

Gerson Smiech Pinho (*)
Após a metamorfose da puberdade, o corpo extravagante e por vezes desajeitado do adolescente já não cabe mais dentro da roupagem da infância. Junto aos pêlos e espinhas, a sexualidade reanimada também entra em erupção, agora endereçada para além das fronteiras do âmbito familiar. Provido de um corpo sexuado, o jovem passa a ser capaz de protagonizar experiências a partir das escolhas amorosas que venha a efetuar desde então.
Porém, o descompasso entre a rapidez com que o corpo muda e a elaboração necessária para se apropriar do mesmo faz com que um tanto de trabalho psíquico seja despendido nesse processo. O corpo que interpela o adolescente, diferente daquele habitado na infância, inicialmente carece de sentido. Revestir com palavras algo que a princípio aparece como estranho demanda um tempo de elaboração, por vezes prolongado. Parte desse processo pode ser acompanhado a partir da história de Elio, protagonista do filme Me Chame Pelo Seu Nome (2017).
Verão de 1983, em uma localidade qualquer no norte da Itália: é nessa coordenada de tempo e de espaço que se situa a narrativa do filme. A pouca exatidão sobre o lugar em que a história transcorre é correlata do extenso território a ser explorado pelo personagem principal em relação à questão que lhe ocupa. É desde a perspectiva de Elio, um adolescente às voltas com as primeiras escolhas no campo sexual, que somos convidados a acompanhar a trama.
Dirigido por Luca Guadagnino e baseado no livro homônimo de André Aciman, o filme relata o romance entre o jovem protagonista e Oliver, um recém chegado visitante à casa dos pais de Elio, professores de História que recebem alunos com alguma periodicidade. A angústia e as contradições agitam e animam o cenário dessa primeira experiência amorosa do rapaz. Como pano de fundo, o enredo desvela aquilo que está em questão na travessia adolescente em direção à vida adulta: tempo de incertezas, de ensaios e de descobertas.
A porção inicial do filme tem um compasso vagaroso, no ritmo de um verão arrastado, o qual contrasta com a ebulição interna vivida por Elio. A relação amorosa com Oliver emerge pouco a pouco, na cadência de lições de história da arte, sestas prolongadas sob o sol, diversas leituras, passeios de bicicleta, banhos de piscina e de rio. A lentidão, ao menos na primeira parte da trama, é indicativa do tempo de suspensão e espera que caracteriza a adolescência, necessário até que algum ato se torne viável.
Na medida em que não existe uma representação que forneça consistência identitária à posição sexuada, esta necessita passar por uma longa construção. Com identificações que ainda restam por compor, a adolescência é, por excelência, um tempo de experimentação e de circulação por diferentes posições. Parte dessa elaboração pode ser acompanhada através do percurso de Elio, que irá culminar no relacionamento com Oliver. O estabelecimento do laço amoroso entre eles coincide com a apropriação da escolha amorosa que foi gradualmente sendo feita pelo rapaz.
Mesmo contando com uma importante rede de relações familiares e de amigos, constatamos o quão solitários são os primeiros tempos da experiência de Elio, às voltas com sua sexualidade. Recolhendo-se na leitura dos livros ou na música que executa ao piano e ao violão, o rapaz conta com um pequeno caderno que lhe serve de confidente. Nas páginas desse diário, ensaia colocar em palavras aquilo que ainda não consegue enunciar.
A escrita comumente se apresenta aos jovens como um espaço privilegiado de expressão e de subjetivação. O adolescente, em busca de um lugar para habitar, pode encontrar no ato de escrever um ponto de referência na travessia que percorre. A escrita endereçada ao diário joga com as palavras, inaugura novos sentidos, permite criar e experimentar uma nova versão de si.
Boa parte da intensidade do filme tem origem na força dos diálogos. Dentre estes, tem destaque especial a tocante conversa entre Elio e seu pai mais ao final da história.
Se uma paixão adolescente muitas vezes tem uma breve duração, a marca que deixa é permanente, já que permite situar o sujeito em uma nova posição. O filme se despede com o olhar nostálgico de Elio, a relembrar do passado e a chorar pelo primeiro amor, cujo vestígio possivelmente permaneça para o restante de sua vida.
(*) Psicanalista, membro da APPOA e do Centro Lydia Coriat