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19 de maio de 2014
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21:45

Jovem que perdeu filhos e teve corpo queimado por ex-companheiro depõe na Assembleia Legislativa

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br
bárbara
Bárbara fez um convite para que todos participassem de uma marcha contra a violência doméstica, que ocorrerá no próximo domingo, às 11h, na Redenção | Foto: Júlia Flores/ALRS

Nícolas Pasinato*

Nesta segunda-feira (19), Bárbara Penna, 20 anos, falou pela primeira vez, publicamente, sobre o dia que mudou drasticamente a sua vida. Em 7 de novembro de 2013, ela foi espancada pelo então companheiro, João Guatimozin Moojen Neto, na época com 22 anos. Em seguida, ele ateou fogo nela e no apartamento localizado na zona Norte de Porto Alegre, onde estavam hospedados, e a empurrou pela janela do 3° andar. O incêndio causou a morte dos dois filhos de Bárbara e de um vizinho que tentou salvar as crianças.

O testemunho, que partiu da vontade de Bárbara e foi realizada pelo mandato do deputado estadual Aldacir Oliboni (PT), ocorreu na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembleia Legislativa. Acompanhada de sua mãe Morgana e da amiga Juliana Fochesato, além de relatar o caso, Bárbara fez um convite para participação em uma marcha contra a violência doméstica, que ocorrerá no próximo domingo (25), às 11h, na Redenção. A ação está sendo organizada por um grupo de amigos de Bárbara e conta com o apoio de diversos segmentos.

Na ocasião, a mãe de Bárbara fez diversos pedidos relacionados à segurança e à saúde de sua filha. Morgana solicitou medidas protetivas e pediu também profissionais para auxiliar Bárbara, como advogado criminalista, psiquiatra, fisioterapeuta e oftalmologista.

De cadeiras de rodas, Bárbara entrou na Sala Salzano Vieira da Cunha sorridente e foi recebida por palmas. No incêndio, teve queimaduras em 40% do corpo. Estava com um lenço rosa na cabeça e o rosto bem maquiado. O seu depoimento teve de ser interrompido por algumas vezes, em função da emoção em relembrar a tragédia.

Bárbara contou que conheceu João pela internet, quando ela já estava grávida de sua primeira filha, a Isadora. João, inclusive, acabou registrando a menina com o seu nome. No início da relação, ele a tratava muito bem. Porém, tudo mudou após Isadora nascer. João passou a ser muito ciumento, chegando ao ponto de proibir Bárbara de sair de casa. Também passou a humilhá-la com xingamentos e a agredi-la. “Começou com beliscões e depois passou a puxões de cabelo e tapas”, narrou.

Nessa época, Bárbara conta que João voltou a usar cocaína. Foi internado por duas vezes, porém não por muito tempo. “Afastei-me dos amigos e da família. Eu tentava ajudá-lo. Dizia que ele precisava voltar a estudar e trabalhar”, recorda.

Posteriormente, ela engravidou de João Henrique, o segundo filho de Bárbara e filho biológico de Neto, que nasceu prematuro. Ela conta que pensava que o seu ex-companheiro iria mudar com o nascimento da criança, o que não ocorreu. Conforme ela as agressões seguiram até mesmo na gravidez e, depois do nascimento de João Henrique, era ela quem cuidava sozinha dos dois filhos. “Não escutei minha família e meus amigos. Eles diziam que a pessoa não consegue mudar a outra. Para ela mudar, precisa se ajudar”, lamentou.

Dia do incêndio

A tragédia teve início com uma briga durante a tarde do dia 6  de novembro, relacionada ao uso de drogas por parte de João. O casal e as duas crianças estavam na casa da avó de João, que estava viajando naquele momento. Após discussões ao longo do dia, Bárbara foi dormir, mas acabou sendo acordada durante a  madrugada, com o ex-companheiro lhe agredindo. “Quando acordei ele estava me dando socos e batendo a minha cabeça contra a parede. Estava ensanguentada. Eu disse para ele se acalmar, que eu não iria contar para ninguém. Falei que poderia acordar as crianças. Ele me disse: ‘Cala a boca que eu vou te matar'”. Em seguida, conforme Bárbara, ele pediu para ela ficar de barriga para baixo e passou a tentar “quebrar o seu pescoço”, o que a deixou sem consciência.

