Entrevistas|z_Areazero
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29 de setembro de 2014
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11:12

Sociólogo diz que há uma crise da democracia representativa no Brasil

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br

Jaqueline Silveira

Professor de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e diretor do Instituto Latino-americano de Estudos Avançados (ILEA), José Vicente Tavares dos Santos avalia o cenário político eleitoral. Na opinião dele, há uma crise de representação no país e o presidente eleito terá uma agenda social para enfrentar. Ele também abordou a influência das pesquisas eleitorais e da mídia na campanha eleitoral. O professor defende a regulação dos meios de comunicação e diz que a margem de erro em pesquisas é uma ficção. Confira a entrevista abaixo:

Sul 21 – Como o senhor avalia o comportamento do eleitorado nesta eleição?

José Vicente Tavares dos Santos – Acho interessante tomar o ponto de vista de como a sociedade está se comportando nisso. Em primeiro lugar, fazendo fé em algumas pesquisas, principalmente a última pesquisa Datafolha, que tentou estimar os vários extratos sociais, vamos chamar assim, no Brasil. Vários autores já tinham mostrado antes que houve uma mudança na sociedade brasileira e essa mudança foi muito no sentido de uma redistribuição dos extratos sociais. Por exemplo, houve um processo de uma pequena redução da desigualdade expressa pelo índice de Gini (método usado para medir o grau de concentração de renda em determinado grupo), mas, mais do que isso, houve um enorme incremento das classes populares que tiveram sua participação na renda aumentada na sociedade, mais do que as classes altas. Então, mesmo que tenha permanecido a desigualdade, houve uma mobilidade social expressiva. Fala-se em 34 milhões de pessoas que foram para uma classe média intermediária, houve uma redução da miséria e houve redução da pobreza, isso todos os indicadores mostram. Em segundo lugar, houve um aumento da escolaridade em termos da universalização do Ensino Fundamental, permanece um problema no Ensino Médio, em que mais ou menos uns 20% da população com idade para estar no Ensino Médio, mas não estão, e houve um enorme aumento das pessoas matriculadas no Ensino Superior. Em 12 anos, houve uma mudança de 2,5 milhões para 7,3 milhões. Então, combinando esses vários indicadores, houve um processo de mobilidade social no Brasil, basicamente de setores de baixa renda para setores de renda intermediária. Eu acho que esse é o grande componente novo dessa eleição.

“Então, combinando esses vários indicadores, houve um processo de mobilidade social no Brasil, basicamente de setores de baixa renda para setores de renda intermediária. Eu acho que esse é o grande componente novo dessa eleição.”

Sul 21 – Talvez os candidatos e as coordenações de campanhas não conseguiram captar a mudança no perfil do eleitorado já que há uma grande parcela de indecisos?

