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Ana Ávila
Em setembro de 1983 era identificado no Sanatório Partenon o primeiro caso de Aids no Rio Grande do Sul. Mais de 30 anos depois, o Estado é líder em mortes e infecções pela doença no país. A estatística não é novidade: há mais de uma década os gaúchos ocupam a primeira posição nos levantamentos do Ministério da Saúde. As razões para o mau desempenho podem ser muitas e complexas. Já as medidas para vencer a epidemia parecem menos obscuras. Poder público e organizações da sociedade civil concordam que somente prevenção e diagnóstico precoce podem reverter a situação no Estado.
A cada ano da última década, o Rio Grande do Sul contabilizou cerca de 4.400 novos casos de HIV/Aids. Assim como no restante do país, viu aumentar o percentual de infectados entre homens heterossexuais e entre a população empobrecida e com baixa escolaridade. Da mesma forma, viu o contágio diminuir entre usuários de drogas injetáveis e crescer entre aqueles que consomem outros entorpecentes, especialmente o crack. “Verifica-se o fenômeno da troca de sexo por droga ou prática de sexo para comprar droga”, afirma Ricardo Charão, diretor adjunto do departamento de ações de saúde do Estado. Levantamento de 2013 da Fundação Oswaldo Cruz corrobora a informação. De acordo com a pesquisa, a contaminação pelo vírus HIV entre os usuários de crack é oito vezes maior do que na população em geral (5% contra 0,6%).
A contaminação apresenta índices elevados ainda entre a população jovem. De acordo com boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, o maior crescimento de casos ocorre entre 15 a 24 anos. Em oito anos, foram quase 30 mil casos da doença nesta faixa etária. Charão aponta uma particularidade nos casos registrados no Rio Grande do Sul: é o Estado com maior número de infectados do sexo feminino entre 13 e 19 anos. Um exemplo apontado pela equipe da Casa Fonte Colombo – centro de assistência aos portadores de HIV mantida pelos frades Capuchinhos – ilustra a realidade gaúcha. Segundo uma das funcionárias da organização, em conversas com estudantes sobre a doença são frequentes os relatos de jovens que usam preservativo apenas como método contraceptivo, sem preocupação com o contágio por HIV. As adolescentes narram ainda propostas dos parceiros para sexo anal sem camisinha, já que não há risco de gravidez, descartando as chances de transmissão de doenças, como Aids e sífilis.
Ainda que seja difícil levantar as razões, os dados acima apontam que o comportamento no Estado, especialmente entre os jovens, mudou. Pesquisa publicada em dezembro de 1997 pelo jornal Folha de S.Paulo apontava a Aids como o maior medo dos gaúchos. De 1.200 pessoas ouvidas na capital e em mais sete grandes cidades do interior, 74% diziam que contrair a doença era seu maior medo, à frente do medo de assalto (71%), de baixar o padrão de vida (71%), da volta da inflação (67%) ou de perder o emprego (62%). A pesquisa realizada pelo Instituto ‘Como & Porque’ incluía temas como saúde, segurança, fobias, acidentes, economia e questões como solidão, traição e impotência sexual, mas nenhuma delas superava o medo da Aids. Entre jovens de 14 a 18 anos, o temor era quase absoluto: 91%.
O comportamento da sociedade pode dar um indício da razão para os altos índices de contágio e morte por Aids no Estado, mas poder público e organizações da sociedade também têm participação no quadro que vemos hoje. Márcia Leão, coordenadora do Fórum Ong Aids, afirma que até quatro anos atrás, o dinheiro destinado ao combate à Aids no Estado estava parado nas contas do governo. “Vinhamos numa sequência de falta de articulação entre a sociedade civil e setor público. A epidemia no estado não ter recrudescido, é sinal disso”. Já o assessor nacional da Pastoral da Aids, frei Luiz Carlos Lunardi, lembra que a sociedade civil passa por uma crise de identidade de muitas organizações que não conseguem repensar seu papel dentro do novo quadro da epidemia.
