Eleições 2024
|
18 de agosto de 2024
|
11:48

Análise: O que esperar da eleição de 2024 após recorde de abstenções em Porto Alegre em 2020

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Em 2020, Porto Alegre foi a capital brasileira como maior número de pessoas que não compareceram às urnas no primeiro turno das eleições municipais. De acordo com dados oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a abstenção atingiu a marca de 33,08%, o que equivale a 358.217 eleitores. No segundo turno, 32,76% das pessoas preferiram ficar em casa a votar em Sebastião Melo (MDB) ou Manuela D’Ávila (PCdoB). A média nacional de abstenções nas eleições municipais de 2020, realizadas durante o auge da covid-19, foi de 29,43%. Em 2016, apesar de já elevada, a abstenção na disputa pela Prefeitura de Porto Alegre foi de 25,26%, o que equivalia a 277.521 eleitores.

Além de Porto Alegre, as demais cidades gaúchas que tiveram segundo turno em 2020 também registraram abstenções elevadas, com exceção de Caxias, que teve 25,37% de não comparecimento. Em Canoas, a abstenção foi de 31,63%; em Santa Maria, de 31,34%; e, em Pelotas, de 29,38%. Tradicionalmente, a média de abstenções em eleições municipais é maior do que em eleições gerais. No primeiro turno de 2022, a abstenção em todo o Brasil foi de 20,89%, a mais alta desde 1998, quando o percentual de não comparecimento foi de 21,49%. O nível mais baixo de abstenção registrado pelo TSE desde a redemocratização foi em 2006: 16,75%. No Rio Grande do Sul, a taxa de abstenção no primeiro turno de 2022 foi de 19,78%, portanto, abaixo da média nacional. Já em Porto Alegre, foi de 22,48%, acima da média.

A cada eleição, a Justiça Eleitoral realiza campanhas para estimular o comparecimento e reduzir a taxa de abstenção. O Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) lançará, no dia 18 de setembro, a campanha de 2024. Segundo o tribunal, os juízes eleitorais serão instruídos a comparecer aos veículos de comunicação de suas comarcas para incentivar o comparecimento dos eleitores. Além disso, o TRE pontua que uma preocupação especial para 2024 é quanto aos locais de votação que precisam ser realocados em razão do desastre climático que atingiu o Rio Grande do Sul em maio. A expectativa é de que, na primeira quinzena de setembro, seja divulgada a lista de sessões que serão alteradas.

De acordo com o presidente do TRE-RS, Voltaire de Lima Moraes, ainda não há número definitivo do eleitorado que terá de mudar o local de votação, porém já se sabe que a realocação será menor que o esperado inicialmente. O motivo é a recuperação da estrutura de escolas municipais e estaduais que servem como pontos de votação. “Na primeira quinzena de setembro, faremos a divulgação detalhada. Por ora, ainda é prematuro falar a respeito”, afirma.

Professor do Departamento de Relações Internacionais e de Educação e da Pós-Graduação de Educação na Universidade LaSalle, Fabrício Pontin tem acompanhado o tema das abstenções nas eleições brasileiras e afirma que, em 2020, o não comparecimento foi influenciado pela covid-19 e pela facilidade criada pelo TSE ao permitir que os eleitores justificassem a ausência por meio de um novo aplicativo da Justiça Eleitoral. Para este ano, ele prevê redução na taxa de abstenção.

“Em 2022, eu tenho que admitir que eu esperava um número até maior de abstenções. Eu acredito que a gente dificilmente vai ver um número tão alto esse ano, justamente porque a abstenção em 2020 foi muito predicada pela questão de poder fazer a justificativa pelo aplicativo e pelo próprio fato da covid. Sem a covid, eu acredito devemos ter uma abstenção mais próxima do que nós vimos na última eleição presidencial em Porto Alegre”, diz.

O professor Pontin pondera que a abstenção, em geral, está ligada a um sentimento de apatia com o processo eleitoral e tem duas naturezas distintas. “Ela pode ser no sentido: ‘Olha, eu não vejo diferença material entre esses dois candidatos e para mim tanto faz’, mas isso sendo um sinal de estabilidade, no sentido que você vê os dois candidatos como equivalentes e não há uma necessidade, não há uma decisão muito grande no ato do voto. Então, você vê que a distância dos candidatos não é suficiente para se motivar, mas isso não é um fator de crítica de forma negativa necessariamente. No entanto, o que a gente vê mais recentemente é a apatia como um sinal de decepção com a política convencional”, afirma.

