

Yara Pereira
A Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa encaminhará ao Supremo Tribunal Federal manifestação contrária à permissão da diferença de classe no internamento hospitalar pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O tema foi discutido na manhã desta quarta-feira (30), no plenarinho da Assembleia Legislativa, em audiência pública com a presença de representantes de gestores públicos da área da saúde, de hospitais filantrópicos e de entidades de usuários do SUS.
Com exceção da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul, todas as representações de entidades defenderam na audiência pública a manutenção dos princípios da universalidade, livre acesso e igualdade de tratamento, previstos pela Constituição Federal como norteadores do funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS).
O debate sobre a diferença de classe no SUS ganhou contornos legais com embate entre o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) e o município de Canela. Com gestão plena da saúde, o município negou a possibilidade de paciente pagar o excedente pela internação hospitalar diferenciada e tratamento por médico de sua escolha, ainda que não credenciado pelo SUS e mesmo com o acesso via sistema público. A Justiça Federal da 4ª Região deu sentença desfavorável ao Cremers, sob a argumentação de que a prática da diferenciação de classe para atendimento no sistema público de saúde está proibida desde 1991, com a extinção do INAMPS e a implantação do SUS, com base no princípio do acesso universal e igualitário aos serviços de saúde.
O ingresso de recurso extraordinário pelo Conselho transferiu a decisão ao Supremo Tribunal Federal, que realiza audiência pública dia 26 para colher depoimentos e opiniões sobre o tema.
Dever do Estado
“O processo constituinte consolidou o SUS como sistema público, universal e igualitário. A saúde é um direito de todos e dever do Estado, não é mercadoria”, defendeu o presidente do Conselho Estadual de Saúde, Paulo Humberto Gomes da Silva. Entre as críticas apresentadas pelo representante dos usuários no conselho, está a possível interferência nos critérios de acesso aos serviços, que hoje ocorrem via Unidades básicas de saúde, Unidades de Pronto Atendimentos (UPAs) e os Centros de Atendimento Psicossocial (CAPs). “Estas são as legítimas portas de entrada do SUS, que impedem tratamento diferenciado aos usuários e renegam critérios como situação econômica”, afirmou. A diferenciação de classe abre a porta para a desigualdade no acesso e no critério de ordem de atendimento e tratamento, entende o presidente do Conselho Estadual de Saude.
O promotor Mauro Luiz Silva de Souza, representante do Ministério Público Estadual (MPE), também fez a defesa da manutenção dos critérios de acesso e dos princípios norteadores do SUS. “O sistema pode não ser o ideal, mas é muito melhor do que tínhamos antes de 1988, pois no INAMPS havia diferenciação no atendimento médido e hospitalar e somente era atendido quem possuía carteira de trabalho”, recordou. Caso o Supremo Tribunal Federal manifeste-se favorável à diferenciação de classe, o promotor antevê o “desmantelamento” de tudo o que foi instituído até o momento e o desmantelamento de toda a regulação existente. Souza acredita na melhoria do SUS no momento em que os agentes públicos de todos os níveis cumprirem definitivamente todas as etapas previstas na Lei 8.080/90, que regulamenta o SUS.
Fiscalização
O coordenador do Departamento de Assistência Hospitalar e Ambulatorial da Secretaria da Saúde do Estado, Marcos Lobato, também defendeu os princípios da universalidade e da equidade preconizados no Sistema Único de Saúde, chamando a atenção para os problemas de gerenciamento e fiscalização que podem decorrer da vigência da diferenciação de classe. “O estado tem o dever de proteger as pessoas e quando está pagando pelos serviços, tem um tipo de controle que procura ser o mais eficiente possível. Sem a regra de acesso via as portas de entrada estabelecidas atualmente, a eficiência do sistema será muito menor”, argumentou .
Inscrito para participar da audiência pública do STF no final do mês em Brasília, o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (Sindsepe/RS), Claudio Augustin, lembrou que o Cremers se apega à Resolução n° 283 do extinto INAMPS como sustentação da viabilidade da diferenciação de classe. “Uma resolução de autarquia extinta não tem o poder de revogar a Constituição Federal e a Lei Orgânica da Saúde”, ponderou. Também a defensora pública Paula Pinto de Souza apresentou posição contrária à proposta do Cremers. “A proposta é uma aberração. Não vamos esquecer que o SUS tem custeado inúmeros tratamentos de maior complexidade. Corremos o risco de estabelecer que terá saúde quem tem dinheiro para pagar por ela”.
O superintendente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes, Religiosos e Filantrópicos do Rio Grande do Sul, Jairo Tessari, fez a ressalva de que a entidade admite a diferenciação de classe desde que o acesso aos serviços de saúde seja “efetivamente pelo sistema regulador do SUS, única e exclusivamente”. Isolado na defesa da proposta do Cremers, Tessari defendeu, entretanto, a elaboração de parâmetros claros de acesso e de cobrança pelos serviços médicos e hospitalares, com fixação de tabelas de valores.
Audiência
A Comissão de Saúde e Meio Ambiente encaminhará ao STF documento com o relato da audiência, de forma a contribuir com o debate que se realiza dia 26, conforme determinação do relator do processo, ministro Dias Toffoli. Segundo Toffoli, a questão apresenta relevância jurídica e social e envolve importantes interesses jurídicos, como o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços de saúde e a complementaridade da participação do setor privado na saúde pública. A análise do tema e ultrapassa a questão jurídica, na opinião do ministro, demandando abordagem técnica sobre o impacto administrativo e econômico da diferença de classe e de seus efeitos nos procedimentos de triagem e no acesso ao SUS.
Na audiência pública do STF haverá participação de especialistas, representantes do poder público e dos usuários do SUS.