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12 de outubro de 2015
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12:13

‘Eu posso garantir que o serviço de táxis é confiável’, diz Cappellari

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
09/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Entrevista com Vanderlei Cappellari. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Cappellari afirmou que a EPTC tem trabalhado para melhorar o controle sobre os desvios cometidos por motoristas de táxis e permissionários | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes*

A segurança do serviço de táxi de Porto Alegre foi colocada em xeque na semana passada. Em um intervalo de poucos dias, a Polícia Civil divulgou que a quadrilha do traficante Alexandre Goulart Madeira, o Xandi, morto em janeiro deste ano, controlava 13 permissões de táxi na Capital, um taxista foi acusado de assaltar um passageiro e uma jovem se atirou de um carro em movimento para não ser sequestrada. Outros casos também circularam nas redes sociais – onde não são novidade as reclamações de mulheres vítimas de assédio por taxistas.

Diante desses fatos, a reportagem do Sul21 conversou com o diretor-presidente da Empresa Pública de Transportes e Circulação (EPTC), Vanderlei Cappellari, para questioná-lo sobre a segurança no sistema de táxis de Porto Alegre, o que a empresa pode fazer para impedir que crimes sejam cometidos por taxistas, como a cidade lidaria com uma possível chegada do Uber – empresa americana de transportes por aplicativo que já opera em São Paulo, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e Brasília -, sobre o processo de licitação do serviço de aluguel de bicicletas, BikePoa, e ainda sobre a construção de ciclovias na cidade. Confira a seguir.

Sul21 – Na última semana, alguns casos aumentaram a preocupação das pessoas em relação aos táxis na cidade. Tivemos o caso dos táxis apreendidos que pertenciam a quadrilha do Xandi. Teve um caso de um homem que teria sido assaltado pelo motorista. A menina que se atirou do táxi em movimento…

Vanderlei Cappellari – Estamos quase chegando no autor (interrompe Cappellari, fazendo referência ao motorista do táxi em que estava a jovem que pulou do veículo em movimento). Deixa eu te dar um histórico. Em 2011, nós tivemos uma denúncia dos barões das placas. Nós tínhamos indícios de todos aqueles permissionários que foram relacionados que tinham alguma distorção na operacionalização dos serviços. Houve uma cautelar do Tribunal de Contas do Estado (TCE) proibindo todas as transferências, o que a lei na época permitia. Nós discutimos em duas audiências públicas na Câmara. Fizemos uma série de reuniões com permissionários, com Ministério Público. Foi uma grande discussão sobre o modelo de transição daquele modelo anterior, que era permissão por tempo indeterminado, e que a gente queria colocar o modal de táxis na mesma regra. ‘Ó, tem que ser licitado, tem que ter contratos de prestação de serviços, tudo isso’.

“Nós não queremos saber de Xandi. Nós queremos saber quem é que está no documento, quem é permissionário do serviço público de Porto Alegre”

Bom, nós elaboramos um projeto de lei, quase 100% em comum acordo com o Ministério Público, com o Tribunal de Contas, com o Ministério Público de Contas, Ministério Público Estadual e apresentamos na Câmara, o que depois da aprovação chamamos de Lei Geral do Táxi, que tem uma série de avanços, de modernização, de regramentos da relação entre a EPTC e os permissionários. Tudo isso está bem detalhado na lei. No caso daqueles 13 táxis, permitiu que o secretário dos Transportes pudesse tomar uma decisão diferente que nunca tinha previsão na lei, que é a suspensão preventiva da permissão até que se termine o julgamento do processo. A lei anterior só deixava que lá no final tu fosse fazer o processo de cassação. Agora a gente tem essa prerrogativa. A partir disto também teve mais duas leis que foram apresentadas, também negociadas, que era uma licitação para novos prefixos. Todos os prefixos que hoje estão desativados vão ser licitados. Devemos publicar o edital até o final do mês, ou até a primeira quinzena de novembro.

09/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Entrevista com Vanderlei Cappellari. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Cappellari afirma que novas leis do táxi devem ajudar a melhorar a segurança no serviço | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21 – Essa licitação é por sorteio?

