
Débora Fogliatto
Porto Alegre inaugura, neste sábado (25), os dois primeiros Bancos Comunitários da região Sul do Brasil. O projeto, criado primeiramente em Fortaleza, no Ceará, já existe em várias cidades brasileiras, a sua maioria no Nordeste, Norte e Sudeste. Tratam-se de serviços financeiros com viés solidário, que funcionam em rede, voltados para a geração de trabalho e renda com foco na autonomia e nas iniciativas locais. Na capital gaúcha, começam a funcionar os bancos Cascata, no bairro de mesmo nome, e Justa Troca, no Sarandi.
A intenção é que os Bancos sejam geridos pelas próprias comunidades, que ficam em bairros periféricos com grande potencial de desenvolvimento, colaborando para esse crescimento local. No Cascata, a iniciativa está diretamente relacionada ao grupo Misturando Arte, empreendimento de artesanato baseado na Economia Solidária que há dez anos funciona com base na auto-gestão, cooperação e solidariedade.
A comunidade está envolvida no projeto há cerca de um ano e meio, tempo em que já foi realizado o mapeamento da produção da comunidade, assim como algumas feiras de troca. “Estamos produzindo as finanças solidárias através da troca, que é um dos braços do Banco. Tem outro braço, que serão os créditos produtivos, e depois tem realmente a questão financeira, que é poder pagar conta, depositar. Isso vamos fazer através de uma moeda eletrônica social, como é feito pelos 113 bancos comunitários que existem, que é o e-dinheiro“, explica Katiucia Gonçalves, conselheira administrativa da Associação de Economia Solidária, Cultura e Educação da Cascata (ASESCEC) e do Misturando Arte.
O e-dinheiro é uma plataforma eletrônica, acessada por um aplicativo de celular, onde é possível realizar depósitos, transferências, pagamentos e recebimentos em geral, a partir de tarifas muito baixas, sem o intermédio de um banco tradicional. Por isso, passa a ser uma alternativa mais barata tanto para comerciantes quanto para integrantes da comunidade em geral. Com o Banco Comunitário, é possível organizar redes econômicas locais em que todas as transações sejam feitas por meio do dinheiro eletrônico, incentivando também as produções da própria comunidade.

A Associação foi procurada para participar deste processo pelo Núcleo de Estudos em Gestão Alternativa (NEGA), ligado à Faculdade de Administração da UFRGS, que trabalha com projetos de extensão na área da Economia Solidária. O grupo existe formalmente desde 2012, capitaneado pelos professores Pedro de Almeida Costa, Ana Mercedes Icaza e Fábio Meira, que já trabalhavam com questões relativos a esse tema há mais de uma década. Há quase dois anos, o Núcleo se voltou para a questão dos Bancos Comunitários, realizando reunião periódicas, cursos, conversas e eventos com a comunidade e com estudantes bolsistas sobre economia solidária e cooperativismo.
O NEGA trabalha com os Bancos também nas questões jurídicas, organizacionais e relacionadas à divulgação e redes sociais. “O principal ponto [do projeto] é ter uma geração de externalidade, com a capacidade de mobilizar atores da comunidade para o desenvolvimento local, para produzir alternativas locais de geração de trabalho e renda”, explica o professor Pedro. O Núcleo trabalha, então, com a ideia de “fomentar nas comunidades a capacidade de autonomia para tocar projetos de forma sustentável”, completa ele.
Atualmente, o NEGA funciona também como um grupo de pesquisa, envolvendo um número significativo de estudantes de graduação que atuam como bolsistas. O professor destaca o papel na formação desses estudantes, especialmente mencionando que essas temáticas, em geral, não estão inseridas nos currículos dos cursos. “Temos tido um número bem grande de bolsistas, chegamos a ter 9 em um semestre. Então tem papel importante de formação de um corpo de estudantes de graduação que não conhecia essa temática de economia solidária. Já passaram mais de 30 bolsistas de diferentes cursos e áreas do conhecimento, que têm se aproximado pelas demandas que os projetos têm”, afirma Pedro.
Além dos três pilares mencionados por Katiucia, o Banco Cascata também trabalha com o recolhimento de garrafas pet, para que consiga arrecadar um fundo de funcionamento. “Estamos construindo esse fundo através da coleta da garrafa pet, toda comunidade está envolvida. Recolhemos, vendemos e o dinheiro retorna para o banco. É com esse dinheiro, por exemplo, que estamos pagando um oficineiro de papel artesanal, para dar oficina de graça aqui na escola”. Para gerir o Banco, foi criada uma associação que, por enquanto, conta com a participação de quatro das cinco comunidades no bairro.
A inauguração dos Bancos Comunitários acontecem neste sábado (25), com a realização de duas festas juninas, uma em cada bairro que recebe o projeto. No Cascata, o lançamento será na Escola Oscar Pereira, a partir das 10h, com feira de trocas, banca de lanches, venda de artesanato, oficinas e música. Já no Sarandi, o Justa Troca será inaugurado na Creche Nova Geração, com início às 16h.