José Vicente – Eu acho que a questão seria a seguinte: essa nova classe intermediária, principalmente, ao aumentar seu status socioeconômico e educacional, também começa aspirar a mais dos serviços públicos, coletivos, e até mesmo porque antes não tinham a possibilidade de aspira-a. A possibilidade de poder aspirar a algo em termos de direitos sociais. Antes as pessoas estavam afastadas da possibilidade, agora elas estão dentro do campo do possível e, portanto, há uma reivindicação. Se nós olharmos o grande movimento de jovens do ano passado, isso ficou muito evidente, parte deles era jovens que tinham escolaridade média, outra parte tinha escolaridade superior e outra parte, certamente, era daquela geração que se chama os Nem-nem, nem estudam e nem têm um trabalho formal, embora tenham trabalhos informais ou precários. Então, essa é a grande mudança do panorama da sociedade brasileira, ou seja, a ascensão de uma classe média intermediária em termos de renda e de educação. Acho que os protestos expressam um pouco isso ai, de modo dramático. Óbvio que não apenas isso, os protestos, desde o movimento da Revolta do Buzu (manifestação estudantil pelo passe livre) em Salvador, em 2003, esses jovens estão querendo melhores serviços públicos. Óbvio que, de 2003 até 2013, a enorme presença de jovens na rua foi muita motivada pela violência policial. Então, isso mostra uma mudança na morfologia da sociedade. Agora, o que eu acho do ponto de vista da política, qual foi o grande perdedor dos protestos de junho do ano passado? Os partidos políticos, todos. Então se tem uma crise da representação no sentido que os 28 partidos não conseguem representar essa mudança da sociedade, nenhum deles. Houve setores sociais que tentaram intervir nas manifestações, vamos chamar assim a sociedade civil organizada, os sindicatos e associações, mas a comparação dos números é impressionante: a melhor estimativa são 150 mil dessa sociedade organizada contra um 1,5 milhão dessa sociedade em efervescência. O que eu acho que isso leva a mostrar que os partidos políticos não estão desempenhando um papel de educação política. Qual o partido que tem um processo sistemático de debate, de seminário? Nenhum. Em outros países, você tem isso quase que permanentemente, tem as fundações dos partidos. Por outro lado, se os partidos políticos estão em crise de representação, a disputa pela consciência política se faz por outros modos. Primeiro, as igrejas e ai novamente um desbalanço. Há uma ausência da Igreja Católica muito forte, as afro-brasileiras são muito desiguais no Brasil, mas, claramente, houve um aumento das chamadas igrejas evangélicas pentecostais ou não pentecostais. Essas igrejas, os sociólogos da religião vão explicar, como elas têm um processo de intervenção em relação a seus crentes no sentido de oferecer uma salvação, através da possibilidade de uma relação mais direta com a divindade, elas são muito menos burocráticas do que a Igreja Católica, por exemplo. Então, a igreja está com presença forte. Não é por acaso que uma candidata tem filiação religiosa explícita.

Professor diz que há uma presença forte das igrejas evangélicas na sociedade e no cenário eleitoral | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Professor diz que há uma presença forte das igrejas evangélicas na sociedade e no cenário eleitoral | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“Agora, o que eu acho do ponto de vista da política, qual foi o grande perdedor dos protestos de junho do ano passado? Os partidos políticos, todos.”

Sul 21 – Essa presença forte das igrejas evangélicas é um dos motivos para os candidatos evitarem abordar temas com reflexos na religião?

José Vicente – Exato, elas são uma presença marcante. Por outro lado, já se evidenciava antes também, mas ficou muito claro agora, a força dos meios de comunicação na fabricação da opinião pública, todos eles. É verdade que os grandes meios da imprensa escrita estão reduzindo sua presença, há os meios pela internet, só que a internet também é muito bivalente. Se ela permite a difusão de outras vozes, de outros pontos de vistas, por outro lado, os grandes meios de comunicação estão investindo na internet, estão lá presentemente, seja lá no facebook, no twitter ou nos sites, eles estão lá todo o tempo. Todos os grandes jornais estão, a cada momento, colocando uma foto, uma notícia, liberando alguma coisa. Por outro lado, acho que tudo isso enfraquece uma grande dimensão da política, que era a ideia de um projeto de sociedade, qualquer que seja. A política é uma tomada em que os partidos aspiram ao poder, mas aspiram ao poder para algo, esse algo ,vamos chamar assim, um projeto de sociedade. Eu acho que nessa campanha houve um esvaziamento dessa disputa por projeto de sociedade. Como se caracterizam as três grandes candidaturas? Uma candidata com uma dimensão muito gerencial, que é a candidatura Dilma (Dilma Rousseff, PT), que tenta mudar a sua face, uma face, assim, mais carismática. Uma outra liderança que é bastante carismática, que é a Marina (Marina Silva, PSB) com esse componente religioso, mas, que do ponto de vista de seu projeto de sociedade é muito ambíguo, e até muda de opinião porque, claramente, não houve uma discussão política prévia. E a candidatura Aécio (Aécio Neves, PSDB), esse tem um projeto mais explicitado, que é um projeto neoliberal, que tem toda uma visão de sociedade. Se olharmos essas três candidaturas, fora as outras, há uma ausência de discussão sobre o desenvolvimento do país, o desenvolvimento de sociedade, acho que há uma grande lacuna.

