
Samir Oliveira
O general Emílio Garrastazu Médici, que governou o país durante o período mais duro da ditadura militar (1969 a 1974), é frequentemente homenageado em sua terra natal, o município gaúcho de Bagé. Há um busto do ditador em frente à Santa Casa, o complexo esportivo da cidade se chama “Presidente Médici” – o prédio também é popularmente conhecido como “Militão” – e uma unidade do Banrisul ostenta orgulhosamente o título: “Agência Presidente Médici”. Além disso, o museu Dom Diogo de Souza possui uma sala inteira dedicada ao general, com exposição de fardamentos e objetos de uso pessoal.
Indignado, o bageense Marcelo Kalil reclamou à Ouvidoria do Banrisul pelo fato de uma agência do banco render homenagem ao ex-ditador – responsabilizado, inclusive, pelo recente relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV). “Fiquei chocado ao descobrir que a agência do Banrisul em Bagé homenageia um ditador. Como cliente me sinto completamente ofendido e traído por um banco de deveria defender a liberdade de seus clientes e não celebrar um torturador e assassino!”, escreveu.
Em resposta, o Banrisul informou a Marcelo que a agência Presidente Médici não existe. “Em nossos registros, não encontramos nada que conste qualquer alusão a Emílio Garrastazu Médici”, disse o banco. De acordo com a agência do município, o nome da unidade seria “Agência Bagé”. A informação contraria a realidade verificada na própria foto tirada por Marcelo no último final de semana, que demonstra de forma cristalina a nomenclatura: “Agência Presidente Médici”.
O histórico de homenagens ao antigo ditador, tratado por muitos como “filho ilustre de Bagé”, é longo. Em 2012, os coronéis do Exército Claudio Heráclito Souto e Amadeu Deiro Gonzale publicaram o livro “Médici: A verdadeira história”. A biografia laudatória ao colega militar foi lançada no dia 11 de abril daquele ano no Clube Comercial de Bagé e atraiu para si o protesto de quem luta por Memória, Verdade e Justiça no país.

Um protesto reuniu dezenas de pessoas em frente ao local. Enquanto, lá dentro, muitos celebravam a figura de um ditador, do lado de fora outros tantos lembravam das torturas, dos assassinatos e das prisões ilegais cometidas pelo regime militar.
Historiador e professor da Universidade da Região da Campanha (Urcamp), Cláudio Lemieszek lembra que, quando governou o país, Médici fez três visitas oficiais a Bagé. Cidade então comandada por interventores nomeados pelo regime, Bagé sofreu uma série de intervenções e obras graças ao “filho ilustre” do município, como a construção de rodovias, o asfaltamento de avenidas, a inauguração de um pronto-socorro e do complexo esportivo. “Foi um pacote de obras bastante significativo para uma cidade distante da Capital”, explica.
Lemieszek acredita que Bagé não passará impune pela luta por Memória, Verdade e Justiça que tomou conta do país nos últimos anos – especialmente agora, após a divulgação do relatório final da CNV. Em Porto Alegre, um projeto de lei dos vereadores do PSOL alterou o nome da Avenida Castelo Branco. Em vez de homenagear o ex-ditador, a via agora se chama Avenida da Legalidade e da Democracia. Recentemente, o prefeito de Taquari retirou da praça central da cidade um busto em homenagem ao general Costa e Silva, que governou o país durante a ditadura.
“Tenho impressão de que a cidade irá ter a mesma conduta que está tendo o resto do país. Principalmente em nome do direito de expressão e da liberdade”, projeta. O historiador prevê, contudo, que pode haver resistências a uma tentativa de retirada das homenagens a Médici em Bagé. “Há grupos muito ligados ao Médici que iriam lutar pela preservação da memória dele”, opina.
Ele recorda que há alguns anos o prefeito Dudu Colombo (PT) mandou retirar uma placa com os dizeres “Obrigado Presidente Médici” em frente ao complexo esportivo da cidade. “Isso gerou um debate com posições dos dois lados nos programas de rádio”.
Confira vídeo do protesto que ocorreu no dia 11 de abril de 2012 em Bagé, durante lançamento de livro em homenagem à Médici
http://youtu.be/G2dsj0CpNhM