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25 de setembro de 2014
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19:58

O que se deve ler para conhecer o Rio Grande do Sul

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br

Paulo Timm*

Aproxima-se o dia das eleições e talvez seja lícito colocar à disposição dos eleitos, que deverão cumprir o ofício de conduzir o destino do Rio Grande do Sul, um roteiro para a melhor compreensão de sua história.

Nos bons e velhos tempos, quando os Almanaques eram preciosas fontes de informação, eram muito comuns os títulos “O livro dos porquês”, “Você Sabia”, “O que saber?” e os indefectíveis “O que se deve ler para conhecer” – tal ou qual assunto, lugar, etc? Há um célebre “O que se deve ler para conhecer o Brasil”, de Nelson Werneck Sodré, que fez época. Hoje meios e fontes são muito diferentes. Pontifica o Dr. Google… Ocorre-me, porém, a indagação ao me debruçar sobre temas rio-grandenses no 20 de Setembro: História, regionalismo e folclore. É um presente que me atribuo, pois neste mês celebro meu natalício, que coincide, justamente com o dia da Proclamação da República Riograndense: 11 de setembro (1836). E como estou de volta à casa, aposentado, depois de muitas décadas fora do Rio Grande, procuro me situar. O que há de novo na terrinha? Como os velhos temas, sobretudo ligados à questão regional, que cumpriu um lugar estratégico na formação da cultura gaúcha, são tratados? Quem são os novos “Maîtres Penseurs” da Província?

Primeira impressão: tudo mudou. E as novas gerações, além de prolíficas em intelectuais, são muito mais instrumentalizadas no respectivo ofício, todos vinculados à produção acadêmica. Um Moysés Vellinho, há 50 anos, era tratado como um brilhante historiador. Hoje, se é que alguém lê “Capitania del Rey”, não lhe dá muito crédito. O rigor acadêmico, de um lado – com suas especializações – e até certo sectarismo ideológico, em alguns casos, mudaram as abordagens. A segmentação dos saberes universitários estaria, aliás, exigindo que se fizesse aqui, não uma lista de títulos genéricos para entender o Rio Grande do Sul, mas uma relação indexada a assuntos como História, Economia, Literatura, Antropologia etc. Outra característica da produção recente: se antes a fermentação cultural e grandes debates sobre o Rio Grande se travavam na Imprensa, Correio do Povo e A Federação, com suporte em obras literárias, hoje o debate é mais fechado, em círculos especializados e veículos próprios. De qualquer forma, vou à luta, sabendo que a tarefa a que me proponho será sempre incompleta, pelo volume das obras a serem consultadas, e provisória, eis que sujeita à revisão de críticos mais competentes.

A última relação de leituras que me vem às mãos é a de Carlos Reverbel, publicada no Correio do Povo entre 1964 e 1966, com base em inquérito do mítico editor do Caderno de Cultura deste periódico, entre 10 de setembro de 1955 e 28 de janeiro de 1956 e que está publicada em “Carlos Reverbel – Textos Escolhidos”, org. por Claudia Laitano e Elmar Borges, Já Ed., 2006:

“Este trabalho jornalísitico, (…) foi enquadrado na técnica bibliográfico pela competente e dedicada biblioteconomista Sully Brodbbeck , que assim organizou, em moldes rigorosamente exatos, a bibliografia do inquérito, arrolando as 143 obras citadas, com todas as indicações tomadas diretamente de fonte original, tendo o seu levantamento merecido destacada publicação no Boletim Informativo de Bibliografia e Documentação, Vol 2. N.4, pgs 165/184, correspondente a julho/agosto de 1956.”

De um total de 143 obras indicadas, eis as “ top há” por ele selecionadas e que forneceriam os fundamentos da História do Rio Grande do Sul:

Viagem ao Rio Grande do Sul, de Saint Hilaire,
Contos Gauchescos e Lendas do Sul, de Simões Lopes Neto,
A História da Grande Revolução, de Alfredo.Varella,
A Formação do Rio Grande do Sul, de Jorge Salis Goulart,
A Fisionomia do Rio Grande do Sul, do Pe. Balduino Rambo,
Anais da Província de São Pedro, de Visconde de São Leopoldo,
História do Rio Grande do Sul nos dois primeiros séculos, de Carlos Teschauer,
Ruínas Vivas, de Alcides Maya,
O Tempo e o Vento, de Erico Verissimo,
História das Missões Orientais do Uruguai, de Aurélio Porto.