“Se olharmos essas três candidaturas (Aécio, Dilma e Marina) fora as outras, há uma ausência de discussão sobre o desenvolvimento do país, o desenvolvimento de sociedade, acho que há uma grande lacuna.”

Sul 21 – Isso quer dizer que os grandes temas do país não estão sendo tratados com a devida importância?

José Vicente – Acho que não, ou quando estão… Como é que estão sendo fabricados os programas políticos? Em gabinetes, seja em gabinetes de Brasília, seja em gabinetes de economistas, de empresas privadas. Nenhum partido desencadeou uma discussão pública dos seus programas, como houve anteriormente. O PT e o PSDB na eleição de 2002 fizeram isso. No segundo governo Lula (ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva) já se fez também. Agora, claramente, de lá pra cá todos os partidos reduziram a densidade das suas proposições políticas. Outro componente é a questão que a política não é só racional, a política é sempre feita de emoções, de paixões e, no caso, de carisma,que são componentes essenciais. Essas lideranças carismáticas, elas são desigualmente distribuídas, mas houve um evento da morte do candidato (Eduardo Campos) que, evidentemente, adicionou mais emocionalidade na política.

“Nenhum partido desencadeou uma discussão pública dos seus programas, como houve anteriormente.”

Sul 21 – Então, o senhor acha que basicamente o que influenciou no crescimento inicial da Marina nas pesquisas eleitorais foi a emoção causada pela morte do candidato Eduardo Campos (acidente aéreo)?

José Evidente – Certamente. Nas pesquisas, ela subiu 20 pontos.

Sul 211 – O próprio capital político da candidata não contribuiu nesse crescimento?

José Vicente – Ela não era candidata, ela era vice. Quando ela emerge, é óbvio que ela tem um capital político anterior, mas, evidentemente que a questão da paixão, as circunstâncias da morte, etc… dão uma emocionalidade muito grande, que, agora, começa se

José Vicente destaca que não um projeto de desenvolvimento do país | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
José Vicente destaca que mudanças na sociedade não foram acompanhadas de mudanças nos procedimentos de participação política | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

dissipar. Hoje, com algumas variações de um instituto a outro, na média se repete o panorama de um ano atrás das três candidaturas: Dilma, Marina e Aécio. Óbvio, que os números absolutos não são os mesmos, mas a proporcionalidade se repete, isso é muito interessante. Então, do ponto de vista mais social, essa mudança da sociedade não foi acompanhada de uma mudança nos procedimentos de participação política, tanto é que várias pessoas, quase 8 milhões votaram no plebiscito sobre a reforma política, que não sabem muito bem os contornos dessa reforma, como vai ser, as pessoas querem uma reforma política. Os estudantes, quando foram às ruas, fizeram uma crítica da política, mas, por outro lado, os estudantes começam a participar da política. Se você olhar, por exemplo, o caso espanhol, que é muito semelhante, o caso dos indignados, os indignados foram para a arena política, hoje são o grupo chamado “Podemos”. Então, numa democracia representativa, mesmo que haja componente de uma democracia participativa, o processo político se dá pelos partidos. Então, há uma discussão interessante, que acho que recém começa. Eu vejo assim: o mais comum numa proposta de reforma política, por um lado, é o fortalecimento dos partidos, o fortalecimento em termos de sua identidade ideológica e, portanto, de uma disputa de hegemonias políticas do país, ou seja, a ideia de um projeto de sociedade, acho que é central. A segunda questão do financiamento, como vai ser esse financiamento, ai tem várias propostas. Em terceiro lugar, como vai se dar essa relação entre associações, sindicatos, ao menos os protestos, com a política. Por que esses grupos estão fora dos partidos? Porque estão querendo participar da vida política, mas não encontram na forma e no desenho atual dos partidos uma possibilidade de participar.

“Então, numa democracia representativa, mesmo que haja componente de uma democracia participativa, o processo político se dá pelos partidos.”

