

Da Redação*
O Povo Guarani divulgou uma Carta Aberta à sociedade brasileira sobre a CPI da Funai e do Incra 2 (a primeira terminou sem entrega de relatório e foi reaberta a pedido da bancada ruralista). No texto, os guaranis reunidos na Aldeia do Morro Alto, em Santa Catarina, dizem não ter se surpreendido com a condução da Comissão Parlamentar de Inquérito, na Câmara dos Deputados, liderada pela bancada ruralista. E questionam: “De qual crime nos acusam? O de existir. Por se identificarem como indígenas, querem que nossas lideranças respondam por ‘falsidade ideológica’. Por se organizar para defender nossos territórios e os direitos de todos os povos, querem que nossas lideranças respondam por ‘formação de quadrilha’”.
Em um processo histórico de criminalização contra os direitos indígenas no país, a CPI 2 entregou relatório no início do mês pedindo o indiciamento de 120 pessoas, entre indígenas, antropólogos, procuradores federais, servidores da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional da Colonização e Reforma Agrária (Incra), membros do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e o ex-ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff (PT), José Eduardo Cardozo. O relator da matéria, deputado federal Nilson Leitão (PSDB-MT), dedicou o trabalho à memória de um bandeirante.
Indígenas de várias partes do país, que foram a Brasília especialmente para acompanhar a votação do relatório, foram barrados de entrar na Câmara dos Deputados. O relatório foi criticado por associações internacionais. Na quarta-feira, no segundo dia de sessão, a CPI conseguiu aprovar parcialmente o documento. Com a informação de que duas pessoas apontadas na lista do relator para pedido de indiciamento já haviam falecido, a Comissão decidiu retirar as denúncias contra procuradores e membros do Cimi. O conteúdo aprovado, no entanto, é incerto. O próprio relator não sabia afirmar ao final quantos indiciamentos foram encaminhados.
A Comissão ainda se reúne para votar os destaques, apartados do relatório pelos deputados de oposição, na próxima terça-feira. A votação seria realizada ainda na quarta passada, mas a revelação dos áudios de Michel Temer negociando o silêncio de Eduardo Cunha (PMDB) com o empresário Joesley Batista, acabaram fazendo o presidente da CPI, Alceu Moreira (PMDB), suspender a sessão. Membro da bancada ruralista, Moreira é um dos deputados gaúchos que aparece na lista de propinas da Friboi, como tendo recebido R$ 200 mil em espécie. Ele ainda não se pronunciou sobre o assunto.
Leia abaixo a íntegra da carta do Povo Guarani:
Reunidos na Aldeia Morro Alto, em Santa Catarina, nós as lideranças do povo indígena guarani do sul e do sudeste do país, articulados na nossa organização política, a Comissão Guarani Yvyrupa, resolvemos escrever essa carta para divulgar o nosso pensamento e as nossas palavras sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito da FUNAI e INCRA. Nossas palavras são para vocês, nossos amigos, porque os nossos inimigos não merecem o nosso tempo: para eles, que nos atacam há muito, nós guardamos as nossas flechas.
E o que temos a dizer é que não foi surpresa ver na televisão que a bancada ruralista, os deputados que se dizem donos da terra e da bala, acusaram as nossas lideranças, os nossos parceiros, e o órgão e as leis que nos defendem. Na lista de “indiciados”, estão lideranças da terra indígena Morro dos Cavalos (SC) e Mato Preto (RS), estão rezadores e anciãos, e estão inclusive parentes que já se foram desse mundo e estão com Nhanderu, nosso Pai Celeste – sobre eles não pesará mais a injustiça desse mundo. Estão também na lista de indiciados antropólogos que trabalharam na identificação das nossas terras, servidores da FUNAI, Procuradores do Ministério Público Federal, e religiosos, cujo maior crime foi o de entender a nossa luta.
Também não foi surpresa ver na televisão os mesmos deputados que acusaram as nossas lideranças, os nossos parceiros, e o órgão e as leis que nos defendem, são os mesmos que figuram nas listas dos que receberam dinheiro dos empresários que cortam nossas aldeias com rodovias, que levantam casas e prédios e querem construir condomínios nas nossas terras, que trancam nossos rios com barragens hidrelétricas, e que querem cavar o chão para arrancar os minérios que Nhanderu enterrou nos nossos territórios.
De qual crime nos acusam? O de existir. Por se identificarem como indígenas, querem que nossas lideranças respondam por “falsidade ideológica”. Por se organizar para defender nossos territórios e os direitos de todos os povos, querem que nossas lideranças respondam por “formação de quadrilha”.
O que temos a dizer a vocês, nossos amigos, é que os tempos estão difíceis mas não é hora de recuar. Há mais de quinhentos anos o povo guarani faz a sua luta, há mais de quinhentos anos guardamos os nossos tekoa. Tenham certeza que agora, mais do que nunca, estaremos fortes e chamamos vocês para estar do nosso lado. Nossos inimigos apostam na nossa morte, mas não se enganem: se vencem eles, perdemos todos. Os xeramoi já disseram, e agora dizemos a vocês: se não houver terra para os Guarani, para os todos os povos indígenas, para os quilombolas, para os que vivem da terra mesmo, não haverá terra para ninguém.
Que estejamos sempre fortes.
Aguyjevete!
*Com informações da APIB