Eleições 2024
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15 de agosto de 2024
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17:10

Mesmo após enchente, apoiadores de Sebastião Melo disseminam negacionismo climático

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
Ao fundo, sentado, o senador Heinze prestigiou o evento de lançamento da candidatura de Melo à reeleição. Foto: Divulgação/PMDB Porto Alegre
Ao fundo, sentado, o senador Heinze prestigiou o evento de lançamento da candidatura de Melo à reeleição. Foto: Divulgação/PMDB Porto Alegre

No último dia 31 de julho, a Prefeitura de Porto Alegre apresentou o relatório preliminar do Plano de Ação Climática, um conjunto de 30 ações estratégicas para reduzir o impacto das seis ameaças climáticas mais comuns na cidade: inundações; tempestades; deslizamentos/erosões; ondas de calor; secas e vetores de arboviroses (doenças virais). O plano, elaborado pelo governo de Sebastião Melo (MDB), cujo mandato tem sido duramente criticado por entidades e grupos ambientalistas da Capital, parece também não combinar com o conjunto das forças políticas e aliados do prefeito em sua campanha à reeleição neste ano, em que muitos são notórios defensores de projetos com alto impacto ambiental e negacionistas da crise climática. 

Um destes principais apoiadores é o deputado federal Giovani Cherini, presidente estadual do PL no Rio Grande do Sul, partido que indicou a militar Betina Worm como candidata a vice de Melo. Há poucos dias, no ato batizado de SOS Agro, um “tratoraço” realizado na Capital para cobrar ajuda do governo federal aos agricultores atingidos pela enchente, Cherini ocupou o microfone para dizer que o aquecimento global é uma “mentira” e pregar contra a COP 30, que será realizada em Belém, em 2025. 

Na foto, Alceu Moreira entre Sebastião Melo e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Foto: Reprodução

“A COP 30 é uma vingança dos países europeus em cima da agricultura brasileira. Nós temos que dizer ‘não’ à COP 30. Temos que dizer ‘não’ a essa mentira do aquecimento global. A enchente, é só fazer dragagem, que o Ministério Público, as redes de tv, os jornais, vão dizer que é pra não tirar areia do rio Guaíba e do Jacuí. Assoreou o rio, o culpado quem é? É o agricultor que derrubou a árvore. Mentira! O agricultor é tão culpado como fizeram no covid, na mentira do covid. Temos que dizer ‘não’ a COP 30 e dizer ‘não’ à mentira do aquecimento global. Inventaram agora um tal de crédito de carbono. Sabe pra quê? Pra nós, agricultores, nos sentirmos culpados por tudo o que está acontecendo”, afirmou Cherini.

O discurso negacionista tem estado na ponta da língua do presidente estadual do PL no RS. No dia 17 de abril, em postagem no Instagram, ele chamou o aquecimento global de “grande farsa” durante audiência no Congresso Nacional. Mudanças climáticas? Não! São narrativas da esquerda que acabarão com nosso agro brasileiro se não nos posicionarmos agora”, disse, em sua rede social. 

As ligações de Cherini com Melo são públicas. Mais do que indicar a candidata a vice na chapa do prefeito, o presidente do PL no RS fala com entusiasmo do apoio nas eleições deste ano. No dia 26 de julho, Melo esteve na convenção do PL, evento realizado também na Casa do Gaúcho, no Parque Harmonia, com a presença do ex-presidente Jair Bolsonaro. “Melo”, falou Cherini, se dirigindo ao atual prefeito, “o PL nunca te deixou a pé e nunca vai deixar. A Betina vai estar ao teu lado agora para continuar mais quatro anos em Porto Alegre. Porque tu, Melo, é um homem do povo. Estar ao teu lado é uma honra.”