Sul 21 – E o senhor acredita que a reforma política sairá mesmo do papel?

José Vicente – No processo de desenvolvimento brasileiro há uma série de questões que estão na agenda, mas não estão sendo priorizadas, a começar pela reforma agrária; a questão da segurança pública, do novo modelo de segurança cidadã que seria necessário face a deficiência do atual modelo, a relação entre, por exemplo, a forma como se dá eleição em termos de forma: em termos de voto distrital, voto distrital misto, várias combinações possíveis, a questão da fidelidade partidária. São varias questões. Eu diria que o Brasil está numa crise de crescimento democrático e que essas várias questões pouco a pouco vão entrando na arena política e a reforma política é um grande nome para um processo que está em curso, mas, que, eu acho, depois das eleições terá de ser bastante acentuado e aí não pelos partidos políticos. Veja que é interessante que, no  Brasil, há uma série de direitos sociais que começaram a ser garantidos: o direito à livre orientação sexual, a discussão sobre o aborto e o direito individual das mulheres, a questão do acesso às universidades, através das minorias de cotas, escolas públicas ou  de autodeclaração de negros e indígenas, a questão da mobilidade urbana, que apareceu muito forte (no debate presidencial). As grandes cidades começam a ter uma deseconomia e um sofrimento para as pessoas, porque não houve lá no passado inversões nos serviços públicos. Há um déficit de serviços públicos em relação ao próprio crescimento da economia, não é só na fase logística das cargas, mas também na logística das pessoas. Isso mostra que é preciso, que houve uma redução dos excluídos só que, ainda, a sociedade não tem uma pauta e caminhos para que esses excluídos possam ser incluídos e que nós possamos ser chamados realmente de uma sociedade democrática não apenas formal. Isso provoca, por um lado, uma insatisfação desses setores e  uma reação muito exacerbada de setores privilegiados brasileiros, que não admitem uma quebra de privilégios, sejam os proprietários de terra, sejam os proprietários de automóveis – veja a polêmica que está dando em São Paulo sobre as ciclovias – no privilegiamento dos serviços coletivos. Claro que é uma sociedade muito desigual e uma sociedade muito estamental pela perpetuação das raízes históricas dessa desigualdade, as pessoas se transformaram quase em castas, em estamentos que têm uma alta identidade de privilégios, então não se aceita a rediscussão desses privilégios, isso mostra que está longe de ser uma sociedade democrática. É um momento muito interessante da sociedade brasileira, mas que tem de ser pensado em termos de projeto de sociedade e não apenas em termos da disputa política. Qualquer que seja a pessoa que ganhará essa eleição – dois terços de chance que seja uma mulher – essas questões estarão na agenda social do Brasil pós-eleição.

José Vicente afirma que há uma crise de crescimento democrático no Brasil | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
José Vicente afirma que há no Brasil uma crise de crescimento democrático e que há várias questões que precisam ser tratadas | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“É um momento muito interessante da sociedade brasileira, mas que tem de ser pensado em termos de projeto de sociedade e não apenas em termos da disputa política. Qualquer que seja a pessoa que ganhará essa eleição – dois terços de chance que seja uma mulher – essas questões estarão na agenda social do Brasil pós-eleição.”

Sul 21Ou seja, o futuro presidente terá de enfrentar essa agenda social?

José Vicente – A própria dramaticidade da eleição é positiva, no sentido em que ela mostra o quanto de questões surgem. Por exemplo, a questão da concentração dos meios de comunicação e sobre novas tecnologias que entram no cotidiano das pessoas, como fazer face a isso. Então, você tem um processo de crise de crescimento democrático ligado ao processo de aumento das novas tecnologias da informação que podem ser muito redistributivas, por exemplo, da informação, do conhecimento, só que nós não temos ainda regras para isso. No caso dos meios de comunicação, não é só o processo de monopolização, mas é uma característica de empresas familiares, que é muito interessante, porque todos os grandes grupos de comunicação são grupos familiares, que é um pouco meio assincrônico do próprio desenvolvimento do sistema capitalista, que hoje é o desenvolvimento de grandes corporações profissionalizadas.