Nesse momento, João jogou álcool no corpo de Bárbara e no apartamento e ateou fogo. Ao acordar, ela correu para a janela da cozinha para pegar ar. Foi quando João a atirou pela janela. Ela conta ainda que, após a queda, estava consciente. Ela conseguiu pedir a um vizinho para tentar salvar os seus filhos. Fez ainda o mesmo pedido para João, que segundo ela, ficou parado “com ar irônico”.

Na queda do terceiro andar, Bárbara quebrou dois tornozelos, duas vértebras e o fêmur entrou dois centímetros em sua bacia. Ela ficou 28 dias entre a vida e a morte na UTI. “Não é só o nome que é Bárbara. Ele é uma lutadora. Uma guerreira. Precisa voltar a estudar. Estou motivando ela. Tem apenas 20 anos. Tem uma vida pela frente. Conto com o apoio de vocês”, disse a mãe de Bárbara, que também fez um apelo aos pais para cuidarem de perto de seus filhos. “Mulheres denunciem. Não deixem que isso chegue a esse ponto”, disse Bárbara, em apelo.

Apoiadoras da atividade parabenizam coragem de Bárbara

Apoiadoras da atividade, também manifestaram-se a ativista Télia Negrão, do Coletivo Feminino Plural; a deputada federal Maria do Rosário; e a fundadora do Movimento Pelo fim da Violência e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes/RS, Mariza Alberton. “Em 1992 a ONU declarou que os Direitos Humanos também são direitos das mulheres”, observou Télia, ressaltando que a superação e a coragem de Bárbara têm um limite pessoal e que para além disso, é dever do Estado prestar todo o apoio e assistência. A ativista também referiu o movimento de mulheres que deflagrou a causa há décadas e ainda hoje segue mobilizado pelo fim da violência de gênero.

Maria do Rosário agradeceu Bárbara pelo depoimento e chamou atenção para a gravidade da situação que expressa o que acontece com milhões de mulheres em todo o mundo. “Não é um discurso ou aula que está sendo dada aqui, é uma vida que está sendo contada”, disse a parlamentar, colocando seu mandato à disposição de Bárbara e seus familiares para articular toda a assistência que seja necessária.

Encaminhamentos

Estavam presentes também representantes do Estado que indicaram ações efetivas para contribuir a reabilitação de Bárbara. A titular da Secretaria de Políticas para Mulheres do Rio Grande do Sul (SPM/RS), Ariane Leitão, ressaltou que a luta das mulheres é pela garantia de direitos “mas, mais do que isso, é de garantia de cidadania e de equidade de condições entre homens e mulheres”. Ariane observou que o Centro Estadual de Referência da Mulher acompanha o caso e que “a Rede Lilás é uma rede de responsabilização do Estado em relação às mulheres e de solidariedade. E toda a Rede será mobilizada”.

Coordenadora estadual das delegacias especializadas de atendimento às mulheres (DEAMs), a delegada Anita Silva lamentou que o caso de Bárbara não tenha sido registrado antes do triste desfecho e avaliou que a existência das DEAMs ainda precisa ser mais divulgada e ganhar a confiança da sociedade. “Ainda assim reforço que a qualquer momento Bárbara pode postular medida protetiva que será encaminhada ao juizado especializado. Estamos à disposição. A medida pode ser utilizada para que o agressor ou seus familiares não se aproximem dela e da família e também para que cessem possíveis ameaças”, detalhou.

O coordenador do Centro de Direitos Humanos do Ministério Público (MP), promotor Mauro Souza, garantiu a mobilização total do MP/RS, principalmente no que diz respeito à assistência jurídica e de saúde para Bárbara.

*Com informações da Agência de Notícias ALRS


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