O prefeito de Porto Alegre também tem, dentro do seu partido, a companhia de políticos criticados por suas posições contra o meio ambiente. É o caso do deputado federal Alceu Moreira (MDB), conhecida liderança do agronegócio. Em março, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o texto substitutivo ao Projeto de Lei nº 364 de 2019, que retira a proteção adicional a todo o bioma Mata Atlântica e coloca em risco toda a vegetação nativa dos demais biomas. De autoria do deputado federal e relator Lucas Redecker (PSDB-RS), o texto substitui o projeto original de Alceu Moreira (PMDB). 

Na ocasião, uma nota técnica e jurídica da entidade SOS Mata Atlântica afirmou que o texto aprovado, além de retirar proteções específicas da Lei da Mata Atlântica, pode desproteger cerca de 48 milhões de hectares de campos nativos em todo o Brasil, o que significa desproteger 50% do Pantanal (7,4 milhões de hectares), 32% do Pampa (6,3 milhões de hectares) e 7% do Cerrado (13,9 milhões de hectares), assim como quase 15 milhões de hectares na Amazônia, deixando estes territórios expostos a uma conversão agrícola “descontrolada e ilimitada”.

Conforme a entidade ambientalista, o texto aprovado na CCJ da Câmara é desproporcional, na medida em que retira ou diminui significativamente a proteção dos campos nativos de todos os biomas brasileiros para supostamente resolver problemas pontuais que afetam algumas centenas de produtores rurais situados nos Campos de Cima da Serra do Rio Grande do Sul.

Na foto: Giovani Cherini, para quem o aquecimento global é uma “farsa”, junto com o prefeito Sebastião Melo, o vice Ricardo Gomes e Rodrigo Lorenzoni. Foto: Reprodução

No dia da aprovação, Moreira foi ao Instagram celebrar a aprovação do projeto. “O projeto que foi apresentado hoje é certamente um instrumento fantástico para melhorar a qualidade de vida de muitas pessoas sem desrespeitar a questão ambiental em nenhuma linha”, afirmou o parlamentar, também defensor do Marco Temporal que pretende inviabilizar demarcações de terras indígenas no Brasil.

Em abril, durante o lançamento da pré-candidatura de Melo à Prefeitura, Moreira demonstrou nas redes todo o seu afeto ao prefeito. “O Melo é daquelas figuras que são únicas na política. É popular sem ser populista. Um prefeito que governa junto com as pessoas, não apenas para elas. Essa é a sua marca junto aos porto-alegrenses. Estaremos juntos em mais esta caminhada, meu irmão!”, escreveu. 

Segundo o MapBiomas, o país que teve a maior perda proporcional de vegetação campestre foi o Brasil, com 2,9 milhões de hectares – o equivalente a 58 vezes a área do município de Porto Alegre (RS). Trata-se de uma perda de 32% da área existente em 1985 em apenas 38 anos. O principal vetor dessa mudança é a expansão das áreas agrícolas para o plantio de soja. O uso agrícola do solo aumentou 2,1 milhões de hectares entre 1985 e 2022. A silvicultura, por sua vez, expandiu seu território em mais de 720 mil hectares nesse período – um aumento impressionante de 1.667%. Em 1985, a área total ocupada pelos campos era de 9 milhões de hectares e passou para 6,2 milhões de hectares em 2022.

 

O Pampa é o bioma brasileiro que mais perde sua área com cobertura natural. Foto: Arquivo Pessoal/Valerio Pillar

A trágica enchente que devastou o Rio Grande do Sul em maio, fenômeno extremo apontado por cientistas como exemplo das mudanças climáticas, tampouco fez diferença para sensibilizar os apoiadores de Melo. No dia 8 de maio, enquanto o Rio Grande do Sul já contabilizava 107 mortes pelas enchentes, 425 cidades inundadas e mais de 160 mil pessoas desalojadas, 15 deputados federais gaúchos votaram a favor de extinguir o licenciamento ambiental para a silvicultura, excluindo-a do rol de atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais. Com a exclusão, a atividade de plantio de florestas para extração de celulose (pinus e eucaliptos, por exemplo) não precisará mais de licenciamento ambiental e não estará sujeita ao pagamento da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental (TFCA). 