No mesmo artigo, Reverbel conta que dez anos depois desta investigação, pediu a Moysés Vellinho que a atualizasse, não sem antes adicionar a famosa tese de doutoramento de Jean Roche sobre a imigração alemã. Vellinho topou a parada, reiterou alguns títulos e acrescentou outros. Ei-los, pois:
Reiterações:
História do Rio Grande do Sul, de Alcides Varela,
A História da Grande Revolução, de Alfredo.Varella,
A Formação do Rio Grande do Sul, de Jorge Salis Goulart,
Anais da Província de São Pedro, de Visconde de São Leopoldo,
História das Missões Orientais do Uruguai, de Aurélio Porto.

Adicionais:
Rio Grande de São Pedro, A Estância, Casais, Cristóvão Pereira de Abreu, O Brigadeiro José da Silva Paes e a Fundação do Rio Grande do Sul, Troncos Seculares, do General Borges Fortes,
Antecedentes Históricos do Povoamento do Sul, Presídio do Rio Grande de São Pedro, História das Missões Orientais do Uruguai (reiterada), de Aurélio Porto,
O Sentido da Revolução Farroupilha, História do Rio Grande do Sul, O Brasil no Prata etc, de Souza Docca,
História Popular do Rio Grande do Sul, de Alcides Lima,
Garibaldi e a Guerra dos Farrapos, de Lindolfo Collor,
Viagem a Buenos Aires e Porto Alegre, de Arsène Isabelle,
Notícia Descritiva do Rio Grande do Sul, de Nicolau Dreys,
Coleção Província, da Livraria do Globo,
Fundamentos da Cultura Rio-Grandense – Conferências, Faculdade de Filosofia da UFRGS,
Coleções da Revista do Arquivo Público, 120 números da Revista do Museu Júlio de Castilhos e 21 tomos da Revista Província de São Pedro e publicações do Instituto Anchietano de Pesquisas,
Almanaques de Graciano Azambuja e de Alfredo Ferreira Rodrigues, destacando aí os “notáveis estudos e perfis históricos” do próprio editor,
Vida de Rafael Pinto Bandeira, de Alcides Cruz,
Estudos Rio-grandenses, de Rubens de Barcelos,
Província de São Pedro, de João Pinto da Silva,
Populações Meridionais do Brasil – O Campeador Rio-Grandense, de Oliveira Viana, Jayme Cortesão, Raposo Tavares e Coleção de Angelis.

Feito o balanço dos pioneiros estudos rio-grandenses, delineados há cerca de meio século, quais as obras que se teriam destacado no tempo que passou e para que temas elas apontam? Aqui a dificuldade já apontada acima, se soma à uma nova percepção sobre o que é o Rio Grande do Sul, até os anos 60 ainda marcado pela prevalência da imagem da campanha em confronto com Porto Alegre, mais cosmopolita, porém pouco polarizadora. Exagerando, poderíamos até comparar esta dualidade capital x interior com o que ocorreu na Argentina, na primeira metade do século XX: fruto do intenso fluxo de italianos e outros europeus “brancos”, seguindo a máxima do presidente Domingo Sarmiento, francamente positivista, de que a origem dos males do país era o creollo, Buenos Aires apartou-se do resto do país. Viraram “porteños”, distantes das raízes da nação. Porto Alegre foi também inundada pela influência positivista do castilhismo, fato que perdurou até os anos 50, criando a partir daí uma tensão entre universalistas x regionalistas. A partir desta década, o Rio Grande se descobre, além de dual, polifacetado, uma decorrência da geografia extremamente variada, povoada com distintos biomas, sobre os quais desenvolveu-se uma miríade de culturas, fruto da imigração de alemães, no Vale dos Sinos, de italianos, na região da Serra, além de poloneses. O próprio desenvolvimento do Estado trouxe à tona também inúmeros centros urbanos com fisionomia própria, tais como Santa Maria e Passo Fundo, também contribuindo para a diversificação da região. Uma bela página desta diversidade, de leitura obrigatória a qualquer um que queira sentir o caleidoscópio rio-grandense, nos é dada por Erico Verissimo, em “Um romancista apresenta sua Terra”, que abre o livro “Rio Grande do Sul, Terra e Povo”, Editora Globo, POA, 1969.