Cappellari – É uma licitação técnica e por preço. Tem que ter a melhor técnica e também uma outorga que ele terá que pagar, mas é uma outorga que não chega nem a 10% do que se ouve falar das comercializações irregulares que eles fazem (a Polícia Civil estima que permissões de táxi sejam comercializadas no mercado negro por R$ 250 mil) e com regras mais claras na relação. Tem que operar o serviço de táxi. Inclusive, há uma quantidade de horas semanais que o próprio permissionário tem que operar o táxi.

Sul21 – Essa obrigatoriedade de operar o táxi já vale para os atuais?

Cappellari – Não. Para os atuais não vale.

Sul21 – Eu posso ter uma licença hoje e não dirigir o táxi?

Cappellari – Pode. O permissionário pode ter hoje até três auxiliares. Nós avaliamos, e foi comum acordo naquele grupo de trabalho, que pelo regime que nós tínhamos do táxi, havia muitas viúvas com permissão, muitas pessoas acima de 70 anos, por isso que não ficou exigido uma quantidade de horas que ele tinha que trabalhar como agora.

Sul21 – E a segunda lei?

Cappellari – A outra lei determinou a obrigatoriedade dos permissionários implantarem o sistema de rastreamento na frota. Na minha avaliação, o GPS é a melhor ferramenta de gestão do modal táxi. Imagina o seguinte: nós temos 4 mil táxis em Porto Alegre. Tu ter uma gestão sobre uma frota tão grande é quase impossível. Não tem metodologia manual que permita eu saber onde o táxi está, quantas horas ele ficou à disposição do cidadão, quantas horas ele andou com passageiro, quantas viagens ele andou sem passageiro. Tudo isso ficou muito transparente com essa ferramenta. Tanto é que, na operação que foi feita pela Polícia Civil (sobre a quadrilha de Xandi), nós instalamos uma minicentral e os investigadores acompanharam o tempo todo os prefixos.

Sul21 – Quando a EPTC começou a ter suspeitas de que poderia haver irregularidades nesses táxis? Como foi o processo de acompanhamento até decidir que era hora de tirar os veículos da rua?

Cappellari – Para ficar claro: dos 13, sete já têm processo de cassação na EPTC, porque já havia indícios de malversação na permissão.

Sul21 – Desde quando?

Cappellari – Tem processos de 2013, de 2014, que estão tramitando. O grande problema da EPTC é que ela tem indícios. Ela não consegue ter um poder de fiscalização e de investigação como é executada pela polícia. A gente tem regras muito rígidas de relação com esses permissionários. E isso já vem lá de 2011. Por exemplo, toda a relação nossa é feita com o permissionário original. Quando tu reclamas de um táxi, nós convocamos o permissionário para ele passar aqui e para a gente averiguar se tem fundamento ou não tem. Tem que vir o permissionário. Nós não aceitamos que não venha o permissionário original.

Sul21 – Mesmo que seja a viúva?

Cappellari – Tem que vir. Tem que trazer o motorista que estava conduzindo naquele dia. Se há gravidade, a gente descadastra o motorista. Então, essa relação sendo direta com o permissionário original traz à tona uma série de indícios que a permissão está sendo mal gerida, que tem alguma coisa que não está dentro da normalidade. Há pessoas que não sabem o que está acontecendo com o táxi delas. Muitas vezes o permissionário não sabe o modelo de carro que ele tem. Então isso traz indícios de que houve uma comercialização, que há uma locação irregular da permissão.

A grande dificuldade nossa era fazer os documentos comprobatórios. Se não tiver isso, tu não tem como cassar uma permissão. Se tu não tiver provas contundentes, normalmente o judiciário reverte a cassação. Isso até com razão. Nós procuramos em outubro do ano passado o chefe de Polícia Civil exatamente para que a gente pudesse formular uma parceria com a polícia, que tem uma estrutura de investigação, não só para esses casos, mas também para outros casos importantes, como por exemplo do cadastramento dos novos motoristas auxiliares, para saber se tem alguma pendência.

09/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Entrevista com Vanderlei Cappellari. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Cappellari diz que a obrigatoriedade do GPS facilita a investigação de crimes cometidos em táxis | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21 – Quais as formas de controle que a EPTC tem para saber quem são esses motoristas? Existe algum regramento que define quem pode ser motorista de táxi?

