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28 de julho de 2015
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16:39

‘Em defesa da família’, professora grava vídeo contra discussão de gênero nas escolas de Canoas

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
Foto: Brenda Garnize/ Prefeitura de Canoas
Formações buscam levar “cultura da paz” para as escolas | Foto: Brenda Garnize/ Prefeitura de Canoas

Débora Fogliatto

Um programa que tem como objetivo promover a diversidade, igualdade e respeito nas escolas causou alvoroço em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. Uma professora da rede municipal de ensino gravou um vídeo, que já tem mais de 25 mil visualizações no Youtube desde sexta-feira (24), criticando as Caravanas da Diversidade, por supostamente abordarem questões de gênero e sexualidade. Poucos dias depois, o secretário de Educação do município, Eliézer Pacheco, também divulgou um vídeo, rebatendo as palavras da servidora.

A professora Paula Marisa afirma que viu no mural da sala dos professores da escola onde trabalhava um cartaz referente a um aplicativo que poderia ser usado pelos docentes para discutir questões ligadas à igualdade. O app Canoas Diversidade, lançado junto com uma série de palestras sobre o tema, é uma iniciativa para defender que, em casos de intolerância e violência, haja a “promoção do respeito mútuo e amplo debate sobre essa temática”. Ainda de acordo com a iniciativa, alguns dos exemplos de fatores que podem levar ao preconceito são: classe social, cor da pele, orientação sexual, gênero, machismo, deficiência, características específicas, credo. No vídeo que gravou, a professora discorda do “amplo debate sobre essas temáticas de gênero”, proposto no aplicativo.

Foto: Reprodução/ Youtube
Paula Marisa, em “Um vídeo dedicado às famílias de todos meus alunos” | Foto: Reprodução/ Youtube

Ela demonstra indignação ao falar também do papel da escola em lidar com doenças sexualmente transmissíveis e violência de gênero e orientação sexual. “Está dizendo que é dever da escola debater sobre essas questões. Pra mim, quem deve tratar o tema é a família”, afirma. Paula argumenta que as questões de gênero foram retiradas dos Planos de Educação em âmbito estadual, municipal e nacional.

Além do aplicativo, na semana passada foi realizada, na escola onde Paula trabalhava, uma palestra que também integra o programa Canoas Diversidade. De acordo com o vídeo gravado pela professora, ela teria sido informada de que haveria distribuição de camisinhas para os alunos que quisessem. “Passei a exigir que fosse enviado aos pais um bilhete com assuntos e a formação do palestrante. A direção se negou a fazer isso e me chamou em sua sala, com uma ata pronta, e me expulsou da escola. A diretora disse que eu não concordava com como a escola tocava seus assuntos”, contou Paula.

Por fim, ela quase chora ao dizer que está “lutando pela família” e pelos seus alunos. “Se eu não concordo com essa palhaçada, dizem que tenho problemas de relacionamento. Vou lutar por qualquer aluno meu, não vou deixar eles fazerem essa atrocidade com as nossas crianças”, conclui. Após ser compartilhado pela página da ex-psicóloga Marisa Lobo — que teve seu registro cassado pelo Conselho de Psicologia por defender a “cura gay” — o vídeo viralizou entre grupos conservadores nas redes sociais.

Distorções

O coordenador de Políticas LGBT da Prefeitura de Canoas, Fábulo Nascimento, foi pessoalmente citado no vídeo por Paula, apontado como o ministrante dos cursos. A partir da repercussão do vídeo, ele recebeu dezenas de ameaças e xingamentos online, contra os quais já registrou boletins de ocorrência, assim como contra a autora do vídeo. A maioria das pessoas que o mandaram mensagens foram seguidores da Marisa Lobo, que disseram inclusive que ele “tinha que morrer”. “Ela terá que responder judicialmente por estar me caluniando. E me expôs para no mínimo 20 mil pessoas. Estou sendo apontado como uma pessoa que ensina promiscuidade para crianças”, lamenta.

