

Marco Weissheimer
A 10ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre decidiu que os campos nativos usados na atividade pastoril sejam declarados, no Cadastro Ambiental Rural (CAR) como remanescentes de vegetação nativa e não como “área rural consolidada por supressão de vegetação nativa com atividades pastoris”, como havia estabelecido o decreto nº 52.431/15, do governo estadual, em junho deste ano. A decisão foi motivada por uma ação civil pública movida pela Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Porto Alegre contra o Estado do Rio Grande do Sul com o objetivo de assegurar a proteção jurídica para o Bioma Pampa. A ação foi ajuizada para contestar interpretação feita pelo decreto assinado no dia 22 de junho pelo governador José Ivo Sartori, regulamentando o Cadastro Ambiental Rural (CAR) no Rio Grande do Sul.
O CAR é um registro eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais e tem por finalidade integrar as informações ambientais referentes à situação das Áreas de Preservação Permanente (APP), das áreas de Reserva Legal, das florestas e dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Uso Restrito e das áreas consolidadas das propriedades e posses rurais do país. A ação civil pública do Ministério Público Estadual pretende assegurar que todo o imóvel rural mantenha o percentual de 20% de área com cobertura de vegetação nativa, a título de Reserva Legal. No caso do bioma Pampa, argumenta o Ministério Público, esta vegetação nativa é formada por mosaico de campos, vegetação arbustiva e diferente tipos de florestais, que o pastejo não o degrada, pelo contrário, a mantém.
O MP questiona a distinção feita pelo governo do Estado entre as áreas rurais consolidadas por supressão de vegetação nativa por atividade pecuária e as áreas remanescentes de vegetação nativa. Na avaliação das promotoras Annelise Monteiro Steigleder e Josiane Camejo, e do promotor Alexandre Saltz, o decreto “desconsiderou evidências científicas no sentido de que a atividade pecuária não causa supressão do campo nativo, de modo que os remanescentes de vegetação nativa, no Bioma Pampa, convivem há 300 anos com a pecuária”. A consequência prática desta distinção, para a Promotoria de Defesa do Meio Ambiente, é a dispensa da reserva legal para os imóveis rurais de até quatro módulos fiscais localizados no Bioma Pampa, já que o artigo 67 do Novo Código Florestal, considerado como inconstitucional na ação civil pública, prescreve que, para as áreas rurais consolidadas, a reserva legal será constituída com os remanescentes de vegetação nativa em 22 de julho de 2008.
Quando assinou o decreto, em uma cerimônia no Palácio Piratini, o governador José Ivo Sartori se comprometeu a “preservar o Bioma Pampa e permitir o avanço da agropecuária” no Estado. “Duas coisas precisam acontecer, o cuidado com a natureza e o desenvolvimento no campo. As duas coisas se fortalecem. Com o desenvolvimento no campo todo o Estado cresce. Não podemos esquecer que o crescimento do PIB gaúcho se deve ao agronegócio”, afirmou então o chefe do Executivo. O decreto que regulamenta o Cadastro Ambiental Rural agradou os produtores rurais que estão ampliando culturas como a lavoura de soja para áreas do Bioma Pampa. Por outro lado, preocupou ambientalistas que alertaram para o risco de degradação desse ecossistema.
Logo após a publicação do decreto, Valério Pillar, professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), apontou a pressão do setor ruralista como um elemento de preocupação a respeito das possíveis consequências do texto do decreto. “Uma parcela majoritária do setor ruralista defende que áreas agrícolas do Pampa que vem sendo usadas há muito tempo não precisam restaurar a reserva legal (20% de vegetação nativa). O fato de essas áreas serem de uso rural consolidado não significa que elas tenham deixado de ser vegetação nativa. Elas não podem ser isentadas de pedido de licenciamento para a expansão da agricultura”, argumentou o professor da UFRGS.