Cappellari – Na verdade, a EPTC tem uma lei que rege o cadastramento do auxiliar. O permissionário, obviamente, tem um cadastro aqui e tem obrigação de manter ele atualizado. Nós temos todas as informações. O auxiliar, só é analisado o cadastramento dele quando é apresentado pelo permissionário. Então, já é para manter a relação da responsabilidade. ‘O cara foi lá se cadastrou, eu não tinha conhecimento’. Não, o permissionário tem que estar junto aqui na EPTC para que a gente abra um expediente para cadastrar um auxiliar. Ele tem que apresentar ficha corrida do Judiciário e os documentos básicos que digam que ele está limpo, que não está devendo nada para ninguém. Mas a maioria das vezes isso é insuficiente. Ele pode ter uma série de investigações na Polícia Civil. Ele pode ter crimes não julgados. Ele pode ter uma série de coisas que a gente não tem acesso. Então, normalmente a gente se socorre da Polícia Civil. Eles fazem essa análise e eu tomo essa decisão de cadastrar ou não esse motorista auxiliar. Isso tem melhorado bastante, porque está trazendo uma tranquilidade para mim, que tenho que dar a homologação, de que estou realmente homologando um cara que está tranquilo. A gente tem 10,5 mil taxistas cadastrados, então é um número muito grande, de difícil controle, mas esse processo está fazendo um círculo de substituição de motoristas que tenham crime, que tenham alguma ocorrência, alguns indícios.

“Para entrar em Porto Alegre, o Uber tem que passar por uma licitação”

Essa lei também trouxe para o secretário o poder de descadastrar preventivamente. Por exemplo, algumas ocorrências graves, a gente toma a decisão de descadastrar preventivamente. Isso eu tenho feito regularmente. Há denúncias de assédio, sistematicamente temos alguma reclamação. Se tu reclamar de um taxista, vai para a ficha ele. Ele recebe uma punição adequada para aquele nível de ocorrência, mas fica registrado. Isso que vai se alimentando e a gente vai criando esse histórico.

Sul21 – Nesse caso da jovem que pulou do táxi ou no próprio caso da quadrilha, se é feita uma reclamação, até ela ser comprovada, o taxista permanece dirigindo? Como se evita, até que seja determinada a cassação da permissão, que ele volte a cometer crimes semelhantes? Na questão do assédio sexual, que até se comprovar pode levar tempo, o taxista pode permanecer na rua e reincidir?

Cappellari – Vou te contar uma ocorrência que nós tivemos na véspera da Copa do Mundo. Uma menina pegou um táxi aqui na Cidade Baixa. Ela queria ir para o Barra Shopping. O motorista em vez se seguir pela Padre Cacique, subiu o Morro Santa Tereza e assediou a menina lá no morro. A menina fez corretamente o processo. Saiu de lá, foi para a delegacia. O delegado encaminhou eles para a EPTC. Nós tínhamos GPS naquele carro – ainda não tinha em toda frota, mas naquele caso sim -, identificamos o motorista, foi comprovado tecnicamente, tinha uma prova irrefutável que era o GPS, que marca hora e local. Eu tomei a decisão imediata de descadastrar o motorista auxiliar. Ele não foi julgado ainda. Entrou no Judiciário em primeira instância, o juiz negou o cadastramento dele. Ele recorreu para o Tribunal de Justiça, que também negou que ele tivesse direito de cadastro. Essa prova tem que ser irrefutável. Tem que ter base sólida para que o cadastramento não seja revertido no Judiciário. Se eu descadastrar preventivamente um motorista, seja ele permissionário ou não, eu tenho que ter provas.

Sul21 – Mas a EPTC tem poder para descadastrar um motorista de imediato?

Cappellari – Sim. A lei geral trouxe avanços e por isso a gente está fazendo esse grande esforço de retirar esses maus elementos da categoria. Esse processo e essa parceria com a Polícia Civil tenho certeza que, em pouco tempo, nós vamos ter grandes resultados. Não são só esses 13 taxistas (da quadrilha do Xandi). Tenho certeza que um número muito maior de taxistas vão ser cassados preventivamente e vão perder a permissão por malversação da permissão pública.

Sul21 – Voltando a primeira pergunta que eu queria fazer. Enquanto a gente não vê os efeitos dessas ações, que garantias a população tem de que é seguro pegar um táxi em Porto Alegre?

