As cidades são territórios em disputa, um conceito amplamente difundido entre urbanistas, sociólogos e quem mais se dedica a estudar as relações entre sociedade e os aglomerados urbanos. Contudo, nos últimos anos, parece ter emergido um consenso entre aqueles que se dedicam a planejar a vida nas metrópoles de que a expansão territorial indefinida promovida desde a urbanização do Brasil, acelerada pelos militares e mantida mesmo durante os governos petistas, é um modelo que atingiu seu esgotamento.
No discurso, o consenso vê como ideal as cidades mais compactas, caminháveis, em que as pessoas conseguem trabalhar, estudar e realizar atividades de lazer a distâncias curtas de suas casas. Em Porto Alegre, contudo, a prática mostra que a Prefeitura ainda segue autorizando a implantação de grandes projetos nas franjas da cidade.
Quem diz isso não é um ideólogo de uma cidade impossível, mas o arquiteto Antonio Carlos Zago, consultor técnico do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS). O que ele defende é a chamada cidade miscigenada, em que todas as atividades — trabalho, moradia, escola, saúde, transporte, lazer, etc. — podem estar próximas ou até reunidas em um mesmo prédio.
Para ele, essa é a grande preocupação que o arcabouço normativo urbanístico da cidade não consegue responder, uma vez que, apesar de existirem instrumentos no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA) atual para isso, não se está conseguindo garantir que os moradores da cidade atendam todas as suas necessidades sem grandes deslocamentos.
“O ideal é que a vida da pessoa se resuma a quantos passos eu vou dar, em quanto tempo de caminhada ou de bicicleta eu vou chegar nos lugares onde eu faço a minha vida? Para que isso aconteça, olhando para dentro da nossa legislação, em especial para o Plano Diretor, ele tem toda uma questão conceitual muito interessante, diria que até atualizada. Se tu pega os planos diretores mais modernos que têm na Europa, em Lisboa, que tem um plano diretor bem interessante, tu vê que tem muitas coisas conceituais que estão parecidas.”
Secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm também crê no conceito de cidade caminhável como o ideal. Ele inclusive diz que já vê mudanças no cenário e que há empresários com projetos alinhados àquilo que é o entendimento da Prefeitura e do que ele chama de urbanismo contemporâneo, cujos pressupostos são a integração do público com o privado e a fachada ativa.
“Me parece que a sociedade já pede por esse tipo de projeto e, se a sociedade pede, o mercado entrega. Cada vez mais a gente vê esse processo de transformação e os projetos vindo mais qualificados nessa integração entre público e privado”, afirma.
Bremm acredita que o papel da Prefeitura para estimular que a cidade caminhe nessa direção é atuar por meio de incentivos urbanísticos disponíveis na legislação para impulsionar a concepção dos novos projetos. “Se a gente fizer corretamente o uso desses incentivos, ao invés de ser somente restritivo, não tenho dúvida de que cada vez mais esses projetos vão aparecer na cidade, com soluções sustentáveis. O caminho não é fechar, murar e isolar, é aproximar e ter a integração do público com o privado, isso é mais vitalidade pro espaço público e mais segurança”, diz.
Professor de Economia da UFRGS e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Economia Urbana (NEPEU), Fabian Rodrigues destaca ainda uma discussão entre modelos urbanos: o europeu, com cidades mais voltadas para o pedestre e incentivo ao pequeno comércio; e o padrão de urbanização norte-americano, voltado aos grandes empreendimentos na região central da cidade e que privilegiam o uso do transporte individual.
“O pequeno comércio incentiva uma cidade em que as pessoas caminham na rua, o shopping e os grandes empreendimentos privilegiam o automóvel, haja vista os espaços de estacionamento que eles colocam. Isso muda o sentido do deslocamento e coloca a turma no circuito do ar-condicionado. Como gostam de falar os investidores, ‘muda o padrão’”, afirma.
