
Luís Eduardo Gomes
Após se tornar um dos bares mais populares e polêmicos da cidade e ser obrigado a fechar as portas em dois locais de diferentes, o Tutti Giorni está prestes a voltar à ativa e bem próximo de seu local de origem, nas escadarias do Viaduto Otávio Rocha, na Av. Borges de Medeiros. De acordo com Ernani Marchioretto, o Nani, a ideia é que o Tutti abras as portas em novo endereço, ao lado do Hotel Savoy, já a partir da próxima sexta-feira (18).
Ao contrário dos últimos momentos do Tutti na Praça dos Açorianos, quando só abria ao meio-dia, a ideia de Nani é voltar a operar nos dois turnos, servindo o seu tradicional almoço popular durante o dia e recebendo os frequentadores boêmios à noite. “Até uns quatro anos, eu vendia a R$ 1,99. Depois passou para R$ 6. Agora, eu acredito que vá conseguir a R$ 7. Mas é um almoço digno. Carreteiro de charque, de linguiça e às vezes de guisado, feijão e acompanha um copo de refri”, salienta.
Apesar do preço barato, ele diz que ainda consegue ter lucro, mas brinca que não revela o segredo. Na verdade, Nani diz que o almoço popular serve para pagar as contas e que o lucro de seu negócio sai da venda de bebidas à noite.
O Bar dos Cartunistas
Fundado em 1989, o Tutti Giorni se localizava em uma das escadarias do viaduto da avenida Borges de Medeiros, oferecendo somente almoços. Segundo Nani, como um antigo sócio seu era amigo de cartunistas como Edgar Vasques e Santiago, a “velha guarda” dos ilustradores porto-alegrenses era frequentadora do local.
Em 1995, o bar abriu espaço para reuniões da Grafar, associação que reúne cartunistas, chargistas, caricaturistas, ilustradores e quadrinistas do Rio Grande do Sul, nas terças-feiras à noite. Desde então, o Tutti passou a se tornar uma referência para a boemia de Porto Alegre nesse dia.
Aos poucos, especialmente a partir de meados dos anos 2000, o espaço ocupado pelo bar passou a não ser suficiente para receber seu público, que se aglomerava nas escadarias do viaduto. Em 2012, as noites de terça reuniam centenas de jovens que chegavam a trancar a Duque de Caxias.

O que era um sucesso para o Tutti, também passou a ser um transtorno para os moradores da região, que reclamavam do barulho e de que os clientes permaneciam em frente ao bar madrugada a dentro, mesmo após o fechamento do estabelecimento. “Eu cumpria o meu horário, fechava meia-noite”, diz Nani. Contudo, após o fechamento, as bebidas eram fornecidas por ambulantes.
Graças a um processo judicial resultado da falta de pagamento de condomínio, Nani perdeu a posse do espaço comercial e o Tutti foi obrigado a fechar as portas em 2012, apesar da grande comoção popular e nas redes sociais. Nani conta que, em 2002, sofreu um acidente de carro, que o deixou em coma e sem dinheiro para pagar o condomínio – até então, diz que pagava religiosamente. Com uma dívida acumulada, por anos tentou negociar com o prédio e ganhar na Justiça o direito de não pagar o condomínio, alegando que há jurisprudência de que loja térrea, com entrada independente, não deveria arcar com essa despesa. “O pessoal do prédio não quis negociar em função do movimento. O Tutti botava 3 mil pessoas ali no viaduto”, avalia.
Em novembro de 2012, o Tutti reabriu as portas na Praça dos Açorianos. Graças à comoção gerada pelo fechamento no viaduto, o bar continuou atraindo centenas de pessoas.
“Começou a bombar porque era um espaço abandonado. Nós movimentamos aquela parte da cidade. Eu acho que o Tutti Giorni tinha até que ganhar uma medalha”, brinca Nani. “Tenho que ligar para o prefeito, ver onde ele quer revitalizar e o Tutti Giorni vai lá e revitaliza”.
Contudo, mais uma vez o Tutti foi alvo de pressão de moradores. Durante um tempo, funcionou só de dia. Depois, voltou a reabrir à noite. Voltou a fechar e a reabrir, até que, em setembro de 2014, deixou a Praça dos Açorianos em definitivo.
Nani alega que o problema encontrado para o fechamento do Tutti, dessa vez, foi a falta de alvará. “Após o problema que deu em Santa Maria [incêndio na boate Kiss], quando eu fui renovar o alvará, eles não aceitaram porque o prédio não tinha PPCI, sendo que o imóvel é do Monte Pio da Brigada”, salienta.

Candidato a deputado
No tempo em que o Tutti esteve fechado, Nani tentou a sorte na carreira política. Como “Nani do Tutti”, lançou-se candidato a deputado estadual pelo PSOL. Fez 289 votos, terminando na 530ª posição. Antes, ele já tinha tentado se eleger vereador em Porto Alegre. Recebeu 366 votos.
“Na primeira vez que eu fui, trabalhei sozinho e fiz 300 votos. Se mais nove pessoas fizessem o mesmo trabalho que eu fiz, eu teria 3 mil votos e estaria eleito vereador. Tem gente que gastou uma fortuna e fez menos votos que eu”, diz Nani, que não descarta se candidatar em outra oportunidade. “Me eleger é outro papo, porque tem que botar grana”.
Questionado sobre o que faria se fosse eleito, ele diz que uma de suas principais indignações é a abertura de postos de saúde em horários limitados. “Eu moro a 200 metros do posto de saúde modelo. Eu pergunto, modelo de quê? Não abre final de semana, não abre feriados, não abre à noite, tu tem que escolher o dia que tu vai adoecer”.
Além disso, ele diz que proporia a ocupação de prédios abandonados e que bares que só abrem à noite abrissem também no horário do meio-dia para servir almoço popular.
Moradores agora estão felizes

De volta pra casa
Quase um ano depois de fechar, pode-se dizer que o Tutti está voltando para casa. Nani conta que mesmo antes de alugar o estabelecimento na Praça dos Açorianos, ele já tinha “namorado” o novo espaço, que durante muitos anos foi ocupado por uma tabacaria – cuja placa ainda é visível – e mais recentemente serviu de depósito de maquinário.
A nova versão do Tutti será maior do que as anteriores. Nani estima que o novo espaço tenha mais de 200 m², o que seria suficiente para acolher “umas 70, 80 pessoas”.
Outra diferença é que, desta vez, segundo ele, os futuros vizinhos estão adorando a chegada do Tutti como uma forma de trazer movimento para a área, que muitas vezes fica abandonada ao cair da noite. “Eu quero fazer o meu horário, permitido por lei. Quem tem que fazer cumprir não sou eu”, afirma, acrescentando ainda que está com alvará e PPCI totalmente legalizados.
Questionado sobre sua expectativa de público na reabertura, Nani diz que não imagina que o movimento volte de imediato aquele do período de pico. “Acho que não vai ser tanta gente assim, não”. Contudo, a expectativa é grande e ele próprio já sentiu isso. “Postei uma foto minha, escrevi quase nada e teve 500 compartilhamentos”.
Caso o Tutti volte a ser um ponto de encontro da juventude, Nani diz torcer para que os frequentadores “respeitem” e não façam muito barulho em frente ao bar durante a madrugada. “O pessoal do Tutti gosta de ficar na rua, mas espero que as pessoas se conscientizem do direito das outras. Senão, vai acabar queimando o meu filme de novo”, diz .