Cappellari – Se nós olharmos pelo aspecto de quatro mil veículos operando na cidade, o número de ocorrências desse tipo são percentualmente muito pequenas. Eu posso garantir para ti que o serviço de táxis de Porto Alegre é confiável. Nós temos maus profissionais em todas as áreas, em todos os níveis, é estatístico isso. Agora, o que eu posso garantir para a população, se ela sofrer algum abuso, alguma cobrança indevida, algum tratamento indevido, e ela usar os meios da EPTC para que a gente possa comprovar essa irregularidade, tenho certeza que, de imediato, esse profissional sofrerá penas dependendo do nível que essa ocorrência merecer. Então, a dificuldade que a EPTC tinha, o cidadão ligava para o 118, ‘o cara me agrediu, me atirou para fora do táxi e eu bati a cabeça, não sei qual é nem o modelo’. Como é caso da menina, ela não sabe. Só sabe que pegou o táxi perto da PUC, pegou a Protásio e chegou lá perto da vila e o cara ia entrar na vila. Mas, para nós, isso já é suficiente hoje.

Sul21 – Por causa do GPS?

Cappellari – Por causa do GPS. Por isso eu garanto à população que o serviço de táxi tem controle na cidade. A gente não perde uma reclamação em termos de identificação. Volto a dizer, não é uma pretensa comprovação, é uma comprovação com prova. O rastreamento do carro que saiu da PUC, nós temos o horário em que a menina pegou o táxi e o horário exato que ela se atirou do táxi. Isso serve como prova em qualquer instância e é irrefutável. Isso mostra que nós vamos punir e vamos punir com rigor esse profissional. O permissionário e também, se for o caso, o auxiliar.

Sul21 – Que tipo de punição o permissionário pode ter por um crime cometido por um motorista auxiliar?

Cappellari – Ele que trouxe o cara aqui. Ele que me apresentou o cara aqui.

Sul21 – Ele pode ter a permissão cassada?

Cappellari – Com certeza. Quem apresenta o cidadão aqui para trabalhar é o permissionário. Nós não aceitamos que um trabalhador venha aqui avulso e comece a dirigir o táxi. O permissionário tem responsabilidade, responde por qualquer ato desse auxiliar que está trabalhando com uma permissão pública que ele é responsável.

09/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Entrevista com Vanderlei Cappellari. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Diretor-presidente da EPTC avalia que Uber poderia prejudicar o serviço de táxi da cidade | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21 – No caso da quadrilha, o permissionário original provavelmente vendeu a licença para a quadrilha. Ele também vai ter que responder?

Cappellari – Deixa eu te dizer uma coisa. Nós não queremos saber de Xandi. Nós queremos saber quem é que está no documento, quem é o permissionário do serviço público de Porto Alegre. Ele que vai perder a permissão. Não é o Xandi. Se ele vendeu irregularmente a permissão, se ele alugou irregularmente, para nós, quem vai responder é quem está no documento.

Sul21 – Muitos usuários de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro estão preferindo pegar um carro pelo aplicativo Uber em vez de um táxi por se sentirem mais seguros. Como o senhor enxerga o Uber?

Cappellari – Eu não tenho nada contra o Uber. É um aplicativo desenvolvido por um americano que veio aqui no Brasil ganhar dinheiro. Pode ser qualquer brasileiro que vá desenvolver outro aplicativo aqui e que também vai botar no mercado para ganhar dinheiro. Ele veio aqui para cadastrar pessoas e veículos para explorar um serviço de transporte remunerado. Portanto, é um transporte que é regulado pelo município. Nós temos uma lei muito clara aqui no município em relação ao transporte de passageiro por táxi, de 2011. Uma lei que regula toda a prestação de serviço de passageiro pago. Eu tenho, claramente para mim, que o Uber, para entrar em Porto Alegre, tem que passar por uma licitação. Ele tem que concorrer com o fulano de tal. É uma concessão do município. Não é que eu seja contra por ser contra, até porque nós temos aí o Easy, o 99Táxis, uma série de outros aplicativos que são auxiliares e também tem praticamente o mesmo fim do Uber, que é contratar serviço de transporte individual. Só que é o oficial, que tem permissão no município. Sinceramente, não é porque é o Uber ou o beabá, nós não podemos ser coniventes com esse tipo de atitude, porque vai acabar com o serviço de táxi regular da cidade. Então, enquanto não tiver uma regra mais clara, a legislação não for alterada, não há possibilidade de entrada do Uber.

Sul21 – Muita gente reclama do número limitado de táxis e defende que seja uma livre concorrência, para que quem deseja operar um táxi possa. Como o senhor vê isso?