Rodrigues alerta que esse padrão, ainda incentivado em Porto Alegre, está em decadência em outros lugares do mundo, inclusive nos Estados Unidos. Ele acredita que essa decadência chegará a Porto Alegre em algum momento e que há um movimento pela revitalização dos bairros e do comércio local.

O que impede que a cidade ideal se aproxime da real, segundo Zago, está no Plano Regulador, que é a parte do Plano Diretor que delimita as regras para as edificações da cidade. “Ele está só pensando a altura, o afastamento, o índice. Tá pensando só isso e não tá dentro daquilo que ele diz antes, que quer uma cidade miscigenada. Para tu teres uma cidade miscigenada, tu não podes ter baixas densidades”, diz.
Zago afirma que, no passado, existia um conceito difundido entre os urbanistas que regiões com alta densidade seriam algo negativo para as cidades, uma vez que isso resultaria no esgotamento da infraestrutura instalada. Contudo, argumenta que esse esgotamento só ocorre quando a densidade é mal aplicada.
O arquiteto argumenta que o próprio Plano Diretor atual, criado em 1999 e revisado em 2010, já previa a possibilidade de zonas mais densas do que se vê, mas, ao mesmo tempo, criou barreiras para que os índices máximos de ocupação fossem alcançados apenas em casos específicos. As densidades maiores, inclusive, seriam aquelas que estariam ligadas aos conceitos que norteiam o PPDUA em vigor.
“Havendo o acréscimo da infraestrutura existente, a gente entende que, consequentemente, poderia haver o acréscimo de potencial construtivo naquela região. Hoje, em função da fórmula atual, as regiões com melhor infraestrutura, mais centrais, estão com os estoques esgotados e, em função disso, não se consegue adensar mais porque não se pode comprar mais potencial construtivo. A gente entende que, se construirmos uma fórmula mais real à infraestrutura existente, a gente conseguiria liberar esses estoques de potencial construtivo e consequentemente adensar naquela região”, explica Bremm.
O secretário acrescenta ainda que questões como altura e recuos de afastamento previstos no Plano Diretor também devem ser discutidos na atual revisão. “Temos uma pauta propositiva, mas queremos discutir com a cidade se esse é, de fato, o entendimento. A gente tem uma leitura do que está acontecendo no mundo e queremos trazer essa pauta pra cidade, fazer essa discussão e enviar a proposta para a Câmara de Vereadores.”
Presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil no Rio Grande do Sul (IAB-RS), Rafael Passos destaca que, na questão da densificação da cidade, seria necessário estudar caso a caso as regiões que podem e necessitam ser apontadas na revisão do Plano Diretor como áreas a serem densificadas. Contudo, ele avalia que este aspecto da densificação muitas vezes acaba sendo distorcido nas discussões sobre Porto Alegre para justificar a defesa do aumento da altura dos prédios.
“O conceito de cidade compacta, primeiro, não se resolve só com altura e nem necessariamente a altura traz uma cidade compacta. E, por outro lado, pode criar uma cidade densa demais, o que também não é interessante. Esse conceito é usado para justificar maiores alturas, inclusive querem acabar com recuos, com uma série de coisas que trazem uma habitabilidade. Para entender de que tipo de cidade podemos estar falando no futuro se nós tirarmos os recuos, basta olhar para o Centro de Porto Alegre. O Centro de Porto Alegre foi construído de uma maneira que muitas pessoas que moram no terceiro ou quarto andar de um edifício de 10, 15 ou 18 pavimentos, sabem do que eu estou falando. Apartamento sem sol, sem ventilação, porque não existe recuo. Então, os recuos têm razão de ser. Acho que tem questões de volumetria que tem que se pensar”, diz.
