
Samir Oliveira
O artigo 11 da Lei Geral da Copa estabelece que os estádios que sediarão os jogos do mundial no Brasil deverão possuir uma “área de exclusividade” cujos limites serão “tempestivamente estabelecidos pela autoridade competente, considerados os requerimentos da FIFA ou de terceiros por ela indicados, (…) observado o perímetro máximo de 2 km ao redor dos referidos Locais Oficiais de Competição”.
Apesar de essa determinação constar em um regramento em vigor deste junho de 2012, nenhum órgão público anunciou qualquer medida para determinar a abrangência dessa área em Porto Alegre. Há 44 dias da Copa, as pessoas que residem ou trabalham no entorno do estádio Beira Rio ainda não foram informadas sobre as restrições de acesso à região durante a realização das partidas.
Questionados sobre o tema pela reportagem do Sul21, os órgãos públicos dos governos federal, estadual e municipal que tratam da organização da Copa do Mundo evitam passar informações concretas e empurram responsabilidades. Por meio de sua assessoria de imprensa, a Secretária Municipal Extraordinária para Copa de 2014 afirma que o tema é de responsabilidade do Comitê Organizador Local (COL) – que, por sua vez, diz tratar apenas da estruturação do entorno do estádio e não do acesso das pessoas à região.

Já a Secretaria Estadual do Esporte e Lazer ressalta que o assunto está sob os cuidados da Secretaria Estadual de Segurança Pública. Por meio de sua assessoria de imprensa, a pasta diz que o acesso da população à zona de exclusão ficará a cargo da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), vinculada à administração municipal.
Por fim, a EPTC, também através de sua assessoria de imprensa, afirma que ainda não pode divulgar informações sobre a zona de exclusão e garante que até o final desta semana anunciará medidas que serão tomadas sobre o tema.
Contatado pela reportagem, o Ministério do Esporte diz que as determinações sobre a área de exclusão são tomadas pela FIFA. Porto Alegre receberá os jogos de França e Honduras (15/6), Austrália e Holanda (18/6), Coreia do Sul e Argélia (22/6), Nigéria e Argentina (25/6) e uma partida das oitavas de final no dia 30 de junho.
“Não houve preocupação dos órgãos públicos com a divulgação dessa área restrita”, diz defensora pública
Apesar de se recusarem a repassar informações, os órgãos públicos já têm tratado da delimitação da zona de exclusão ao redor do estádio em reuniões internas. Coordenadora da Comissão de Monitoramento dos Efeitos da Copa e Megaeventos da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, a defensora pública Adriana Schefer do Nascimento recorda que a instituição têm feito diversos alertas sobre o tema.
“A partir da proximidade do evento, começamos mais ativamente a buscar essa informação de como vai se organizar (a zona de exclusão). Temos preocupação com essa zona, porque vários moradores do entorno vão ter a necessidade de se cadastrar pra ter acesso a área. Tanto as pessoas como os veículos”, observa a advogada.

Ela informa que, na semana passada, em reunião com a Secretaria Estadual do Esporte e Lazer, foi dito que a zona de exclusão no entorno do Beira Rio será menor que o limite máximo de 2 km. Isso ocorrerá para que a maior parte dos moradores do Morro Santa Tereza não seja atingida, já que muitos estão em situação fundiária irregular e não poderiam comprovar a moradia no cadastro específico para acessar o território. “A área de exclusão vai atingir pouco o morro, não serão mais os 2 km, como era a intenção inicial. Seria quase impossível e violaria demais os direitos dessas pessoas”, qualifica a defensora pública.
Adriana conta que, em abril deste ano, a equipe da Defensoria Pública esteve no Morro Santa Tereza para conversar com os moradores sobre a zona de exclusão. “Eles não tinham nenhuma informação sobre cadastramento. Não houve preocupação dos órgãos públicos com a divulgação dessa área restrita”, critica a defensora.
Ela acrescenta que a Comissão de Monitoramento dos Efeitos da Copa e Megaeventos irá acompanhar a realização do cadastro dos moradores da região delimitada e também a garantia de acesso a eles durante os jogos do mundial em Porto Alegre.
“É uma apropriação do espaço público e violação de soberania”, diz integrante do Comitê Popular da Copa
Integrante do Comitê Popular da Copa em Porto Alegre, Fernando Campos Costa afirma que há quase um ano o grupo vem debatendo o funcionamento da zona de exclusão no entorno do estádio Beira Rio durante os jogos do mundial. “Sempre diziam que isso não era verdade. E agora as coisas estão aparecendo. Isso afeta o direito de ir e vir das pessoas, é uma apropriação do espaço público e uma violação de soberania”, qualifica.
O militante observa que, assim como a questão envolvendo o financiamento das estruturas temporárias para o mundial ao redor do Beira Rio, “tudo que diz respeito à Copa vai aparecendo devagarzinho, sem a correta informação às pessoas”.
Ele entende que o estabelecimento de uma zona de exclusão num raio de até dois quilômetros em volta do estádio é uma determinação da FIFA para assegurar o lucro de seus patrocinadores – já que serão permitidos somente anúncios de marcas que apoiam o evento na região. “É uma proteção do Estado ao mercado e aos patrocinadores da FIFA. É uma captura corporativa do Estado, que funciona para a corporação”, lamenta.