Sul 21 – O senhor acha que deve  haver a regulação dos meios de comunicação?

José Vicente – Acho que sim, acho que tem de haver uma regulação. Em vários países tem isso, tem de ser discutido. Por quê? Eu falava que se há uma crise nos partidos, se há uma crise das famílias e se há crise nas escolas, quem está fabricando consciências? São os meios de comunicação e as religiões. Ora, num processo democrático, eu acho que deveria haver religiões, haver meios de comunicação, mas deveria haver outras formas de você fabricar consciências, acho que no fundo é isso que falta e essa é a questão. Um projeto de sociedade também é um projeto imaginário de sociedade do futuro. Eu acho que essa é uma grande questão que afeta a todos, principalmente a juventude. Nós estamos num momento ainda de um país, como em outros países, com uma enorme presença de jovens, que  são também jovens vitimizados, há um genocídio de jovens homens do sexo masculino, assim como uma violência sexual contra mulheres, geralmente jovens. Os números são quase iguais: na precariedade das estatísticas policiais se tem 50 mil estupros e 56 mil assassinatos por ano, isso é inadmissível numa sociedade democrática! Isso mostra que você tem um sistema de justiça criminal também marcado por privilégios, ou seja, é uma justiça que não é para todos, é uma polícia que não é para todos e é uma prisão que não é para todos. Há uma seletividade em todo o processo de justiça criminal, que é o oposto da democracia.

“Ora, num processo democrático, eu acho que deveria haver religiões, haver meios de comunicação, mas deveria haver outras formas de você fabricar consciências, acho que no fundo é isso que falta e essa é a questão.”

Sul 21 – O senhor disse que está muito claro nesta campanha a força dos meios de comunicação. Isso quer dizer que eles têm um grande peso na definição da eleição?

José Vicente – As mídias e as redes sociais, só que as mídias também estão dentro das redes sociais, são duas realidades excludentes. Mas o Brasil tem 70 milhões de pessoas que acessam a internet, tem 90 ou talvez 95% das pessoas que têm acesso ao rádio e mesmo à televisão. Os meios de comunicação, rádio e televisão, estão praticamente em todos os domicílios, a internet em quase todos. Por faixa etária, evidente, que a internet está muito mais nas camadas digamos jovens até 40 anos, que são ainda a maior parte da população, que são aqueles que estão mais desfiliados das organizações políticas. Então, há uma orfandade política no Brasil e essa orfandade é  também uma produção de mortos, eles são órfãos da política, mas são órfãos também da vida, acho que é uma grande crise brasileira que nós temos de enfrentar, todos.

“Os meios de comunicação, rádio e televisão, estão praticamente em quase todos os domicílios, a internet em quase todos.”

Sul 21 – E as pesquisas eleitorais influenciam no voto do eleitor, principalmente no dos indecisos?

José Vicente – Exato, inclusive as pesquisas nem sempre explicitam suas metodologias. Por exemplo, não são feitas amostras aleatórias, segundo os procedimentos estatísticos, mas são feitas mais pelo que chamam por conglomerados, com diferentes metodologias, os estatísticos dizem que a chamada margem de erro é uma ficção, dizem que tem 95% de confiabilidade. Do ponto de vista técnico, dos estatísticos, pelo menos daqueles que eu conheço, que me falaram, é uma ficção. Óbvio que uma coisa é a pesquisa em si e outra coisa é como essa pesquisa será vinculada e aí você tem uma segunda produção de sentido, quer dizer, a opinião pública é fabricada de diferentes modos. Se você olhar bem, ninguém lê o relatório, só os especialistas ou os operadores da política leem um relatório dos institutos completamente. São consumidos alguns resultados, eu diria alguns até clichês que podem ser manipulados de um modo muito emocional. Novamente, a ideia de uma racionalidade política tem sido aos poucos diluída, nós vivemos muito mais num mundo que os autores vão chamar de mundo muito líquido, gasoso, em que não estão claras as linhas de definição dos objetos da política.