Outro conceito que ele aponta que foi desvirtuado, ou ignorado, em Porto Alegre é o de uma cidade mista, com moradias e comércio dividindo espaço, incluindo na mesma edificação. Para o urbanista, um fator que contribui para as diretrizes do planejamento urbano serem ignoradas é o fato de que o mercado foi dominado de tal forma por grandes construtoras com investimento externo que a lógica local acaba sendo superada por produtos que fazem sentido para o mercado independente da cidade em que estejam situados, o que vai levar à priorização de produtos pré-prontos que atraem o morador com ítens para além de suas moradias, ou, como ele diz, de apartamentos “McLanche Feliz”.
“Por que nós temos edifícios a rodo só com atividade residencial, com aqueles pátios na frente? O mercado alega que é por causa da regra, não é. A regra os permitiria fazer um comércio na frente, criar aquela animação, fazer a fachada ativa como eles dizem que não pode ter. Pode. Não é uma questão de Plano Diretor, é uma questão de tomada de decisão do mercado imobiliário que, quando entrega a um arquiteto o briefing do que eles querem, não tá lá. E por mais que um arquiteto possa tentar convencê-lo, não é mais o arquiteto que toma decisão num projeto. É um corretor imobiliário, faz um cursinho em Miami, à distância, claro, e vem com a ideia disso e daquilo pronto, sem muito pensar e tentar perceber aquilo que pode pegar aqui. Claro, até discute, a varanda gourmet vira churrasqueira gourmet, etc. e tal, mas esse McLanchezinho Feliz, o hambúrguer é desse tamanhozinho, o apartamento é desse tamanhozinho, mas tá cheio de penduricalhos que tu nunca vai usar. Quem tem filho sabe, tu vai lá, compra um McLanche Feliz, ele vai lá, come o hambúrguer, ganha o brinquedinho, brinca, e depois vira um entulho em casa que ninguém brinca”, afirma.
Passos diz que, na verdade, há duas estratégias operando simultaneamente pelo mercado: o discurso da cidade compacta, que visa mudar as regras para permitir maior volume de construção, e, de outro lado, o da expansão urbana, que leva a uma cidade mais espraiada. “Porque eles também querem oferecer um produto que é o condomínio horizontal, que é o Terra Ville, o Alphaville, esses grandes condomínios, e outros como é o caso da Ponta do Arado. Então, é uma cidade que diz que quer ser uma coisa e faz outra. E faz outra porque as regras me parecem hoje permissivas demais. E, se nós avaliarmos depois de 20 anos dessa flexibilidade que se deu na mão dos empreendedores, nós estamos vendo que eles não estão sabendo lidar com essa liberdade para chegar ao resultado que a cidade participativamente se propôs”, afirma.
Zago diz que não é simplesmente contrário ao movimento de expansão da cidade, mas concorda que expandir as fronteiras da cidade para a zona sul é ruim. “Isso, na minha opinião, é a contramão do urbanismo. Olha a Restinga. Me perdoe quem planejou a Restinga, mas os caras pensaram em fazer uma zona de trabalhadores, onde indústrias deveriam se instalar. Cara, como tu vai acessar esse parque industrial? Vai passar por dentro de Porto Alegre? Não deu, não tem como dar, nasceu morto. Os caras que compraram lá têm que fazer uma viagem de uma hora, uma hora e meia, para vir trabalhar”, diz. “As Restingas da vida tem que simplesmente banir. Não pode mais ter. Agora, não pode ter Minha Casa Minha Vida na Assis Brasil? Pode sim, lá tem equipamentos urbanos, tem uma densidade boa, tem chance de acontecer lá e muito bem. Mas, aqui no Centro, teria que acontecer também. Vamos repovoar o Centro, isso é importante”, afirma.

Uma das mudanças que o consultor técnico do Sinduscon defende para a revisão do PPDUA é sobre as regras dos recuos laterais obrigatórios em prédios. Ele pontua que o atual plano estabeleceu a obrigatoriedade de recuos laterais equivalentes a 18% do volume construído em prédios de até 27 m de altura, de 20% em edificações de até 42 m de altura e, acima de 42 m, de 25%.