Para Lunardi, os avanços da ciência, as novas tecnologias e medicamentos representam grandes conquistas que facilitam e garantem qualidade de vida aos infectados pelo vírus. “Vivemos um momento de uma doença tratável e com todos os meios para a manutenção da vida saudável. Quando a doença é identificada precocemente, os governos têm programas organizados e a rede de saúde está se equipando para suprir todas as demandas a partir da rede básica de saúde e dos serviços especializados”, diz ele. No entanto, tais mudanças exigem, de acordo com Lunardi, uma nova postura da sociedade civil, cujo maior desafio atual seria ampliar o alcance das ações de prevenção à população em geral, às populações-chave, manter a Aids na pauta da sociedade e nos meios de comunicação, acessar e acompanhar as pessoas que vivem e convivem com HIV e combater o estigma e o preconceito ainda presentes.
A boa notícia é que ações estratégicas começaram há cerca de dois anos e surtem os primeiros resultados. Ricardo Charão afirma que desde 2012 o Rio Grande do Sul ampliou a oferta de diagnóstico, alcançando recentemente a estabilização da incidência da doença. A primeira iniciativa foi qualificar a relação entre Estado e municípios. Após avançar no processo de recuperação da relação entre as duas instâncias de poder, a medida seguinte foi acelerar o diagnóstico, por meio da testagem rápida – usada no Brasil desde 2009, mas implantada no Rio Grande do Sul somente em 2012.
A parceria com a Política Nacional de Atenção Básica foi primordial no processo. Com a logística necessária adotada e e as equipes capacitadas, a oferta de diagnóstico rápido à população avançou. “A opção de implantar o acesso na Atenção Básica partiu do principio de que é nessa unidade que deve estar o acesso mais fácil ao diagnóstico, mais perto do cidadão, com a equipe que ele já conhece”, afirma Charão. De acordo com ele, o Estado foi o primeiro a investir recursos próprios no combate à Aids. Foram R$ 15 milhões por ano empregados nos 64 municípios que concentram 90% da carga de doença no Rio Grande do Sul.
Embora destaque que muito ainda precisa ser feito, frei Lunardi acredita que há vontade política, recursos e mobilização para o enfrentamento da epidemia e aponta dificuldades vividas pelo setor público no combate à Aids. “A gestão tem uma preocupação com a saúde pública, pensa o todo e sofre o engessamento da máquina administrativa. Suas ações geralmente são caras”. Na opinião dele, a sociedade civil atinge diretamente as pessoas mais vulneráveis, tem maior mobilidade e facilidade para implementar ações e intervenções junto ao público em geral e principalmente nas ações que a gestão não alcança e com custo infinitamente menor.
Para Márcia Leão, a saída da Aids da agenda de governo se refletiu na falta de ações estratégicas e nos consequentes índices negativos do Estado. Ela afirma também que seriam necessárias pesquisas que ajudassem a entender melhor o mau desempenho gaúcho. “O contexto da sociedade mudou desde surgimento da epidemia, mudou a forma de abordagem. Para entender esse movimento precisaríamos de pesquisas que não temos, que devem ser feitas”, afirma.
As pesquisas também são uma necessidade apontada pela Secretaria de Saúde. A secretária Sandra Fagundes diz que os funcionários da equipe são estimulados a fazerem mestrado e especializações nesta direção. “Temos pessoas dentro da equipe fazendo mestrado e doutorado que indicam pesquisa”. Ela também cita o grupo interfederativo, que reúne Estado, capita e municípios com grande incidência de infectados, que tem como um dos seus eixos de trabalho o desenvolvimento de pesquisas.
Junto às pesquisas, a Linha de Cuidado é um dos próximos projetos do Estado. Trata-se de um projeto com o objetivo de garantir o cuidado integral do paciente, desde o acesso ao diagnóstico precoce até a garantia de atendimento que leve em conta as singularidades do indivíduo, passando pelo combate ao preconceito e o treinamento constante de profissionais sobre questões como novas tecnologias e prevenção. Colocá-la em prática ainda é um desafio a ser vencido.