

Marco Weissheimer
A Primeira Câmara do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul confirmou, por unanimidade, o despacho do desembargador Carlos Canibal, suspendendo decisão de juíza da 3ª Vara da Fazenda Pública que havia determinado o bloqueio dos bens e ativos financeiros do ex-governador Tarso Genro. A determinação do bloqueio de bens atingiu também o ex-secretário de Infraestrutura e Logística, João Victor Domingues, ao atual secretário estadual de Transportes e Mobilidade, além de dois diretores do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER).
Em entrevista ao Sul21, o ex-governador fala sobre a natureza dessa ação, da decisão da juíza, a pedido do Ministério Público, e sobre os prejuízos que teve na sua imagem e na sua vida pessoal. “Uma das minhas filhas apresentara, numa imobiliária, o meu nome para ser fiador de um imóvel que pretendia alugar, quando foi informada que eu estava sendo rejeitado como fiador, porque meus bens tinham sido sequestrados pela Justiça”, relata.
Sul21: O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou ontem (1º) a decisão de suspender medida que determinava o bloqueio de seus bens em função de um processo envolvendo o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER). Como recebeu essa decisão?
Tarso Genro: Esta decisão da Primeira Câmara do Tribunal de Justiça do Estado confirmou, por unanimidade, o despacho do relator, Desembargador Carlos Canibal, que tinha suspendido o despacho da senhora juíza da 3ª Vara da Fazenda Pública, que determinara a indisponibilidade dos meus bens e ativos financeiros, em função da existência de uma multa diária, aplicável ao DAER, por não ter feito licitação das linhas intermunicipais no Estado. A medida atingiu várias autoridades, desde 2002, inclusive o atual secretário dos Transportes, Pedro Westphalen, e a decisão de Tribunal de Justiça beneficia todos os atingidos por aquela medida de primeira instância.
Sul21: Qual é mesmo o objeto dessa ação envolvendo o DAER?
Tarso Genro: Tudo se origina de uma ação civil pública de 2002, oportunidade em que eu não só não era Governador, como não tinha qualquer relação com linhas intermunicipais. A partir dali é que se geraria a relação jurídica que, mais tarde, produziria a obrigação de fazer a licitação das linhas, que era e é extremamente complexa e que, para não gerar corrupções ou nulidades, deveria ser estruturado um marco regulatório claro, que foi produzido pelo meu Governo, com continuidade no atual Governo. Ou seja, foi incluído na Ação Civil Pública, precisamente o governador que pôs em andamento um processo licitatório, que havia sido demandado há 14 anos!
E o mais estranho: embora eu tenha sido incluído, com o Secretário de Transportes atual e o anterior, não foi incluído no processo o Governador atual, José Ivo Sartori. Aliás, não foi incluído corretamente, como eu não poderia ter sido incluído, por quatro motivos elementares: primeiro, porque somos os dois Governos que começaram – o meu Governo – e continuaram, o Governo atual, os processos legais exigíveis para realizar as licitações; segundo, porque é básico, no Direito Público que, quem responde pelas autarquias autônomas são os seus diretores e não os governadores; terceiro, porque precisamente os nossos diretores e secretários – do atual Governo Sartori e do meu Governo – é que tomaram as providências para que as licitações possam ser feitas sem nulidades; quarto e último motivo: não existe dívida fundada, transitada em julgado, e sequer o DAER foi intimado para pagá-la. A inclusão do meu nome, nesta ação civil pública, é absolutamente inexplicável, por motivos de fundo e de forma. Todos estes argumentos foram expostos, no recurso impetrado pelo meu advogado Paulo Petri e certamente foram fundamentais para esta decisão unânime.
Sul21: Quais foram as razões e argumentos apresentados para determinar o bloqueio e indisponibilidade de seus bens e ativos financeiros?
Tarso Genro: Acho que a senhora juíza da 3ª Vara da Fazenda Pública, quando determinou a indisponibilidade dos nossos bens, de todos os atingidos pela medida, se equivocou. Não houve, evidentemente, qualquer intenção persecutória, mas ela, pelo menos, poderia ter nos ouvido, antes de determinar uma medida tão drástica, dando foros de verdade absoluta à peça inicial do Ministério Público, que nos causou um enorme prejuízo político e moral. É bom lembrar que uma matéria como essa, que nada tem a ver com corrupção, uso de bens públicos em favor próprio ou de terceiros, ou mesmo qualquer tipo de fraude, transita e integra o tema da “corrupção”, que hoje é um tema nacional candente.
Tenho, além de outros, dois reflexos diretos e imediatos, na minha vida pessoal, causados pelas notícias da indisponibilidade dos meus bens e contas bancárias. Uma das minhas filhas apresentara, numa imobiliária, o meu nome para ser fiador de um imóvel que pretendia alugar, quando foi informada que eu estava sendo rejeitado como fiador, porque meus bens tinham sido sequestrados pela Justiça… Uma senhora de idade, mãe de um amigo pessoal, disse, na mesma época, estarrecida, comentando o ambiente político do país: “Veja, até o Tarso roubou dois bilhões!” Para uma pessoa, com uma vida pública de décadas, que jamais foi acusada por qualquer adversário decente, de ser corrupto, isso é bastante doloroso. Mas, vai passar…
Sul21: Na sua opinião, o que teria levado o Ministério Público a tomar essa decisão de pedir o bloqueio de bens neste caso?
Tarso Genro: Como ministro da Justiça que fui, por três anos, conheço com certa profundidade o Ministério Público, a Justiça em geral e os juízes do meu país. Sei, também, em que área e como atuam os que querem fraudar o interesse público, corromper ou corromper-se. Sei que o Poder Judiciário – tanto juízes como integrantes do Ministério Público – mais qualificados da Federação, estão aqui no nosso Estado. Este incidente não me tira esta convicção. De outra parte, não posso deixar de concluir, que a peça firmada pelos agentes do Ministério Público, pela qual solicitaram a indisponibilidade dos meus bens, não fez jus a esta qualidade e isenção política, que eu atribuo ao Poder Judiciário do meu Estado. Como eu sou conhecido, nacionalmente, a imprensa do país anunciou com enorme satisfação, a indisponibilidade dos meus. Pena que não divulguem, agora, com a mesma intensidade, esta decisão por unanimidade do Tribunal de Justiça do Estado.
Todos, que somos gestores públicos por mandato político, sofremos dezenas de ações do MP. É natural que isso ocorra, pois, às vezes irregularidades ou ilegalidades cometidas por subordinados, refletem diretamente no gestor político maior da administração, e o MP ajuda a corrigir erros e chama atenção do gestor principal, com os Termos de Ajustamento de Conduta. Sem falar, evidentemente da importância que tem estes controles, quando eles se referem aos gestores corruptos ou propensos à corrupção. Mas, o que está ocorrendo hoje, todavia, em vários Estados da Federação -não estou atualizado para saber se isso ocorre aqui no Rio Grande do Sul- é uma verdadeira invasão, pelo Ministério Público, das funções políticas do gestor político do Estado. Refiro-me ao Prefeito, ao Governador, que recebeu a delegação eleitoral e que se torna conduzido pelo MP, sob a ameaça de ações civis públicas, inclusive para definir políticas e ações prioritárias de Governo.
Isso é uma distorção grave da democracia, pois autoriza que, por meios burocráticos, a delegação eleitoral seja anulada na burocracia e na técnica, segundo a visão de um agente público não eleito, principalmente com as vinculações orçamentárias, que limitam – na minha opinião, corretamente – a disponibilidade dos recurso a serem geridos pelos governos. Este é um novo “front” de debates sobre o futuro da nossa democracia