“Será que é isso mesmo que a questão de ventilação e iluminação está exigindo? Se está exigindo isso, tem que ser 25% desde a base. Se está comprovado que 25% tem condições de fazer ventilação e iluminação para construir num local urbanizado, vamos repensar essas coisas”, questiona Zago.
O arquiteto defende que os recuos devem ser limitados a 20% da altura do prédio, independente da altura final. Além disso, defende que seja possível construir edificações com alturas superiores nas divisas das zonas previstas pelo plano. Segundo ele, atualmente, pode-se chegar à altura máxima de seis pavimentos nestas áreas, o que seria inviável economicamente.
“Tem que botar escada de incêndio, elevador, uma série de coisas que tu não forma um pavimento bom”, diz. “Precisamos mexer na questão da volumetria. E a volumetria em si, não vou dizer que é sem limites, não, mas o que vai limitar é o emprego dessas outras ferramentas urbanísticas, taxa de ocupação, afastamentos, permeabilidade do solo e outras coisas que estão previstas no plano. Porque simplesmente limitar a 52, 10, 20, 100 andares, tanto faz, é um número que, por si só, não está dizendo nada.”
Zago diz ainda que a estrutura fundiária da cidade é limitada nas regiões centrais e que, sem mudar algumas das regras, espaços vazios acabam sendo estimulados. “Hoje, se tu pensar na estrutura fundiária de Porto Alegre, tu vai ver que as grandes construtoras já compraram o máximo possível e sobraram uns terreninhos que tem a vovózinha que não quis vender, a tia. Se não der condições para que a indústria imobiliária entre ali, eles vão ficar como um pequeno vazio urbano. E o somatório de pequenos vazios urbanos são grandes vazios urbanos, que causam grandes prejuízos para a sociedade.”
“A nossa trama viária é muito irregular por conta do próprio relevo. Veja que Porto Alegre não consegue ter uma trama urbana ortogonal [de quarteirões quadrados e com ruas se cruzando em ângulos de 90º], com vias largas, porque parte dela está situada em planos ortogonais, outra parte dela está situada em morros que vão entrecortando os planos aluviais. O resultado disso é que o sistema viário de Porto Alegre é muito escasso, tem poucas vias de escoamento. Assim, a densificação implica, na cidade e em infraestrutura, em vias de escoamento, escoamento do tráfego, escoamento dos esgotos. As obras de esgotamento de Porto Alegre são caríssimas e, em geral, são feitas só para áreas ricas, onde tem condutos forçados”, diz.
Além disso, pontua que os investimentos estruturais necessários para a densificação acabam recaindo sobre o Estado, uma conta que é distribuída para o resto da população. “Esses empreendimentos, para se estabelecer, exigem estrutura da Prefeitura, que não tem verbas e vai cobrar do contribuinte”, diz, citando como exemplo o aumento recente no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Nesse sentido, defende que não se pode deixar a expansão da cidade à mercê da vontade do empreendedor e de acordos com a gestão de momento. “Os que querem empreender, tá bem, empreendam, mas suportem todo o custo do empreendimento.”
Nenhum bairro da Capital tem melhor infraestrutura de serviços públicos e mobilidade do que o Centro Histórico. Contudo, mesmo antes da pandemia, proliferavam-se placas de aluga-se em unidades residenciais e comerciais na região. Segundo estimativas da Prefeitura, diariamente, cerca de 300 mil pessoas passam pelo Centro de Porto Alegre, das quais um terço trabalha no bairro, mas menos de 60 mil moram na região. Em teoria, isso significa que há infraestrutura instalada para densificar a área, o que exigiria um movimento na contramão do que o mercado imobiliário tem produzido e priorizado.
Para o arquiteto Antônio Zago, consultor técnico do Sinduscon, o problema do Centro é que a maioria dos prédios do bairro, por serem antigos, têm características que não são mais adequadas nem para o mercado imobiliário, nem para o perfil das pessoas que buscam morar ali. Como forma de solucionar o problema, ele defende que o Código de Obras da cidade e o Plano Diretor devem permitir que grandes apartamentos antigos possam ser repartidos e comercializados novamente.
