
Fernanda Morena
Desde 2010, a Lei da Anistia está em debate. Naquele ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou o Estado brasileiro a punir os agentes de repressão que atuaram durante a ditadura (1964-1985). O processo segue parado no Supremo Tribunal Federal, mas deverá entrar no relatório de recomendações da Comissão Nacional da Verdade. Suas implicações foram debatidas na tarde dessa quinta-feira (27) na Câmara Municipal de Porto Alegre.
“A lei da anistia continua válida para cidadãos que foram incriminados pelo regime então vigente. Em 79, presos políticos, exilados de volta à vida quase normal é válida. Não é válida para agentes do próprio Estado, que não podiam se autoanistiar”, explica Roberto Caldas, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Isso significa que, quando promulgada pelo presidente João Figueiredo, em 1979, presos políticos e exilados puderam retornar ao Brasil ou ter seus registros policiais expurgados. A Lei, contudo, não pode ser aplicada aos militares que fizeram parte do regime, uma vez que o Estado não pode garantir anistia a si mesmo ou seus líderes.
Se revista, a lei deverá enquadrar em crimes comuns os responsáveis pelos crimes de tortura, desaparecimento forçado e lesão à humanidade. “A Lei da Anistia é inaplicável, e é preciso que os opressores sejam identificados e julgados por crimes contra a humanidade, ou seja, quando o homem é atacado como animal político, sem poder de defesa, que foi o que aconteceu”, comentou Ivan Marx, Procurador do Ministério Público Federal.
Condenação na OEA

Em 2010, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana a investigar, julgar e punir os opressores do regime militar. Segundo os juízes, o sistema brasileiro que isenta os agressores da ditadura vai de encontro à Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário.
Foi essa condenação que acirrou o debate sobre a revisão da Lei. “Em 79, presos políticos, exilados voltarem à vida “quase” normal é válida. Não é válida para agentes do próprio Estado, que não podiam se autoanistiar”, reitera Caldas.
Um caso especial utilizado por aqueles que defendem a revisão da legislação é o Atentado do Riocentro, como ficou conhecido o frustrado ataque à bomba que aconteceria no Pavilhão Riocentro durante um show público comemorativo ao Dia do Trabalho em 1981. Evidências comprovam que o ataque teria sido perpetrado pelos próprios militares, que culpariam a esquerda pela morte dos presentes. O evento levou à renúncia do ministro-chefe da Casa Civil da época, Golbery do Couto e Silva.
Em função da Lei da Anistia, os responsáveis pelo atentado não puderam ser investigados. “A Lei prescreve não só para trás, mas também para a frente”, pondera José Carlos Moreira Silva Filho, da Comissão de Anistia. “Não há assunto mais atual do que a memória. O futuro é indefinido, pode ser projetado. O passado, a experiência política que alimenta presente político, esses são bem concretos”, acrescentou.
Comissão Nacional da Verdade
Moreira Silva Filho encerrou lendo as recomendações que deverão ser feitas no relatório da Comissão Nacional da Verdade neste ano. Elas são:
1. listar e descrever todas as modalidades e circunstâncias a violação dos direitos humanos;
2. rever crimes militares perpetrados durante a ditadura, caracterizando-os como crimes contra a humanidade;
3. obedecer a Corte Internacional acerca da Guerrilha do Araguaia (episódio em que 62 guerrilheiros desapareceram), fazendo uma reforma das instituições democráticas para investigação penal e responsabilização por leso a humanidade de forma imprescritível;
4. tipificação de crime de desaparecimento forçado;
5. implementação de modo obrigatório, com ênfase no oficialato, de cursos de direitos humanos nas Academias Militares;
6. ampliação, intensificação e continuidade de localização restos mortais dos guerrilheiros;
7. explicitação de que os valores da Constituição são incompatíveis com a anistia de crimes de leso à humanidade – anistia só trata de perseguidos políticos, não dos militares;
8. identificação das instituições e órgãos públicos envolvidos nos crimes de leso à humanidade, especificando os nomes dos agentes públicos envolvidos;
9. recomendação de expurgos administrativos desses nomes, vedando possibilidade de novos vínculos ao serviço público;
10. recomendação da desmilitarização das polícias brasileiras;
11. apoio às ações do MPF na responsabilização de servidores públicos de leso humanidade;
12. recomendação da ampliação do apoio público à memória da ditadura – por meio de criação de espaços de memória;
13. recomendação para intensificação dos processos de abertura de arquivos públicos, com ênfase nos arquivos secretos;
14. descrição da cadeia militar, pública e midiática dos apoiadores do golpe militar; financiamento de construção de centros de memória para evitar que o mesmo aconteça de novo;
15. proibição de nomes ligados aos opressores e à ditadura em bens públicos.