
Fernanda Canofre
Além do dia de sol, o domingo (02) do Parque da Redenção ganhou as cores do arco-íris LGBT espalhado por varais, roupas, bandeiras que cobriam casais e pessoas de várias idades caminhando por mais uma edição da Parada de Lutas, realizada desde 2007 na capital. O dia de protestos, que este ano escapou por dois dias do mês oficial do Orgulho LGBT no calendário mundial, foi criado por um grupo de coletivos e movimentos de Porto Alegre para não deixar o dia 28 de junho passar em branco. A data é celebrada mundialmente como Dia do Orgulho LGBT, em memória aos protestos ocorridos depois da repressão no bar Stonewall Inn, no Estados Unidos, em 1969.
“Visto que a outra Parada [Livre] ocorre no final do ano, tem apoio do governo e tudo, a gente achava que era importante reforçar uma Parada independente, sem apoio de governo nenhum, construída pelos coletivos, auto-sustentada”, diz Roberto Seitenfus, coordenador do coletivo Desobedeça LGBT. Durante todo o dia, as atividades da Parada foram acompanhadas por milhares de pessoas aproveitando o momento para dar um recado político à sociedade.
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É isso que faz Atena Beauvoir Roveda, mulher trans, filósofa e escritora, de 26 anos, frequentar todos os anos as duas Paradas – tanto a de Lutas, quanto a Livre, que ocorre em novembro. “Não há diferença quando mulheres trans e travestis morrem todos os anos”, diz ela.
Mesmo reconhecendo a discriminação e preconceito nos olhares que recaem sobre ela todos os dias, Atena diz que “não é tao horrível quanto parece”. Porque há coisas piores. “O problema não é a gente caminhar e não ser visto ou não ser aceito, não poder frequentar um lugar. Eu não me importaria com isso, se eu pudesse ter um emprego digno, se eu pudesse ser atendida em qualquer hospital, se eu pudesse ir a uma delegacia fazer denúncia e ser tratada como a mulher que eu sou”, explica ela.
Atena diz acreditar que “as pessoas têm o direito de não aceitar, mas têm o dever de respeitar”. Por isso, ela ressignifica a data conhecida como “Orgulho” internacionalmente. “Acho que não é orgulho trans ou orgulho LGBT, acho que é existência trans, humanidade trans. Gay é humano, lésbica é humana, bissexual é humano, travesti é humana, transexual é humana, como qualquer outro cis ou heterossexual. A natureza produz uma diversidade imensa de seres vivos, de formas, de cores, de distâncias, por que quando a gente fala de humanidade, um modelo e um padrão só é respeitado?”.
Cobrança por políticas públicas

O fato de a Coordenadoria de Diversidade Sexual da Prefeitura Municipal de Porto Alegre estar ajudando a divulgar a Parada deste domingo, foi questionado a princípio, diante de um movimento que prega não ter ligações com partidos. Roberto diz que “o microfone [da Parada] é aberto a qualquer um que quiser falar”.
Entre as milhares de pessoas no Parque da Redenção, estiveram ainda as deputadas Maria do Rosário (federal pelo PT), Manuela D’Ávila (estadual pelo PC do B) e a vereadora Fernanda Melchionna (Psol). Seitenfus diz que a presença de personalidades políticas ajuda na cobrança por políticas públicas. “No mesmo momento em que eles subirem pra falar, a gente cobra eles. Como aconteceu com o governo do Estado em outros anos, isso também ocorre este ano”.
Uma das pautas que a Parada de Lutas cobra da Prefeitura Municipal é a questão do artigo 150, da Lei Orgânica do Município, que prevê punição aos estabelecimentos comerciais que praticarem discriminação contra pessoas LGBT na capital. Mesmo com a lei em vigência, nunca nenhum estabelecimento de Porto Alegre foi punido. E, segundo vários coletivos e casos encaminhados há anos para o Conselho Municipal de Direitos Humanos, não seria por ausência de denúncias.
Um dos bares que mais acumula denúncias, é o Pinguim, localizado na esquina das ruas Lima e Silva e República, no coração da Cidade Baixa. Ponto que serviu de protesto em marchas da Parada no passado e, novamente este ano, com o chamado “beijaço”. O primeiro caso de discriminação no local, segundo Roberto, aconteceu com um casal gay em meados de 2005, que chegou a se tornar um processo judicial por danos morais. “A gente precisa denunciar isso e a Prefeitura tem que ter o seu papel de punir, porque o artigo 150 prevê até a perda do alvará desses estabelecimentos”, explica ele.

“Há pouco tempo uma houve uma tentativa de diálogo com eles, quando [o bar] ficou sob nova direção. Mas é só jogo de cena, só para inglês ver”, conta Gil Cunha, do Conexão Diversidade, projeto de extensão da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Depois do primeiro caso, quando isso repercute e toma uma visibilidade, era para repensar, dizer ‘erramos’ e não acontecer mais. Só que depois do primeiro houve muitos outros”.
O coordenador de Diversidade Sexual do governo Nelson Marchezan Jr. (PSDB), Dani Boeira, diz que sua gestão ainda não recebeu denúncias contra o Pinguim ou outros estabelecimentos. “Mas é questão de honra barrar isso daí. O bar Pinguim é um bar homofóbico. Eu vou levar isso até a secretária do Desenvolvimento Social, Maria de Fátima Paludo, porque isso é uma reivindicação dos movimentos sociais. É para isso que serve uma Parada, para vir aqui governo e movimento social e conversar sobre o que está acontecendo”.
O coordenador afirmou que vai pedir, nesta segunda-feira, um encontro com a secretária para pensar em formas de agilizar ações práticas, no momento em que novas denúncias chegarem ao conhecimento da Prefeitura. A ideia é evitar que novamente elas caiam apenas em registro, sem resultados. No alto do carro de som, Boeira lembrou do número 180 onde a população pode fazer denúncias sobre quaisquer tipos de violações ou discriminação aos direitos humanos. No recado, ele avisou que só assim poderá agir punindo os estabelecimentos que incorrerem neste tipo de ação.
Fora, Temer

Além da Prefeitura, a Parada também lançou críticas e cobranças aos governos do Estado e da União. Do Piratini de José Ivo Sartori (PMDB), questionaram a repressão recorrente da Brigada Militar a movimentos sociais, deixando de lado seu papel institucional de “dar segurança”. Do governo de Michel Temer (PMDB), veio o tema que puxou a manifestação de 2017: Fora, Temer.
“O que nos legitima para a questão do Fora Temer é que esse governo é fundamentado pela questão do apoio da bancada fundamentalista religiosa que diz que nós não somos gente, que lá no Ministério da Educação retirou a pauta LGBT da discussão da educação, que era uma coisa que a gente vinha construindo com o passar dos anos. Ou seja, é um governo que nos ataca, que não nos respeita. Sem falar nas questões da reforma trabalhista, reforma da Previdência e a corrupção”, explica Seitenfus.
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