“O urbanista tem que olhar para o Centro da cidade e dizer ‘isso aqui é um lugar especial, que está fadado a se transformar numa cidade fantasma’, como já é à noite. Tem que trazer as pessoas para cá. Em vez de apartamentos de 120 m², as pessoas precisam de apartamentos de 40 m², 50 m². Então, tem que conseguir fracionar esses apartamentos maiores via legislação”, defende.

Neste sentido, argumenta que também é preciso flexibilizar normas de segurança para que a recuperação de prédios antigos possa ocorrer, uma vez que não haveria viabilidade financeira para adequá-los às regras atuais e tampouco para demolir estes prédios e construir novos no lugar.
Zago afirma que trabalhou na readequação do antigo hotel Umbu (Av. Farrapos, nº 45), hoje transformado em prédio de apartamentos, o que, segundo ele, só foi possível porque a Prefeitura entendeu que precisava haver um novo regramento para o local e porque houve financiamento. “Expandir é fácil, mas dividir uma propriedade é mais difícil. Mas, quando tu começa a olhar o mercado e ver que tem 120 mil pessoas que podem vir para ali, tu começa a repensar”, afirma.
Já para o economista Fabian Rodrigues, um dos problemas da região central é a falta de uma política ativa do poder público que contribua para a redução do preço de aluguéis. Ele argumenta que, atualmente, proprietários de múltiplos apartamentos preferem manter unidades vazias a reduzir o valor cobrado porque seguem uma lógica de que é mais vantajoso alugar “um por mil reais do que dez por cem, então eles preferem manter fechados”.
Rodrigues entende que uma das principais vocações da região central, assim como de Porto Alegre em si, é a de ser um polo educacional. No Centro, por exemplo, está localizado um campus da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele argumenta que há dois problemas que poderiam ser resolvidos se houvesse uma política para estímulo de moradias no bairro: a ocupação de espaços vazios e a evasão de alunos da universidade.
“Embora tenhamos todo esse potencial, não se vê nenhuma política regional ou municipal de moradia estudantil, que é óbvia. Uma das causas de desistência de alunos na UFRGS é a falta de moradia estudantil. O preço da moradia tem que estar na proporção da bolsa de estudos do aluno”, pondera.
O professor também vê os setores da saúde e de desenvolvimento de software como uma vocação da cidade, mas argumenta que o avanço dos setores, especialmente o último, também é atrapalhado pelo valor dos aluguéis para abertura de escritórios e startups. “A empresa de tecnologia, um escritório de desenvolvimento de produto ou de arquitetura, vai ter a questão do preço do aluguel como o principal custo de produção”, afirma.
Na avaliação de Rodrigues, os clusters e a potencialidade regional de Porto Alegre mostram que a opção de desenvolvimento via mercado imobiliário é um equívoco. Ele acredita que o grande desafio da cidade, não apenas para o Centro, é fazer com que os espaços vagos e ociosos tenham, primeiro, trabalho e depois trabalho qualificado.
“A opção pela indústria imobiliária significa ter imóveis mais caros, emprego de pouca qualidade e por pouco tempo”, diz ele. E arremata: “A especulação imobiliária não traz desenvolvimento sustentável a longo prazo, e a maior prova disso é a quantidade de espaço vago e ocioso existente na cidade.”
O mesmo raciocínio ele aplica a shoppings e hipermercados, que criam empregos pouco qualificados, de baixa remuneração e alta rotatividade e que não aumentam o PIB per capita, ao contrário das áreas da saúde, educação e softwares. “Os ‘vencedores’ da cidade hoje, a turma dos grandes empreendimentos e hipermercados, não é possível afirmar que eles ensejam desenvolvimento sustentável de longo prazo”, afirma Rodrigues.

Um dos principais sonhos das últimas gestões da Prefeitura, incluindo do atual prefeito Sebastião Melo (MDB), é levar a cabo a revitalização do 4º Distrito, área que abrange os bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes, Farrapos e Humaitá.