O projeto altera a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) e passou em plenário horas após a apreciação do tema ganhar caráter de urgência. Nota técnica da Associação Brasileira de Membros do Ministério Público (Abrampa), de 2022, já dizia que o projeto violaria a legislação nacional e internacional a respeito da proteção da biodiversidade. “Trata-se de rompimento explícito com o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, especialmente quando toda a comunidade científica isenta e não comprometida com a atividade econômica não foi ouvida e não teve seus estudos respeitados.”

Para o presidente da organização, Alexandre Gaio, a aprovação do PL representa um grave retrocesso na proteção ambiental no Brasil. “A silvicultura, especialmente em larga escala, possui um potencial poluidor significativo que não pode ser ignorado. Permitir que essa atividade ocorra sem o devido licenciamento ambiental é um convite à ampliação da degradação ambiental e à extinção de espécies”, afirmou. 

Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, observou que o texto, na prática, implicará na inexistência de licenciamento ambiental e não apenas isenção da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental do Ibama. “Não há como liberar esses empreendimentos dessa forma — nem da licença, que será em regra estadual, nem da TCFA. Grandes projetos do setor podem gerar problemas, como rebaixamento de lençol freático, além de implicações graves para a biodiversidade e as comunidades locais. A análise técnica de tipologias de empreendimentos necessita ser realizada pelos órgãos ambientais”, destacou. 

 

Melo e o companheiro de partido Osmar Terra. Foto: Mateus Raugust / PMPA

A aprovação do projeto nos primeiros dias da trágica enchente, contou com votos favoráveis de quatro dos cinco deputados federais do PL e de dois dos três parlamentares do MDB – entre eles, Alceu Moreira e Osmar Terra, este último um conhecido negacionista da pandemia de covid-19. 

No dia do lançamento da candidatura de Melo à reeleição, Osmar Terra cobriu de elogios o colega de partido. “O Melo faz uma política decente, que parece uma obrigação mas, infelizmente, no mundo político não é. O Melo faz uma política para transformar a realidade e o mundo que vivemos. Política é para transformar o mundo e, pra isso, o Melo cumpre todos os requisitos: é honesto, é íntegro, é confiável”, afirmou. E completou: “o Melo é uma figura única, rara na política gaúcha”.

Naquele dia 8 de maio em que a Câmara afrouxou as regras da silvicultura, a deputada Fernanda Melchionna (Psol-RS) declarou que o projeto ia contra as ações necessárias para reduzir os impactos da mudança climática vistos em diferentes partes do Brasil, como as maiores enchentes da história do Rio Grande do Sul. “Projetos como esse estarem na pauta da Câmara dos Deputados é um escárnio com as causas que nos levaram até aqui. Não é possível que se siga ignorando que o planeta pede socorro.”

Outro aliado do prefeito Melo é Luis Carlos Heinze (PP), que igualmente esteve presente no lançamento da sua candidatura à reeleição. Ele é autor de um dos 25 projetos listados pelo Observatório do Clima que podem agravar a crise climática. A instituição batizou o conjunto de projetos de “Pacote da Destruição”.  O projeto de Heinze, nascido em Candelária, uma das cidades do Vale do Rio Pardo fortemente atingidas pela enchente de maio, é o PL 1282/2019, que propõe usar as Áreas de Preservação Permanentes (APP) para construção de barragens e açudes para a irrigação de lavouras.

A proposta de Heinze é similar a outra aprovada recentemente pela Assembleia Legislativa do RS. O projeto gaúcho foi, inclusive, objeto de pedidos de explicações do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, pois há o entendimento de que os deputados estaduais legislaram sobre tema que compete apenas ao Congresso Nacional. 

Para o Observatório do Clima, o projeto do senador Heinze pode ampliar o desmatamento em áreas que devem ser conservadas e agravar problemas hídricos ao autorizar a remoção da vegetação nativa que ajuda a manter os mananciais. Atualmente, depois de já ter sido aprovado no Senado, o projeto aguarda parecer do relator na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados.


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