
Débora Fogliatto
Desde o ano passado, o Plano Nacional de Educação e o Ministério da Educação determinam a obrigatoriedade da educação infantil para crianças a partir de 4 anos. No ano letivo de 2016, a Prefeitura de Porto Alegre anunciou ter conseguido cumprir 100% da demanda de crianças nessa faixa etária, a partir da rede municipal e conveniada. Na cidade, são 42 Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI) e 222 Instituições Comunitárias, estas últimas responsáveis por atender a grande maioria das crianças. No entanto, no último ano, pais, mães e responsáveis relataram dificuldades para conseguir vagas para seus filhos, quando estes têm até três anos. Isso porque com a necessidade de atender às crianças com idade pré-escolar, as menores deixaram de ser consideradas prioridade.
Segundo a Prefeitura, para seguir o Plano Nacional de Educação, o município deverá ampliar, gradativamente, as matrículas nas creches para atingir o percentual de 50% até 2024. O número de vagas disponibilizado para cada faixa etária é semelhante: segundo relatório do Tribunal de Contas do Estado, em 2015 foram 26.627 matrículas feitas nas creches (que atendem crianças de 0 a 3 anos), e 23.541 na pré-escola (de 4 a 5 anos). No entanto, a estimativa populacional do ano de 2012 já apontava que, entre a primeira faixa etária, há na cidade 63.468 crianças, enquanto na segunda são 31.461. Com isso, em 2015, 41,95% das crianças de 0 a 3 anos foram atendidas, enquanto de 4 a 5 anos, o percentual chegou a 74,83%. Em 2016, foram criadas novas vagas, que atenderam a 100% das crianças de idade pré-escolar, segundo a Prefeitura.
Uma das crianças que não conseguiu vaga na rede municipal foi o pequeno Vitor*, que passou a viver em um abrigo um pouco antes de completar um ano. No final do ano passado, as responsáveis pela casa onde ele vive tentaram uma vaga para o menino na creche conveniada mais próxima da instituição, a partir da lista de possibilidades passada pela Prefeitura. “Para os menores, como no berçário, é mais difícil, e nesse caso realmente não conseguimos. Ele chegou a ficar na fila de espera, mas não foi chamado”, relata uma funcionária do local. Agora, as vagas foram abertas na última segunda-feira (17) para o ano letivo de 2017, e a instituição deve tentar novamente inscrever Vitor, que está com quase dois anos.
O sistema de vagas é diferente entre os menores e os maiores: enquanto para os de 4 a 5 anos o processo é feito diretamente com a Secretaria Municipal de Educação (Smed), para os pequenos, é necessário falar com as próprias escolas. A maior parte dos relatos de problemas são relacionados às creches conveniadas, que embora atendam a maior parte das crianças, recebem menos verbas da Prefeitura. Também segundo o TCE, na rede municipal, são aplicados R$ 8 mil anuais por aluno, enquanto na conveniada o valor é de R$ 3 mil por criança.
Moradora do bairro Sarandi, Ilisiane Vida conta ter tido dificuldades para matricular seus filhos nas escolas conveniadas próximas à sua casa. Ela, inclusive, entrou com um processo judicial na Vara da Infância e da Juventude para tentar garantir as vagas. “Já vai fazer dois anos que entrei com o processo. Sou mãe de sete filhos, cinco menores de idade, não possuo casa própria e recebo Bolsa Família de R$ 290 reais. Eu encontrei um meio de trabalhar em casa, mas ainda passo por dificuldades”, relata. Na teoria, as escolas devem priorizar as crianças que venham de famílias em situação de vulnerabilidade social. Mas, na prática, isso nem sempre acontece. Na Vila Cruzeiro, por exemplo, o Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família atende muitas mães que relatam não conseguir vagas para seus filhos nas escolas da região, mesmo estando em situação de vulnerabilidade.

Um dos problemas é relacionado às datas, pois as inscrições acontecem unificadamente entre outubro e novembro do ano anterior, e há famílias que acabam perdendo esse prazo, o que torna muito difícil conseguir vagas posteriormente. Para pessoas que precisam se mudar durante o ano letivo, por exemplo, a situação é bastante complicada.
É o caso de Priscila Beheregaray, que morava no bairro Rubem Berta com o marido e a filha até o ano passado, onde a menina frequenta uma escola comunitária. No início de 2016, porém, ela foi vítima de violência doméstica e precisou sair da casa onde vivia, voltando a morar com a mãe, no bairro Cristo Redentor. “Eu tentei de todas as formas uma transferência para ela, eu tinha medida protetiva, boletins de ocorrência e mesmo assim não consegui. Fui no Ministério Público, fui em tudo quanto é lugar. Eu moro no Cristo, tenho que ir até o Rubem Berta levar minha filha e depois ir trabalhar no bairro São João, perto do aeroporto. Sendo que ele [o pai] não me paga pensão e eu não tenho como pagar uma escola particular”, resume ela, que leva mais de uma hora diariamente no trajeto. Priscila pretende tentar inscrever sua filha, atualmente com três anos, em uma escola da região para o próximo ano.
Assim como Priscila e Ilisiane, muitas mães e responsáveis recorrem à Justiça ou à Defensoria Pública para buscar garantir as vagas de seus filhos. Segundo a Defensoria, a busca por vagas é uma das principais demandas do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente. O Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa) também acompanha a questão e observa que há filas de espera bastante grandes nas creches. “Eu visitei uma escola em que observei que foi necessário diminuir o número de crianças da faixa etária de até três anos para dar conta da obrigatoriedade”, afirma Maria José da Silva, diretora do Simpa e servidora da Smed. Ela observa que, para além da questão do espaço físico, para atender as determinações legais as escolas também precisam de nomeações de monitores e professores, além de melhorias na infra-estrutura.
A obrigatoriedade da educação a partir dos 4 anos foi determinada pela Lei nº 12.796 de 2013, que estabeleceu que as redes municipais e estaduais de ensino tinham até 2016 para se adequar e acolher todos os alunos de 4 a 17 anos. Em Porto Alegre, a Prefeitura passou a oferecer 6.326 novas vagas na pré-escola no início do ano letivo, com o objetivo de zerar o déficit referente à essa faixa etária. Para 2017, as inscrições estão abertas até o dia 11 de novembro.