Em dezembro de 2016, o então prefeito José Fortunati recebeu no Paço Municipal, das mãos de professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o projeto urbano para revitalização da área, o chamado Masterplan. A ideia central era promover a revitalização da região com a atração de empresas dos segmentos de tecnologia da informação e comunicação e saúde para que o 4º Distrito se tornasse um polo de novos negócios e ambientes colaborativos.
O Masterplan tinha 6 objetivos: reverter o processo de degradação do 4º Distrito, oportunizando investimentos econômicos e sociais; preservar, valorizar e qualificar o patrimônio construído; incorporar a agenda ambiental na cidade; melhorar a mobilidade e padrões de acessibilidade urbana; intensificar a urbanidade no 4º Distrito e garantir ambientes amigáveis para todas as faixas etárias; e incentivar a produção habitacional inclusiva.
Para ajudar na implementação do plano, a Câmara de Vereadores já havia aprovado no ano anterior uma lei propondo a redução de impostos para empresas de tecnologia que se instalassem no 4º Distrito. Por cinco anos, ficaram isentas do pagamento de IPTU na compra, locação ou cessão e do pagamento de ITBI na aquisição de imóveis. Já empresas que atuam nas áreas de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de saúde tiveram a alíquota do ISS reduzida de 5% para 2%, regra que valeu para toda a cidade. A legislação foi renovada por mais dois anos em dezembro de 2020.
Apesar de a revitalização também estar no mapa de prioridades do ex-prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB), a região ainda não se tornou o polo de empresas de tecnologia que a Prefeitura desejava. Em entrevista ao Sul21 durante a campanha do ano passado, Melo argumentou que o projeto, por si só, não era suficiente. “Não basta ter um Masterplan de desenho, eu tenho que ter um plano de negócios, nada se sustenta se não tiver um plano de negócios”, afirmou.

Contudo, Zago avalia que a revitalização da região é travada pela forma como ela está estruturada. Para ele, o responsável pela falta de atratividade da região é o corredor de ônibus da Farrapos, porque ele ocasionaria a desintegração entre os dois lados da avenida, que corta todo o 4º Distrito.
“É quase uma freeway, só que a 40 km/h. Foi feito para a roda e para o carro, para o caminhão, não foi feito para as pessoas. É desagradável aquilo ali. Aí tu pega o Triângulo, Av. Dique, Farrapos e a Sertório. Cara, é impenetrável. Quando tu mora no Menino Deus, a José de Alencar, tu olha para os dois lados e atravessa, tem cidade dos dois lados. A Farrapos, não, porque ele [o corredor] não foi feito para isso, foi feito para trazer quase 200 mil pessoas para o Centro”, diz.
O urbanista destaca que algumas construtoras conseguiram viabilizar projetos na área recentemente, mas que mesmo os que saíram ficaram incompletos, como é o caso do empreendimento residencial construído no terreno da antiga fábrica Fiateci, no bairro São Geraldo. A ideia era transformar a antiga fábrica em shopping, o que não saiu do papel. “Não tem viabilidade. Se tu der de graça, ninguém quer. Não adianta nem dar índice, tem que dar urbanidade. O planejamento urbano tem que dar urbanidade”, afirma.
Para ele, a transformação de partes do 4º Distrito em polo cervejeiro, vocação que acabou surgindo na região de forma espontânea, não é necessariamente uma coisa positiva, mas “o que sobrou” para ela.
Zago sugere que o corredor deveria ser desmanchado e substituído por um novo modal de transporte, como o VLT (Veículo leve sobre trilhos), que faria a ligação do Centro com algum terminal ou estação da Trensurb, de onde sairiam os ônibus para levar as pessoas aos bairros mais afastados. Sem pensar na qualidade de vida da região, seria difícil pensar em atrair novos moradores, defende. “Tem que transformar aquilo ali em Porto Alegre.”