Cappellari – Qual é a preocupação do gestor? Manter um serviço saudável, equilibrado. Se tu deixar esse processo de qualquer pessoa poder explorar esse serviço, o que ocorre dentro de um sistema capitalista? Tu tem uma exploração, uma espoliação, inclusive, do próprio serviço, a concorrência natural acaba afetando a qualidade e principalmente a regularidade da prestação de serviços. Qualquer pessoa eventualmente vai pegar um veículo e vai botar para operar. ‘Amanhã eu não posso, vou trabalhar lá em Sapucaia. Daqui a dois ou três dias, volto para trabalhar mais um dia’. Então, essa regularidade da prestação de serviços é importante.

Vamos pensar um pouquinho em Porto Alegre. Teve uma situação que foi muito difícil para mim e para o prefeito. Pré-Copa, nós tinhamos uma grande pressão de colocar novos táxis em Porto Alegre. Todo mundo tinha um número na cabeça. Um dizia que precisava de mil, outro 1,5 mil. Eu dizia para o prefeito: ‘prefeito, eu to na linha de, em breve, ter condições técnicas de fazer um estudo e dizer para o senhor se a frota hoje é ideal, não é ideal, precisa tanto para tornar o atendimento ideal para a população e pelo nível de uso existente’. Só que, naquele período, a gente tinha uma taxa de uso muito alta. A economia estava acelerada, tinha uma questão diferenciada. E, realmente, eu tinha consciência de que faltava táxi. Hoje, se tu me perguntar, eu acho que não tá faltando táxi. Os caras estão passando o tempo todo parados. Uma é por falta de confiança, que também é um fator muito grande de utilização do serviço. Aquela menina declara muito bem no jornal. Ela disse: ‘eu, infelizmente, não vou usar mais táxi’. Não porque ela não teria condições de pagar, mas porque ela tem receio da segurança. O que nós vamos fazer, o GPS nos permitirá em breve demonstrar tecnicamente se a frota atende ao nível de demanda do serviço hoje ou não. ‘Ah, hoje tem chuva’. O índice de utilização com chuva aumenta, com sol vai lá embaixo. Se tu pegar pelo pico, tu vai ter um déficit de recurso. O pior dos mundo é tu ter um taxista que não consegue pagar as contas. Se o prefeito tivesse cedido à pressão lá em 2012, 2013, o que estaria acontecendo hoje? Gente batendo no banco e não ganhando o suficiente para viver e aí fica aquele problema sério de que a qualidade do serviço cai, não tem renovação de frota. Então, isso se torna um grande problema.

Sul21 – Como anda o processo de licitação do BikePoa? Quais foram as mudanças que a prefeitura achou necessário fazer no edital?

Cappellari – Na verdade, houve realmente um atraso na publicação do primeiro edital e nós tivemos que optar pela modalidade de pregão eletrônico para poder cumprir os prazos. Nós queríamos cumprir o prazo que nós tinhamos com a atual operadora. Deu vazio, não deu concorrente. Nós entramos em contato com a empresa operadora e mais o patrocinador, o banco Itaú, no sentido de fazer uma prorrogação por 180 dias para não deixar a cidade sem o serviço. Conversamos com todas as empresas que existem hoje no mercado. O TCE também participou da discussão da avaliação do edital. Nós vamos atender algumas sugestões importantes. Não haverá outorga, o edital será só por técnica. A melhor oferta vai ser a técnica do serviço.

Sul21 – A cobrança de 10% da arrecadação (prevista na primeira licitação) pela prefeitura não irá mais acontecer?

Cappellari – Não. Na verdade, o valor arrecadado seria insignificante para a prefeitura. O valor foi colocado ali mais a título de concorrência do pregão. É a modalidade que definiu a outorga. Nós nunca quisemos ganhar dinheiro em cima da operação do BikePoa. Nós queremos que o projeto tenha continuidade para sempre. E na modalidade que ele tem agora, de parceria: tem um operador, ele vai atrás de um patrocinador e nós fazemos a fiscalização do serviço. Então, nós estamos adaptando o edital para a modalidade técnica. Já tem uma equipe praticamente concluindo isso. Eu acredito que, em breve, nós vamos ter condições de publicar o edital.

