
Milton Pomar (*)
Passada a pior fase da Covid, o mundo volta a tratar das pandemias tradicionais, agravadas em 2020/2022: aumentaram as quantidades de pessoas – principalmente crianças e adolescentes – com obesidade, diabetes, submetidas a cirurgias bariátricas, passando fome e bem mais pobres. Em novembro, nos dias mundiais de combate à obesidade (12) e o diabetes (14) mais uma vez ficará evidente o desespero de entidades como a Organização Mundial da Saúde (OMS), com o descontrole total e absoluto da situação: um bilhão de pessoas com obesidade (World Obesity Atlas 2022) no mundo em 2030, o dobro da quantidade que havia em 2010, e 800 milhões com diabetes em 2045, deixando longe os 537 milhões em 2021 (https://diabetesatlas.org/).
As más notícias não param por aí: as mulheres serão maioria, nos três níveis do Índice de Massa Corporal (IMC) da obesidade: 30 kg/m2 (586 milhões de mulheres e 439 milhões de homens), 35 kg/m2 (219 milhões/114 milhões) e 40 kg/m2 (77 milhões/34 milhões). Portanto, nos próximos oito anos, enquanto talvez diminua o um bilhão de pessoas com a pandemia crônica da fome, chegará a um bilhão o total de pessoas com obesidade.
O pior é que a tendência é as pandemias da obesidade e do diabetes atingirem níveis ainda mais dramáticos até 2050, tais as proporções de obesidade infantil e adolescente previstas para 2030 (). Na faixa de 5-9 anos de idade, a campeã deverá ser a China, com 32%, seguida de perto pelo Egito (29,5%), África do Sul (28%) e Argentina (27%). Na faixa seguinte (10-19 anos de idade), a África do Sul (27%), Estados Unidos (24%), Egito (23%) e China (22%). Em números absolutos, a quantidade de crianças e adolescentes (5-19 anos) deverá passar de 158 milhões para 254 milhões, de 2020 para 2030, campeões a China (62 milhões), Índia (27,5), EUA (17), Indonésia (9) e Brasil (7,7).
Grande responsável por essa situação, o consumo de açúcar no mundo passou de 80 milhões de toneladas (ton) para 180 milhões, no período 1980-2020. E a expectativa é de até 2029 o consumo mundial chegue nos 199 milhões de ton. Em 2002, a OMS recomendou que o máximo de açúcar ingerido por pessoa/ano deveria ser de 18kg. Maior produtor e exportador de açúcar (esperados 38% do total mundial em 2029), o Brasil é campeão também em consumo, com 10,6 milhões de ton anuais, que resultam em 50 kg per capita.
Melhores exemplos do “boom” da obesidade, os Estados Unidos (EUA) e México possuem, respectivamente 41,9% e 36,8% de suas populações adultas nessa condição. No caso dos EUA, 9,2% com obesidade grave e 14,8% com diabetes, o que explica os dois milhões de cirurgias bariátricas e metabólicas no país, de 2011 a 2020, com o recorde em 2019: 256 mil.
Apesar de ter metade (20,3% em 2019) da proporção de obesos dos EUA, o Brasil contabiliza 13,6 milhões de pessoas com obesidade grave, consideradas “elegíveis” para cirurgias bariáticas. Por isso, as 424,6 mil cirurgias bariátricas no período 2011/18 são consideradas quantidade muito abaixo do necessário pela “indústria das bariátricas” para atender o “mercado” da obesidade.
E é a lógica de mercado, justamente, que mais contribui para dificultar a redução das pandemias da obesidade, diabetes, pobreza e fome, porque transforma tudo em mercadoria – no caso da parcela da população com mais peso – ou muito mais – do que o máximo aceitável (29 kg/m2) pelo critério do IMC, há enorme esforço de normalização dessa condição: números extra-grande de roupas, espaços maiores em poltronas de avião, modelos “plus size” em publicidade etc., etc.
O debate sobre “gordofobia” ganhou a mídia, sem espaço para o contraditório: obesidade é grave problema de saúde pública; obesidade infantil e adolescente é mais grave ainda; e os elevados custos do tratamento de problemas decorrentes da obesidade impactam negativamente o sistema de saúde. Com três datas mundiais alusivas à obesidade (11 de outubro, 12 de novembro e 4 de março), diferentes enfoques – e interesses econômicos – para lidar com a pandemia, e as quantidades de pessoas obesas somente aumentando, pode-se concluir que a população mundial caminha para ponto irreversível da obesidade, talvez até antes de 2050.
Há ainda o aspecto político da pandemia da obesidade, expresso pela diferença entre a demanda aparente e a demanda reprimida de alimentos no mundo. As projeções de oferta e demanda de alimentos para oito bilhões de pessoas (população esperada em 15 de novembro de 2022), não consideram o um bilhão que come por três bilhões. Talvez porque esse consumo adicional seja “compensado” pelo consumo insuficiente da parcela de 1,8 bilhão de pessoas no mundo que ganham até US$3,65 por dia, na qual estão os 700 milhões que ganham menos de US$2,15 por dia. Quanto maior a demanda real por alimentos, maior a pressão sobre os preços, e qualquer centavo a mais, para quem ganha tão pouco, é a diferença entre comer ou não comer.
Prova dessa relação é o que ocorreu no Brasil em 2014 – quando o país alcançou o pleno emprego, com nível inédito de poder aquisitivo da população, e saiu do Mapa da Fome –, e a partir de 2019, com o aumento do desemprego e a redução dos salários, resultando em enorme quantidade de pessoas empobrecidas e no ressurgimento da fome em grande escala, atingindo hoje 33 milhões de pessoas diretamente, e quantidade muito maior com insegurança alimentar.
(*) Professor, Geógrafo, Mestre em Políticas Públicas
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