“Óbvio que uma coisa é a pesquisa em si e outra coisa é como essa pesquisa será vinculada e aí você tem uma segunda produção de sentido, quer dizer, a opinião pública é fabricada de diferentes modos.”

Sul 21 – Que tipos de clichês podem ser manipulados?

José Vicente – Ai varia de candidato a candidato, mas, às vezes, uma frase de um candidato descontextualizada e de repente vira um clichê. Se pegar o exemplo do discurso da presidente Dilma na ONU (na abertura da Assembleia  Geral da ONU, na última  quarta-feira, dia 24). Ele foi repetido até pelo Bill (ex-presidente Bill Clinton), do mesmo partido de Obama (presidente americano Barack Obama), que disse  que ela tem razão. Há setores da imprensa brasileira que fizeram um silogismo: se ela é contra o Obama, o Obama é contra os grupos islâmicos radicais, ela (Dilma) contra o Obama, portanto é amiga dos grupos islâmicos radicais. Isso eu li na imprensa esses dias. Então, isso é uma distorção, que eu falo que é próprio desse tipo de campanha política, que, infelizmente, reduz a opção consciente do eleitor, eu diria que, ao chegar cada vez mais perto da eleição, há casos que, muitas vezes, são fabricados e que podem vir a aparecer, que podem distorcer a política para um lado, para um candidato ou para outro e influenciar, porque, exatamente, nós estamos numa midiatização da política e não uma politização da política.

“(…) há casos que, muitas vezes, são fabricados e que podem vir a aparecer, que podem distorcer a política para um lado, para um candidato ou para outro e influenciar, porque, exatamente, nós estamos numa midiatização da política e não uma politização da política.”

Sul 21 – O senhor falou que os partidos estão enfraquecidos e que falta um projeto de sociedade na plataforma dos principais candidatos a presidente. Esses fatores podem estar contribuindo para o grande número de indecisos ainda na véspera da eleição?

José Vicente – Eu não tenho dados sobre as eleições passadas, certamente uma parte é comum, mas acho que todas essas circunstâncias do último ano do Brasil e essa crise da representação política, certamente, alimenta essa indecisão. E o que eu acho prejudicial ao sistema democrático é que uma decisão de última hora será sempre uma decisão emocional e não uma decisão de uma consciência política educada. O que ocorrer daqui até o final do primeiro turno, pelo menos, será muito pela emocionalidade. Já aconteceu em eleições passadas, de repente uma notícia aqui, uma notícia acolá, que tenha um efeito e hoje isso, evidentemente, é potencializado pelas redes sociais, que é imprevisível.

Sul 21 – Os eleitores tendem a não acompanhar seus candidatos depois de eleitos para verificar o cumprimento das promessas, principalmente a deputado estadual e federal. Às vezes, nem lembram em votaram. Por que isso ocorre?

José Vicente – Acho ai, novamente, que o processo político cotidiano é muito falho, os partidos políticos, no momento, parecem que só

Professor avalia que a opinião do eleitor só importa aos partidos dois meses antes do pleito | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Professor avalia que a opinião do eleitor só importa aos partidos dois meses antes do pleito | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

