Do blog do Mário Marcos.
Candidato já favorito ao troféu de gol mais bonito do ano, o lance que deu início à vitória do Grêmio sobre o Atlético-MG é também uma aula magna sobre futebol – ou, ao menos, sobre alguns dos principais fundamentos do esporte.
Teve de tudo, da simplicidade de movimentos ao primor da conclusāo.
Para quem gosta de futebol e de analisar detalhes, o gol vale uma tese.
Começa por um dos quesitos fundamentais e por vezes negligenciado do futebol: o passe. Cada jogador envolvido (foram sete) percebeu que para manter a posse da bola seria indispensável simplificar (nada de dribles ou toques de calcanhar) e ser preciso. Todos fizeram isso.
Para dar certo e evitar que o adversário recupere a bola é fundamental ter aproximaçãoentre os jogadores. Nada dos chutōes tāo frequentes nos estádios do país. O jogador que recebe a bola deve ter sua vida facilitada pelos companheiros. Quando eles se aproximam, o risco de erro é menor e o passe se resume a um toque às vezes lateral. Foi assim o início do lance. Toques rápidos, de primeira, como as tāo comuns rodinhas de bobo.
Ao encurtarem a distância, os jogadores formam os chamados triângulos. Passe a um, a outro, ao seguinte. No meio, o adversário. Era o segredo da seleçāo holandesa dos anos 70. Johan Cruyff chamava de triângulos mágicos porque se movimentavam por todo o campo. O estilo faz da escola holandesa até os dias de hoje.
O sistema mantém o controle da bola. Ou seja: deixa o adversário fora de açāo. Pep Guardiola, técnico muito usado como referência nos dias atuais, treina seus times para dar até 15 passes em seu campo, mantendo a posse e preparando a movimentaçāo final. No gol contra o Atlético, o Grêmio teve nove trocas de passes em seu próprio campo, antes de cruzar a linha.
O lance teve também, com clareza, a quebra de ritmo. Começa lento e cuidadoso, para evitar o erro, e acelera no campo do adversário. É o que o mesmo Guardiola define bem na sua biografia: ‘devagar no início e rápido como uma manada de búfalos no final’.
Só times bem treinados fazem isso como padrāo. Por quê? Porque os jogadores precisam ter a leitura do jogo quase como um reflexo do dia a dia. Eles automatizam os movimentos (Roger costuma dizer que tudo que aparece nos jogos foi exaustivamente treinado). O autor do passe nāo pode se limitar a isso. Ele tem de imaginar o movimento seguinte, o que seu companheiro fará, e facilitar a continuaçāo da jogada. Se você observar o lance verá que Walace e Pedro Rocha tocaram duas vezes, em dois lugares diferentes, no início. O deslocamento facilitou o passe.
Por fim, na conclusāo, até o normalmente lento Douglas teve a velocidade de execuçāo e leitura do lance. Ele recebeu, deu a Giuliano, que acelerou, e correu pelo outro lado para facilitar o passe e por saber que o companheiro leria a jogada da mesma maneira. Foi o que aconteceu.
Nāo é uma jogada para todos os momentos, claro, até porque a deste gol contra o Atlético contou também com o fator surpresa. O Atlético nāo esperava que o Grêmio definisse a jogada daquela maneira.
O comum no futebol brasileiro é forçar um passe longo, tentar o drible ou, no caso de Galhardo, apertado no canto do campo, dar um chutāo.
O fato de o time de Roger Machado ter contrariado a lógica é que dá ao lance um status superior – e um tema para, certamente, provocar muitos bons debates, em campo, nos programas e até nos cursos sobre o esporte.