O cientista político e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Paulo Peres destaca que os estudos de comportamento eleitoral analisam o comparecimento como um indicador de comprometimento com o processo eleitoral. “Dada essa premissa, nós podemos constatar que eleições normalmente têm uma alta participação eleitoral quando tem muito envolvimento, tem alguma coisa importante em jogo, alguma mobilização extra que aconteceu naquele período, como, por exemplo, a mobilização mais da direita ou então mais de gente à esquerda ou de alguns indiferentes, que resolvem participar para vetar alguma candidatura da esquerda ou da direita”, diz.

Por outro lado, avalia que, na comparação com outros países, a abstenção brasileira não pode ser considerada elevada e não demonstra uma sensação generalizada de apatia eleitoral. “Ela gira, mais ou menos, de 16% a 22%. Há momentos em que isso sobe muito, momentos em que está um pouco mais baixo. Mas, de partida, não é uma abstenção que mostra um total desligamento de uma camada importante da população em relação ao processo eleitoral. Agora, o comparecimento, como nós temos o voto obrigatório, apesar de ser um voto obrigatório que não traz tantas punições para quem não comparecer, ainda assim tem um efeito maior do que em um país em que o voto não é obrigatório. Talvez se o Brasil não tivesse obrigatoriedade do voto, a gente visse uma distensão eleitoral bem maior do que esta. Eu chamo a atenção para esse dado, porque comparativamente a países em que o voto não é obrigatório, a participação eleitoral no Brasil é bastante alta. As últimas eleições na França, por exemplo, nos Estados Unidos também, às vezes é menos de 50% do eleitorado”, afirma.

O professor da UFRGS também pondera que um certo percentual de abstenção é, inclusive, favorável a candidaturas mais moderadas. “A preocupação com a baixa participação eleitoral é bem antiga nos estudos de comportamento eleitoral dos países europeus, principalmente. Eles começaram nos anos 60, e depois nos anos 70, a diagnosticar que a taxa de comparecimento eleitoral estava declinando e muito baixa, mesmo considerando que os países tinham voto facultativo. E alguns realizaram estudos com esses eleitores que não compareciam e identificaram o seguinte: se esses eleitores fossem votar, eles são os eleitores mais radicalizados que podem votar na ultra direita. Então, chegaram à conclusão de que é bom ter um certo nível de abstenção, porque é isso que garante um sistema eleitoral partidário mais pendente à moderação, porque os eleitores da esquerda mais radical, às vezes, não votam, acreditam em outros meios e criticam a democracia burguesa. Os eleitores de ultra direita, às vezes por insatisfação, estão putos da vida ‘com tudo que está aí’, resolvem de uma hora para outra participar da eleição. E aí entenderam porque, em algumas eleições, a partir dos anos de 1970, aumentou muito uma coisa que eles chamam de volatilidade eleitoral, um partido, de uma eleição para outra, ou reduz muito ou aumenta muito a sua votação. Quando você olha isso para todos os partidos, todos eles estão com desempenho eleitoral volátil, por causa de eleitores que não votaram na eleição anterior e, quando entram para votar, agora votam num determinado partido. E essa volatilidade, que gerava alguma insegurança a respeito do resultado, estava associada principalmente a um crescimento de partidos de direita e ultra direita. Isso ficou mais claro agora nos anos 2000”, diz Peres.

Como uma eleição realizada poucos meses após as enchentes de maio, Pontin avalia que o atual processo eleitoral nos municípios gaúchos será permeado pela insatisfação com a resposta das diferentes esferas de governo às inundações, mas avalia que isso não necessariamente será negativo para os atuais prefeitos.