se preocupam com as pessoas quando vêm pedir voto, a opinião do eleitor só importa dois meses antes da eleição, não importa depois, portanto há um distanciamento. Acho que também as organizações da sociedade civil também têm de se orientar para a política e não fazer uma separação entre o mundo do associativismo, o mundo sindical da política, acho que falta essa conexão, muitas vezes. Acho que, por exemplo, é papel da escola, a escola de 2º grau, ajudar a trilhar essa consciência política. Veja como é expressivo: aumentaram os protestos e reduziu a filiação de jovens de 16 e 18 anos. A gente esperava exatamente o contrário: que o protesto aumentando viesse junto uma nova onda de filiações. Isso mostra que as estruturas de representação política não estão representando mais aqueles que deveriam estar representados. Mas isso é um processo de longo prazo, a eleição acirra a crise. Então, há uma crise da democracia representativa e ainda há as outras possibilidades da democracia: seja a democracia participativa, seja o aumento, por exemplo, dos conselhos de diferentes órgãos sob diferentes temas que podem influenciar junto ao Executivo, a questão da prestação de contas ainda é muito precária. Nessa crise da política, há também uma crise da relação das pessoas com o público. Eu dou um exemplo: eu avalio uma instituição pública pelos banheiros, é meu grande indicador. É pelo banheiro, não é pela beleza do prédio, não é pelos equipamentos, computador, é pelo banheiro. No banheiro, você vê como aquela instituição está sendo cuidada não só pelo gestor, mas pelos usuários e, no mais das vezes, eu vejo banheiros degradados e, certamente, as pessoas não têm em suas casas ambientes degradados assim. Então, essa sociedade de privilégios que eu falava, essa sociedade quase estamental, é também uma sociedade que desdenha o público ou que não valoriza o público e não é só aqui. Se você anda no metrô de Nova York é um metrô completamente degradado. Curiosamente, o metrô do Rio de Janeiro é melhor, em termos de instalações, do que o de Nova York. Novamente, a questão toda está que nós temos uma relação predatória com o público, com o serviço público. Meu grande indicador novamente é o banheiro.

“Nessa crise da política, há também uma crise da relação das pessoas com o público.”

Sul 21 – O fato de ocorrerem eleições gerais de quatro em quatro anos para escolha de vários candidatos ao mesmo tempo não pode atrapalhar na escolha de cargos importantes como deputado estadual ou federal? Ou até contribuir para o esquecimento do eleitor em relação ao voto nesses dois cargos?

José Vicente – Eu acho que não é essa questão, eu coloco muita mais a questão na cultura política do que nas formas políticas. Acho que essa cultura política que precisa ser mais construída, fabricada, reproduzida por todos (partidos e eleitores), mas também das instituições educacionais, das instituições públicas.

Sul 21 – O formato da propaganda no horário eleitoral gratuito ajuda o eleitor a definir o voto?

José Vicente – Eu acho ela importante, os critérios são pelos critérios de representatividade no Parlamento. Eu acredito que é melhor ter essa propaganda do que não tê-la, eu acho que isso permite por critérios políticos de todos os componentes na sua proporcionalidade. No segundo turno, se houver, ai você tem uma igualdade de tempo. Eu acho que a propaganda política ajuda, evidentemente que deveria haver uma educação política permanente, mas sou a favor da propaganda política. Ai os estilos vão variar, segundo os candidatos.

“Eu acho que a propaganda política ajuda, evidentemente que deveria haver uma educação política permanente, mas sou a favor da propaganda política.”

Sul 21 – Se o voto fosse facultativo haveria mudança no comportamento do eleitor, o voto seria mais consciente, digamos?

José Vicente – Eu sou a favor do voto obrigatório, acho que isso nos obriga a ser mais democráticos. Se você olhar num país onde o voto é facultativo, eu acho que há um déficit democrático muito grande, é uma democracia inacabada. Se todos devemos pagar impostos, todos devemos de votar, porque o votar, eu tenho a opção de votar nulo, me abster, votar em vários candidatos, mas eu acho que isso é um fator de educação para a cultura política.

“Eu sou a favor do voto obrigatório, acho que isso nos obriga a sermos mais democráticos.”

Sul 21 – Fala-se que o eleitor do Rio Grande do Sul é bastante politizado. O senhor concorda?

José Vicente – Eu não sou adepto muito desses regionalismos, acho que eles são falsos. Se você vai a outro Estado, dizem a mesma coisa. Cada Estado diz que ele é melhor do que todos os outros. Eu acho que isso é uma construção falsa, ideológica que não tem sentido, eu acho que se trata de uma sociedade como qualquer outra no Brasil com todas as diferenças, desigualdades, etc… Eu não acredito que no Rio Grande do Sul (politizado) exista (o eleitor mais politizado), acho que é uma fabricação ideológica.

 

 


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