal, ao próprio artista local que vai estar se apresentado. O publico gosta. Eu toquei antes do Roger Waters, do Robert Plant, e até hoje escuto de pessoas que não são acostumadas com a música regional”, diz. “Politicamente, ele deve estar arrependido e, pessoalmente, ele deve estar envergonhado”.
Frank Jorge, que abriu o show de Paul McCartney em Porto Alegre em setembro de 2017, também considerou a proposta lamentável. “O cara não tem outras coisas melhores para fazer pelo povo do Rio Grande do Sul do que inviabilizar que artistas locais trabalhem num dia que tem um show internacional?”, pontua.
Para Jorge, há uma série de benefícios trazidos pela lei. “É algo muito importante, não só pela questão da troca, da experiência e da arrecadação de direito autoral, mas o artista coloca a sua carreira em perspectiva. Ele vai estabelecer um comparativo. ‘O que é a trajetória, a discografia do Paul McCartney’, como foi o meu caso. Eu fiquei olhando. Puxa, o cara teve tal discografia com os Beatles, tal discografia com o projeto solo, tal discografia com a banda Wings, depois retoma o solo. Eu fui olhando o que eu já fiz, o que eu lancei. A partir dessa experiência de outubro de 2017, de tocar com o McCartney no Beira-Rio, se eu já tinha uma regularidade de compor e lançar novos materiais, eu tentei intensificar, independente de eu atuar como professor da Unisinos. Eu vi o quão importante é tu ter um conjunto de obra que precisa ser abastecido, precisa ser mais consistente”.
Uma das vereadores que participaram do evento, Daiana Santos (PCdoB) diz que a reunião também teve por objetivo realizar a defesa da cultura, setor que está entre os mais atingidos pela pandemia do coronavírus.
“Vive-se um momento muito duro para todo o setor artístico e cultural. Desde os artistas mesmo, até o pessoal que trabalha com iluminação, com cenografia, os trabalhadores da graxa, como eles chamam, que é o pessoal que mais tem sofrido com toda essa desestrutura nesse período de pandemia. Não teve nenhuma iniciativa desta nova gestão para além da distribuição de cesta básicas, que ainda foi solicitada pelo Conselho Municipal da Cultura, não foi uma iniciativa direta do município. Então, quando a gente olha para isso, tem uma urgência. De um lado, a iniciativa privada que vai atacando as expressões culturais do setor artístico e cultural como um todo. E, do outro, esse desalento para esses trabalhadores que já sofrem tanto”, diz.
Segundo Daiana, a reunião gerou um tensionamento e promoveu uma discussão entre os vereadores, o que acabou resultando em um ambiente contrário à aprovação do projeto. “Quando isso veio à tona com este tom, veio também com o movimento essa consciência de que estamos atacando algo que é nosso. A gente valoriza o que vem de fora, mas não olhamos com respeito para as nossas coisas, para a nossa cultura. A gente notou, conversando com os vereadores da base, que teve essa reflexão. A gente está falando de algo que não é ideológico, é a cultura do povo”, afirma.