“Todo mundo, mesmo quem não foi afetado diretamente, tem alguém na família que foi afetado, conhece alguém pessoalmente que precisa de ajuda, que precisa de alguma política para ajudar a reconstruir a casa. E se vê, por parte de todo mundo que estava na ponta, uma insatisfação com a resposta da política convencional a isso. Isso tem dois problemas muito graves que vão afetar a eleição. Primeiro que isso favorece indivíduos mal intencionados e acaba também aumentando um sentimento de que a política convencional não importa, que a política convencional tanto faz. Nesse tipo de situação, as tendências são duas: a primeira é aumentar o número de abstenção e, por incrível que pareça, favorecer os candidatos que estão à reeleição. Por que favorece quem está à reeleição? Na economia e na política, a gente chama de dependência de caminho. Quando você tem um caminho mais estabelecido, mais claro, alguém que já é o prefeito e essa pessoa, por exemplo, está na frente das eleições, a tendência é o votante que vê a eleição como de pouca consequência ou está decepcionado com o sistema não comparecer ou simplesmente votar em quem está na frente. Até para aquele sentimento de não querer desperdiçar o voto. É curioso porque a gente vê várias pessoas expressando inconformidade com a forma como as prefeituras reagiram diante do desastre e daí você fala com elas: ‘tá, mas você então vai apoiar algum outro candidato?’, ‘não, são todos iguais’, ‘é tudo político’. Isso pode levar a um aumento do número de abstenções esse ano”, analisa.

O professor acrescenta que outro fator que pode favorecer as abstenções, em detrimento de votos em candidatos de oposição aos atuais prefeitos, é o jogo de “empurra-empurra” que se estabeleceu entre os diferentes entes federativos e mesmo entre as gestões atuais e passadas após as enchentes.

“Os prefeitos empurram para o Estado, que empurra para o nível federal. O prefeito dessa gestão culpa prefeitos de três gestões atrás. Para o eleitor, isso só acaba confirmando a sensação de que nenhum dos candidatos têm legitimidade para reivindicar uma postura positiva ou para reivindicar uma ação positiva. E, mais uma vez, o que que isso vai acabar refletindo? Provavelmente, mesmo diante de escândalos, diante de denúncias, há uma tendência disso acabar aumentando mais fortemente o número de votos nulos, brancos e de abstenções, do que, por exemplo, os votos da oposição”, diz.

No caso da eleição de Porto Alegre, Peres acredita que há um “certo desencantamento” com as candidaturas apresentadas, o que pode favorecer a abstenção motivada pela indiferença com o processo. “Nós podemos ter aí um eleitorado indiferente porque nenhuma candidatura de fato ‘me satisfaz’, ‘eu não vejo grandes diferenças’, uma rejeição maior mesmo à política de maneira geral e, principalmente, no caso municipal que no fundo atrai uma parte desse eleitorado, que então prefere se abster. A gente tem, digamos, gradações de rejeição. Tem aquele que se vê obrigado a votar porque o voto é obrigatório, mas quando chega lá anula o voto, e tem aquele que vota em branco. Hipoteticamente, a gente costuma supor que quem vota em branco tem um grau de rejeição ou ao sistema representativo, que já não o representa mais, ou aquelas candidaturas que estão colocadas, mas esse nível de rejeição é menor do que quem vai e vota nulo. Agora que não tem mais como escrever o voto de protesto, a gente não sabe o tamanho do voto no ‘Cacareco’ [rinoceronte que recebeu quase 100 mil votos para vereador de São Paulo em 1959]. Agora, quem sequer comparece fica difícil distinguir se é uma total indiferença em relação à política, ‘eu não quero nem participar’, se é uma total rejeição, que essa pessoa se recusa a ir até lá para depositar o voto em branco”, diz.

Peres ainda pontua que, diante do cenário de insatisfação aparente da população brasileira com a politica, o percentual de abstenção poderia até ser maior. “Eu acho que nós temos uma participação eleitoral muito grande dado o nível das candidaturas que são ofertadas em geral, não só nas eleições municipais, mas principalmente nelas. Até me espanto que as pessoas ainda participem nesse volume, porque as cidades e os Estados estão se deteriorando. É até espantoso que as pessoas ainda se envolvam tanto no caso do Brasil, a instabilidade política que a gente tem desde 2013, as pessoas ainda vão, acreditam, participam. Então, eu veria até pelo contrário, apesar de tudo, dessa crise política, isso não impactou tanto, como talvez impactasse num país europeu”, afirma.


Leia também