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24 de outubro de 2015
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13:57

Em meio a crise e reclamações, 10ª Bienal do Mercosul abre as portas com obras de 20 países

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
23/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Obras da 10ª edição da Bienal do Mercosul | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Obra  A Negra, de Tarsila do Amaral, em exposição no Margs, é uma das mais importantes em exibição na Bienal do Mercosul| Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Luís Eduardo Gomes

A partir desde sábado (24), estão abertas para visitação as sete exposições que compõem a 10ª edição da Bienal do Mercosul – Mensagens de Uma Nova América, inaugurada oficialmente na noite de sexta-feira. Apesar da crise econômica do Brasil, especialmente a alta do dólar, ter impedido de última hora que algumas obras fossem trazidas para Porto Alegre, ficarão em exposição até o dia 6 de dezembro 646 obras de 263 artistas de 20 países da América Latina.

Para ajudar a contar um pouco da história da região e preencher lacunas que ainda não tinham sido preenchidas em edições anteriores da bienal, a edição deste ano conta com sete exposições. São elas: Biografia da Vida Urbana; Modernismo em Paralaxe; Antropofagia Neobarroca; Olfatória: O Cheiro na Arte; Aparatos do Corpo; A Poeira e o Mundo dos Objetos e Marginália da Forma.

Cada mostra está em um espaço diferente da capital gaúcha –  Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli – MARGS; Santander Cultural; Memorial do Rio Grande do Sul; Usina do Gasômetro; Centro Cultural CEEE Erico Veríssimo; Acervo Independente e Instituto Ling (veja onde está cada obra abaixo).

“Essa Bienal representa uma oportunidade única para ver um grande número de obras, a partir de uma lógica de justaposição, introduzindo um modelo novo de exibições num contexto de bienais. Ela foi pensada de acordo com a escolha de obras específicas, abrangendo desde as históricas até as contemporâneas. Ao invés de representar artistas, nós procuramos dar visibilidade as suas contribuições artísticas relacionadas a questões específicas”, explica Gaudêncio Fidelis, curador-chefe da edição.

23/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Obras da 10ª edição da Bienal do Mercosul | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Parangolés, de Hélio Oiticica, em exposição no Memorial do RS | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

“A plataforma adotada deixou de lado o modelo de comissões, típico de outras bienais, e preferiu se focar em obras que tivessem grande contribuição estética para a história, mostrando inovação e criatividade. A exposição leva em conta a legibilidade, a especificidade cultural e a crítica do cânone ocidental, salientando assim a gênese, a produção e a circulação de conhecimento sobre essas obras, ao invés de apenas celebrá-las”, complementa.

Além de trazer obras canônicas de artistas consagrados do Brasil e da América Latina, que inclusive já estiveram em outras edições da bienal, a edição deste ano traz também uma série de artistas que ainda não tinham participado do evento. Um deles é o gaúcho Marcelo Armani, que apresenta na bienal a sua instalação “Carne Seca”. A obra, que combina elementos visuais e sonoros, faz alusão à travessia dos escravos da África para o Rio Grande Sul.

“O conceito dele parte das charqueadas e cruza com a Semana Farroupilha”, diz. “A peça sonora é uma sonoplastia baseada na travessia, muitos sons captados nos oceanos Índico e Atlântico. Tem coisas da costa da África e coisas da costa da Paraíba. Tem algumas coisas de ranger de madeira, como se fosse aqueles sons dos grandes navios negreiros, e tem partes do hino do RS, partes bem pontuais”, explica.

Armani conta que antes de chegar à bienal, o trabalho já foi apresentado na mostra Ecos do Mar, realizada em Maputo, Moçambique. “A ideia é que esse trabalho fizesse essa travessia, porque trata da escravidão”, afirma o artista, que saúda também a oportunidade de participar da mostra. “A Bienal do Mercosul já está bem inserida nesse eixo artístico e cultural. Acredito que participar de uma bienal desse porte abre outras portas. Ainda mais com obras como as de Cícero Dias”, diz Armani, fazendo alusão à obra clássica “Eu vi o Mundo”, que está no mesmo andar no Memorial do Rio Grande do Sul.

23/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Obras da 10ª edição da Bienal do Mercosul | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Armani dá os retoques finais em sua obra na sexta-feira, horas antes da abertura oficial do evento| Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Crise e polêmicas na véspera

Apesar da grandiosidade da edição deste ano, a Bienal do Mercosul passou por uma série de percalços antes de ser inaugurada, que incluíram o atraso no início das exposições – originalmente estava marcada para ser realizada entre os dias 8 de outubro e 22 de novembro – e o corte de mais de 100 artistas, oficializado apenas há pouco mais de 10 dias.

Com orçamento total de R$ 7,5 milhões, a bienal tinha convidado inicialmente 402 artistas. Contudo, segundo a organização do evento, devido à alta do dólar, os custos de transporte e seguro para obras internacionais acabaram subindo muito e estourando o orçamento, o que inviabilizou a participação de mais de 100 artistas.

Ao tomarem conhecimento da notícia, três curadores assistentes anunciaram sua renúncia e enviaram uma carta crítica à Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, que organiza o evento, questionando a decisão que seria de manter a exposição apenas das obras que já se encontravam no Brasil e as estrangeiras que contassem com o apoio de patrocinadores para arcar com os custos de transporte.

“A menos de duas semanas da inauguração, ainda não há um comunicado oficial da Bienal em que se esclareça a lista definitiva de artistas, a localização dos espaços na Bienal e o desenho museográfico e, portanto, os protocolos de exibição, os requisitos de conservação e segurança para cada caso”, diz a nota emitida no início do mês.

23/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Obras da 10ª edição da Bienal do Mercosul | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
Apesar dos problemas para o transporte de obras internacionais, Bienal do Mercosul com peças de muitos artistas, como a Colombia Coca-Cola, de Antonio Caro | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Além disso, os artistas colombianos Andrés Matías Pinilla e Nadín Ospin também publicaram uma carta aberta no dia 9 criticando a decisão da bienal de cancelar o transporte de suas obras e de outros artistas anunciados na lista publicada em 29 de julho.

“A falta de rigor e transparência em uma decisão de tais dimensões, não só afeta a integridade e a qualidade da proposta curatorial, mas nos prejudica injusta e negativamente como artistas que, com responsabilidade e profissionalismo, comprometemos tempo, trabalho, dinheiro e reputação”, diz a nota, acrescentando ainda que a decisão “é injustificada e irresponsável, e a ausência de um comunicado oficial é uma falta inaceitável com os artistas internacionais convidados”.

Gaudêncio reconhece que a bienal enfrentou problemas, mas afirma que foi feito um grande trabalho para que fosse realizada uma exposição “extraordinária”.

“Esta é uma exposição extremamente complexa em termos da estrutura de localização das obras na exposição e, por consequência, de logística. Temos um volume de trabalhos consideravelmente grande que nos impõe um esforço extraordinário de logística, para os quais foi realizada uma intensa negociação. A crise econômica que estamos vivendo impactou fortemente a realização dessa exposição e nos colocou enormes desafios. Mas nem por isso deixamos de realizar uma exposição que é extraordinária. A realização de qualquer exposição nos impõe decisões difíceis e nesta não foi diferente. Mas temos certeza que, apesar dessas decisões, o projeto curatorial manteve sua integridade”, diz.

23/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Obras da 10ª edição da Bienal do Mercosul | Foto: Caroline Ferraz/Sul21
10ª edição da Bienal do Mercosul deu a largada na sexta-feira | Foto: Caroline Ferraz/Sul21

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