09/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Local: Loureiro da Silva. Matéria sobre as condições das ciclovias / ciclofaixas / ciclistas / mobilidade / transito / bicicleta Foto: Guilherme Santos/Sul21
Cappellari afirmou que a expectativa da prefeitura é expandir as ciclovias de Porto Alegre com recursos de contrapartidas de empreendimentos | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21 – Com essa extensão do contrato por 180 dias com o atual operador, é possível prever que o serviço não terá interrupção no ano que vem mesmo que troque a empresa operadora?

Cappellari – Nós fizemos a conta de trás para a frente. Pegamos os 180 dias, analisamos uma data máxima para publicar o edital, e fizemos a contra de trás para a frente. Os 45 dias para apresentar proposta, mais o tempo de julgamento da proposta, calculando os prazos de recurso, nós vamos fechar lá. Mas também temos a palavra do banco Itaú que, se houver a necessidade de fazer mais algum ajuste lá na frente, será feito para não deixar a cidade sem o serviço.

Sul21 – Que tipos de melhoria a EPTC espera com a licitação?

Cappellari – Na verdade, a gente não tem a expectativa de fazer grandes aumentos de disponibilização. Nós temos uma operação que nós consideramos ideal para a cidade de Porto Alegre. Ela atende hoje praticamente em torno de 40% do território da cidade, onde realmente tem a possibilidade de utilizar a bicicleta como meio de transporte e com conexão com as redes de transporte. Foi planejada exatamente para que, em pequenas e médias viagens, fosse utilizada a bicicleta pública. Nós vamos trabalhar com 400 bicicletas. A possibilidade manter as mesmas estações, com a ampliação daquelas que tem um índice de utilização maior. Vamos trabalhar com 400 bicicletas em operação.

Sul21 – Hoje são quantas?

Cappellari – Hoje nós temos 400 bicicletas, só que efetivamente em operação temos 200.

Sul21 – As estações permaneceriam as mesmas?

Cappellari – Isso. Seriam ampliadas as capacidades delas, talvez umas a mais em locais diferentes. O contrato vai permitir a ampliação. Dependendo dos estudos técnicos realizados, nós podemos chegar a até 25% a mais

Sul21 – Uma reclamação dos usuários em relação ao BikePoa e também às ciclovias é que elas estão muito concentradas na região central da cidade e não chegam à periferia. Existem planos para expandir as ciclovias para essas regiões?

Cappellari – Na verdade, a gente tem um Plano Diretor Cicloviário que abriu a possibilidade de nós construirmos até 495 km de ciclovia na cidade. Isso foi um estudo de rotas que foi feito. Nós priorizamos a Rede 1 (o plano cicloviário da cidade é dividido em redes), que faz a parte Centro, Ipiranga, Segunda Perimetral. Nós priorizamos intencionalmente para dar as conexões necessárias para a circulação da bicicleta – ainda falta alguns trechos para realmente dar por concluída a Rede 1.

“Eu acredito que, em 10 anos, nós já não teremos mais como construir ciclovia em Porto Alegre”

O que nós estamos fazendo paralelamente? Estamos fazendo alguns projetos importantes para estender o uso da bicicleta para fora da Rede 1. Por exemplo, a ciclovia da Ipiranga, nós estamos estendendo ela até a Av. Antônio de Carvalho. Nós temos um projeto executivo, que nós chamamos Complexo Sertório. São 12 km de ciclovia. Provavelmente teremos condições de licitar no início do ano que vem. Estamos procurando recursos. Temos fontes do próprio Fundo Municipal de Apoio à Implantação do Sistema Cicloviário e também estamos procurando financiamento. Na minha avaliação, é a ciclovia mais importante de Porto Alegre, porque lá temos o maior índice de utilização da bicicleta como meio de transporte e como necessidade econômica. O usuário daquela região utiliza a bicicleta não porque ele tem convicção de que a bicicleta é o veículo ideal, mas usa para economizar mesmo.

Sul21 – Em junho, a prefeitura empossou o Conselho Gestor do Fundo Municipal de Apoio à Implantação do Sistema Cicloviário para acelerar a construção das ciclovias. De que maneira isso avançou de lá para cá?

