Cidades
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27 de janeiro de 2014
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21:51

Um ano após o incêndio, moradores da Vila Liberdade aguardam pela construção de complexo habitacional

Por
Sul 21
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Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
As casas emergenciais foram erguidas pela administração municipal para assentar os desabrigados que não aceitaram aderir ao aluguel social | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Nícolas Pasinato

Há exatamente um ano Carine Rosa Borges, de 18 anos, vivia um filme de terror. A expressão utilizada por ela refere-se ao incêndio que destruiu 90 casas e deixou 194 famílias desabrigadas na Vila Liberdade, localizada a poucos metros da Arena do Grêmio, na zona norte de Porto Alegre e que, nesta segunda-feira (27), completa um ano. Uma das habitações devastada pertencia a Carine. Hoje, ela reconstrói a vida com o marido e seu filho pequeno em uma das casas ecológicas-emergenciais construídas na região pela prefeitura.

As casas emergenciais foram erguidas pela administração municipal para assentar os desabrigados que não aceitaram aderir ao aluguel social – modalidade na qual a prefeitura destina até R$ 400 mensais ao proprietário que quiser disponibilizar um imóvel para uma família. As  moradias emergenciais têm 15 m² e uma vida útil de até cinco anos. Conforme a associação de moradores da vila, foram construídas 89 unidades para abrigar parte das famílias da região enquanto não é erguido um loteamento habitacional no local.

Segundo o casal, foi dado o prazo de dois anos para eles residirem na casa emergencial, embora acreditem que esse período irá se prolongar, uma vez que não há movimentação de obra no entorno.  Enquanto isso, eles têm de enfrentar as dificuldade de viver em uma casa de passagem. “A casa é muito pequena e quente. O piso afunda com a chuva e as paredes são uns ‘fiapos’ que até os ratos conseguem roer”, critica o parceiro de Carine, Leonir da Conceição Andrade, de 20 anos. O material das habitações é totalmente reciclado, composto por fiapos de madeira e pó de cimento.

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Leonir da Conceição Andrade, de 20 anos, diz que as casas ecológicas-emergenciais apresentam problemas | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Carine e Leonir, que trabalham com reciclagem em uma cooperativa no local, apontam também o problema da hostilidade das pessoas que já moravam no loteamento Mário Quintana, onde as moradias foram erguidas. Os moradores do local resistiram à transferência de desabrigados da Vila Liberdade. “Até hoje eles não gostam da gente”, afirma Carine.

Processo de remoção

Para o presidente da Associação dos Moradores da Vila Liberdade (Amovil), Erlon Nogueira de Freitas, a dor que causou o incêndio na Vila Liberdade no dia 27 de janeiro de 2013 com a sua destruição segue viva. Ele lembra que naquele dia foi despertado pela televisão, que anunciava a tragédia da  boate Kiss. À tarde, estava em um compromisso na Ilha da Pintada, quando lhe telefonaram para avisar que o fogo estava destruindo a vila.

“Quando cheguei na freeway  achei que o estrago seria bem maior do que acabou sendo”, recorda. Erlon conta que, após o incidente, a sua vida e a de quem atuava na associação foi radicalmente transformada, pois passaram a se dedicar exclusivamente a ajudar as famílias atingidas. “Foi um momento de muito transtorno. Recebia muita pressão da comunidade. Todo mundo queria dar o seu palpite indicando o que era melhor fazer”, relata.

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Conforme o presidente da Associação dos Moradores da Vila Liberdade (Amovil), cerca de cinco famílias saem por semana da vila | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Um ano após o incidente, o presidente da associação de moradores conta que a vila passa, atualmente, por um rápido processo de remoção. Conforme Erlon, cerca de cinco famílias saem por semana da vila. “Das 700 famílias que moravam na vila, existem aproximadamente 280 casas em pé, onde vivem  cerca de 348 famílias”, contabiliza ele.

Primeira etapa do complexo habitacional iniciará em fevereiro

Para a construção do condomínio habitacional que abrigará as famílias da Vila Liberdade, é necessária a remoção de todos os moradores da comunidade. Parte dessas famílias serão transferidas para aproximadamente 80 sobradinhos, que serão construídos no trecho do número 303 da avenida Frederico Mentz. Essa primeira parte da obra está prevista paras começar no início do mês de fevereiro, conforme a prefeitura de Porto Alegre. 

“A empresa que ganhou a licitação deu ordem de início das obras em fevereiro. Mais de 80 famílias serão deslocadas para esse loteamento habitacional”, diz o secretário municipal de Direitos Humanos, Luciano Marcantônio, que na época do incêndio foi encarregado pelo prefeito José Fortunati (PDT) de comandar as ações de assistência aos moradores atingidos pelo incêndio na Vila Liberdade.

Depois de retirar as famílias restantes, a prefeitura de Porto Alegre poderá iniciar a construção do novo complexo habitacional na região. Serão construídos prédios de cinco andares com apartamentos de 50 m², com sacadas. O loteamento terá uma área total de 88 mil m² e será construído entre o número 65 da rua Frederico Mentz, na esquina com o número 600 da rua Diretriz, e a avenida Voluntários da Pátria. “O nosso trabalho de 2014 é remover o restante das famílias e realizar os trâmites legais para fazer a licitação da empresa que construirá a segunda etapa do complexo habitacional. Esperamos que isso ocorra até o final do ano”, prevê Luciano.

Comunidade desconfia do projeto da prefeitura

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Vanderlei Rolim, conhecido como alemão, reclama do sistema de esgoto da casa de emergência, na qual vive há um ano  Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Os moradores da vila não demonstram confiança na construção do complexo habitacional. Vanderlei Rolim, conhecido como alemão, duvida que vão erguer prédios para “dar aos pobres”. A sua preocupação maior do momento é com o sistema de tubulação  de esgoto da casa de emergência, na qual vive desde que foi atingido pelo incêndio. Ele levou o Sul21 até a sua casa para mostrar a caixa de esgoto entupida, o que faz jorrar sujeira e fezes a céu aberto. “É merda escorrendo de manhã, de tarde e de noite”, desabafa Rolim, que também trabalha com reciclagem.

Tiago Sodré, de 20 anos, por sua vez, aponta melhorias na sua vida a partir de sua transferência para uma das casas emergenciais. “O lugar é melhor. O barraquinho aumentou um pouco e o policiamento, com a vinda da Arena do Grêmio, aumentou, pelo menos nos dias de jogos”, afirma. Questionado sobre o condomínio habitacional, Sodré é taxativo: “Não vamos ganhar. Vamos continuar morando aqui.”.

O secretário municipal de Direitos Humanos, Luciano Marcantônio, considera natural a descrença da comunidade. “Enquanto não verem obras ocorrendo, essa insegurança é muito natural. No momento em que eles enxergarem o início da construção na avenida Frederico Mentz, que é aguardada há 50 anos, cada vez mais a comunidade vai confiar no projeto da prefeitura”, avalia.


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