Foto: Brenda Garnize/ Prefeitura de Canoas
DSTs são apenas um dos sete temas abordados nas escolas | Foto: Brenda Garnize/ Prefeitura de Canoas

Ele esclarece que, ao contrário do dito pela professora, as Caravanas da Diversidade são voltadas a adolescentes, e não a crianças. Outro ponto apontado é que ele próprio não é o único palestrante, mas sim trata-se de uma equipe composta por funcionários das secretarias de Educação, Saúde e Diversidade. O secretário de Educação, Eliezer Pacheco, explica que também participam da elaboração as secretarias de Segurança, Saúde, Cultura, Esportes e Igualdade Racial. “É um programa guarda-chuva do qual participam diversas secretarias e coordenadorias. É um programa que visa previnir atos de violência nas escolas”, esclarece.

Fábulo aponta, também, que são sete temas abordados no programa: racismo, intolerância religiosa, cyberbullying, homofobia, violência escolar, bullying por tipo físico (por características físicas, como com pessoas consideradas gordas) e prevenção a doenças sexualmente transmissíveis. “Gênero nem foi contemplado, exatamente para evitar esse tipo de distorção”, afirma. O tema da prevenção a DSTs é abordado pela Secretaria da Saúde, segundo Fábulo, e a afirmação de que preservativos estariam sendo distribuídos não passa de um “factóide”.

O coordenador aponta que o Canoas Diversidade ensina apenas que “indiferente da pessoa ter uma religião diferente, ou ter determinada orientação sexual, ou ser negro, branco, indígena, isso não me dá o direito a violentar, discriminar, oprimir e excluir, mesmo que eu não concorde com a maneira que meu colega se porta e convive”. O secretário resume que o programa ensina “a cultura de paz nas escolas”. No vídeo que ele fez rebatendo a professora — que já alcançou cerca de 40 mil pessoas pelo Facebook — ele esclarece que “no caso da diversidade, partimos da constatação de que por trás dos atos de violência sempre está o preconceito: racial, que leve à violência contra os negros, machismo, que leva à violência contra as mulheres, e homofobia, que leva à violência contra a população LGBT”.

Foto: Brenda Garnize/ Prefeitura de Canoas
Fábulo Nascimento é um dos palestrantes e foi ofendido nas redes após o vídeo da professora | Foto: Brenda Garnize/ Prefeitura de Canoas

Eliezer aponta, no vídeo, que “a escola é um espaço de igualdade, da fraternidade, onde as pessoas têm que desenvolver sua capacidade de convívio com todos que ocupam o mesmo espaço”.  Ao Sul21, ele acrescentou que “a educação tem um compromisso com o desenvolvimento das pessoas e da sociedade”, e avaliou que a manifestação da servidora é baseada em opiniões retrógradas. “Esse tipo de reação é inaceitável, não podemos nos pautar por teses medievais e retrógradas, educação não combina com isso. Tem que estar voltada ao futuro, a toda forma de combate ao preconceito e discriminação”, avalia.

A receptividade por parte dos alunos foi “fantástica”, segundo Fábulo, que conta que as direções das escolas em geral também estão felizes com o programa e perguntam quando haverá outras edições. “Usamos uma dinâmica voltada para os jovens para discutir esses temas, não é uma coisa chata, eles participam e perguntam muito”, conta. O programa já passou por cinco escolas de Canoas e foi baseado em projeto semelhante, do qual Fábulo também participou, que acontecia nas escolas estaduais na gestão passada.

Outro esclarecimento prestado por Fábulo e Eliezer é que as formações foram feitas após reunião com o Conselho de Diretores das Escolas e que os pais foram informados sobre o assunto. O secretário também aponta que o fato das questões de gênero não terem sido incluídas nos planos de educação não significa que é proibido abordá-las nas escolas. “Isso é mais uma distorção. Essas questões não foram transformadas em meta, mas não tem nenhuma vetação à abordagem desse tema. Como vamos fazer educação nos recusando a falar de gênero e sexualidade? Os planos municipais não proibiram, apenas por reação do setor conservador, não foram estabelecidas metas”, esclareceu.


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