Cappellari – A partir da aprovação da lei (que criou o fundo municipal) e da efetiva construção do fundo, da nomeação do conselho, nós criamos uma equipe dentro da EPTC para analisar todas as contrapartidas que são devidas para a cidade em relação a lei que determinou que, a cada 100 vagas para veículos, um empreendimento tem que construir 200m de ciclovia. O que nós estamos fazendo agora? Estamos separando cada um dos processos, os que ainda estão no prazo e os que já venceram, e notificando todos os empreendedores que têm contrapartidas para a cidade de Porto Alegre. Dando a oportunidade para eles: ‘Olha, dentro da lei de contrapartidas, você tem que construir 400m de ciclovia, o seu prazo final de integralização dessa contrapartida é o dia tal. Nós estamos oferecendo agora a possibilidade de você quitar agora essa contrapartida, depositando recursos no fundo’. Isso ainda não começou a dar os resultados que a gente espera, porque é um processo gradual. Tem alguns que ou eles depositam ou nós vamos executar judicialmente. É pouco, mas já têm alguns que já venceram o prazo de integralização. A grande maioria tem um calendário de vencimento e são aquelas de 200m até 600m de ciclovia. O grande interesse nosso é que o empreendedor não construa a ciclovia. Economicamente, é desinteressante para ele. Para o município também não é interessante porque aí nós podemos viabilizar grandes projetos cicloviários. Nós teremos o recurso concentrado. Esse processo começa devagar, mas ele vai ter uma continuidade e a tendência é que, até abril de 2017, há a possibilidade de chegar a ter R$ 50 milhões depositados no fundo.

Sul21 – Isso representaria quantos quilômetros de ciclovia?

Cappellari – Cada quilômetro custa, em média, 500 mil reais, tu pode calcular.

Sul21 – Mais 100 km?

Cappellari – Mais 100 km. Mas temos empreendimentos novos que estão entrando, temos outras questões. Por exemplo, há empreendimentos que ultrapassam os 600m. O Cais Mauá são 7,5 km de ciclovia que eles têm que construir. Já começamos a conversar com o investidor para ele antecipar alguns trechos. Eu acredito que, em 10 anos, nós já não teremos mais como construir ciclovia em Porto Alegre, pelo ritmo que a gente vai.

Sul21 – Nós teríamos quantos quilômetros aí? Os 495 km?

Cappellari – E mais os outros projetos. Por exemplo, a prefeitura pretende duplicar a Av. Vicente Monteggia, que não tem previsão lá no Plano Diretor Cicloviário. Mas, a lei foi tão inteligente que ela programou que, se tu vai duplicar a Vicente Monteggia, tu tem que botar uma ciclovia.

09/10/2015 - PORTO ALEGRE, RS, BRASIL - Entrevista com Vanderlei Cappellari. Foto: Guilherme Santos/Sul21
Cappellari diz que EPTC conta com uma “massa crítica” de ciclistas em seu quadro de funcionários | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Sul21 – Os usuários reclamam da falta de padrão e da utilização das ciclovias, como aquelas calçadas em lugares que tiram o espaço do pedestre. Isso pode ser percebido na Av. Loureiro da Silva. Têm locais que é ou o pedestre ou o ciclista, a ciclovia passa em cima da calçada. O coletivo Mobicidade também entregou um documento com algumas sugestões de como melhorar esses problemas. Vocês estão pensando nisso e estão trabalhando para melhorar?

Cappellari – Bom, primeiro a cidade não é perfeita. De modo geral, ela tem imperfeições localizadas, mas eu queria te dizer que a EPTC, desde 2010, quando eu assumi aqui como presidente, não tinha uma estrutura voltada para a questão cicloviária. O que eu garimpei aqui dentro da EPTC: pessoas que tinham formação, de engenharia ou arquitetura, que tivessem conhecimento da área, que tivessem naturalmente o conhecimento da área pra poder se agregar à equipe. Então, constituí uma equipe técnica já de conhecimento inicial profundo na área, que tinham conhecimento de projetos cicloviários em Amsterdã, em várias cidades do mundo que têm experiência técnica nisso e hoje que a equipe técnica da EPTC não deve nada pra ninguém nessa questão de conhecimento e de elaboração de projetos de ciclovia.

Como nós orientamos a essa equipe? Para que eles procurem sempre fazer o projeto analisando a realidade local. Eu não estou construindo uma ciclovia do nada, eu estou construindo uma ciclovia dentro de uma cidade viva, que tem suas estruturas ali estabelecidas, e que ele procure sempre priorizar a segurança do ciclista, para que ele tenha realmente um espaço dentro da técnica adequada. Se ela é direcional ou bidirecional, se ela tem que utilizar uma parte do passeio, porque no mundo inteiro se usa ciclovias sobre passeio. A questão da ciclovia aqui na João Pessoa e Ipiranga, que o pessoal dizia: ‘Tem uma churrasqueira na ciclovia’. Só que os ciclistas, os movimentos ciclistas não se aprofundam em nada na discussão. Ali tinha uma questão do patrimônio histórico. Não podia mexer na pedra. Quer dizer, todo um processo de construção do projeto e que, ao final, todo mundo aprovou. Então, eu não tenho um projeto ideal de ciclovia, um padrão único. Eu tenho uma cidade que tem que ser avaliada local por local.

Outra coisa: a ciclovia da Vasco da Gama. Há a discussão da travessia ou não da Vasco da Gama. Só que, tecnicamente, o pessoal aprova. É só tu ir conversar lá com a equipe e eles te mostram tecnicamente porque tem que fazer a travessia naquele ponto, pra proteger o ciclista, pra não criar um terceiro tempo num conjunto de sinaleira pra dar um engarrafamento imenso, só pra virar uma travessia única. Então, aliar o projeto cicloviário à realidade da cidade é o desafio da equipe. Eles têm que discutir com o pessoal do planejamento do transporte, do planejamento do trânsito, pessoal que planeja o semáforo, tudo isso pra construir um projeto que realmente tenha condições operacionais. Se eu construir uma ciclovia sem pensar nesse conjunto de planejamentos, com certeza vai ser uma ciclovia de conflito, de reclamação e praticamente de impossibilidade de uso. Então, alguns pontos vai ter em cima da calçada, alguns pontos vai ter inclusive compartilhada. O importante é que a ciclovia proporcione espaço para transitar, segurança para o ciclista e segurança para o pedestre.

Sul21 – Há reclamações de segurança especialmente em determinadas vias. Na esquina da Sarmento Leite com a José do Patrocínio, é necessário que o carro avance na ciclovia, caso contrário, ele não tem a visão de quem está vindo. Outros trechos são muito estreitos, se alguém abre a porta é um perigo para o ciclista. Esses pontos que sabemos que têm problemas de segurança estão sendo resolvidos?

Cappellari – A equipe tem o dever de avaliar constantemente todas as ciclovias. Temos uma parceria com os ciclistas que usam. Já viu o bicicletário da EPTC como é que é? Eu já ampliei quatro vezes. Cada vez eu tenho mais demanda de ampliação, porque mais pessoas acabam vindo trabalhar de bicicleta. Nós temos uma massa crítica dentro da própria EPTC em relação aos projetos. O gerente de projetos cicloviários é um ciclista que usa bicicleta diariamente. Ele anda por toda a cidade. Já teve acidente, já caiu da bicicleta, mas não desiste, ele continua andando de bicicleta. Então é isso. Tu tem uma cidade, tu tem que ter projetos qualificados, tem que estar constantemente monitorando os trechos já construídos pra fazer correção de projeto, fazer atualização. Mas é uma cidade de todos. Nós temos prioridade de ciclovias, temos prioridade do transporte coletivo, temos prioridade do pedestre e tudo isso tem que ser muito bem planejado e pensado. A equipe discute isso exaustivamente todos os dias, a todo o momento e coloca em prática, inclusive. Ela mesma vai lá pra testar.

O que nós estamos fazendo, por exemplo, que era a grande reclamação do ciclista e do motorista de ônibus: nós determinamos que as empresas façam treinamento para seus motoristas, treinamento real. O motorista vira ciclista e o cara do ônibus passa do lado dele pra sentir como é a sensação de um ciclista quando um ônibus passa ao lado. É um trabalho continuado. Não se muda uma cultura num estalar de dedos. Eu acho que a gente está avançando muito rapidamente. Eu tenho certeza que Porto Alegre hoje é um diferencial em termos de uso de bicicleta.

Nas últimas semanas, a prefeitura de Porto Alegre precisou renovar emergencialmente o contrato com a operadora do serviço BikePoa, a Serttel, porque não tinha realizado uma licitação a tempo de permitir que uma eventual vencedora da concorrência assumisse a operação sem provocar a interrupção do serviço. Posteriormente, também precisou adiar o processo de licitação do BikePoa porque não apareceram empresas interessadas, o que levou a prefeitura a decidir por alterar o edital.

*Colaborou Guilherme Santos


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