No interregno do último meio século proliferaram também os cursos superiores em todos os campos das Ciências Sociais, gerando uma infinidade de Teses Acadêmicas e livros sobre a sociedade riograndense. Dispomos de 20 universidades reconhecidas pelo MEC além de uma infinidade de Faculdades Isoladas, algo impensável nos anos 60.

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Fonte: Wikipedia – Categoria:Universidades do Rio Grande do Sul

A literatura regionalista também explodiu em autores e obras, sendo relevante a poesia gaudéria que acompanhou o desenvolvimento impressionante do movimento tradicionalista, apesar da estreiteza dos Centros de Tradição Gaúcha, esta objeto de grande contestação que reúno numa coletânea à disposição dos mais interessados: Ineditorial: 0 20 de Setembro.

Um contraponto valioso às severas críticas ao culto dos valores tradicionalistas é o “Manifesto Gaúcho”, de autoria de Evaldo Muñoz Braz, Martins Livreiro Editores, POA, 1952.

Aproveito, entretanto, para destacar como obras literárias indispensáveis à compreensão da diversidade na formação do Rio Grande do Sul as seguintes contribuições:

Ciro Martins – Seus três livros clássicos: Sem rumo (1937), Porteira fechada (1944) e Estrada nova (1954), os quais compõem a Trilogia do gaúcho a pé, que retrata o homem marginalizado do pampa.

Luiz Antonio Assis Brasil – O mais notável escritor que recria literariamente o homem e a região em inúmeros romances, os quais estão a merecer uma edição consolidada, mas que já podem ser deliciados em alguns trechos selecionados graças à INTERNET:

“Um quarto de légua em quadro”, Movimento, 1976,
“A prole do corvo”, Movimento, 1978,
“Bacia das almas”, L&PM, 1981 – Mercado Aberto, 1992,
“Manhã transfigurada”, L&PM, 1982 – Mercado Aberto, 1992 – L&PM, 2010,
“As virtudes da casa”, Mercado Aberto, 1985,
“Cães da Província”, Mercado Aberto 1987 – L&PM, 2010,
“Videiras de cristal”, Mercado Aberto 1990 – L&PM, 2010,
“Perversas famílias”, Primeiro volume da série “Um castelo no pampa”, Mercado Aberto 1992 – L&PM, 2010,
“Pedra da memória”, Segundo volume da série “Um castelo no pampa”, Mercado Aberto 1993,
“Os senhores do século”, Terceiro e último volume da série “Um castelo no pampa“, Mercado Aberto 1994,
“Concerto campestre”, L&PM 1997,
“Breviário das Terras do Brasil”, L&PM, 1997.

Josué Guimarães“A Ferro e Fogo” 2 vls.- A ferro e fogo: tempo de solidão. Rio de Janeiro: Sabiá, 1972; A ferro e fogo: tempo de guerra. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975

Leticia Wierzchowski – Autora de “A casa das sete mulheres”, adaptado como minissérie na TV Globo, em 2003. Seu primeiro livro, “O anjo e o resto de nós”, foi publicado em 1998. Desde então, a gaúcha de origem polonesa escreveu 11 livros, ressaltando “Os aparados”, “Prata do tempo”, “O pintor que escrevia” e “Um farol no pampa”.

Além destes verdadeiros épicos da nossa literatura, que nos dão uma imagem da construção da Sociedade e sua História, não há como deixar de registrar o papel da crônica, este estilo quase sempre urbano e mais leve, mas não de menor significado que marca a vida porto-alegrense, desde o final do século XIX até nossos dias. Muitas delas estão reunidas em Arquivo sob o nome <em>“E Deus criou Porto Alegre”, que organizei para uso próprio. Mas registro minha preferência, por ter vivido minha infância e juventude em suas entrelinhas, por três coletâneas:
“Rua da Praia”, de Nilo Ruschel, Patrocínio da Prefeitura de POA, 1971,
“Em paz com a vida”, Ed. Aricorag, 1990 , de Sérgio da Costa Franco,
“A noite dos Cabarés”, de Juremir Machado da Silva, Ed. Pradense, POA, 2013.

Além dos meios acadêmicos, várias instituições, tanto públicas quanto privadas dedicam-se, também, à pesquisa dentre elas a Fundação de Economia Estatística do Governo do Estado – FEE – que ultrapassou suas funções precípuas e se constituiu num importante centro de fermentação intelectual e publicações, com eixo na Economia, como a Revista FEE e avaliações da economia regional, a mais recente “Ensaios sobre a Economia Gaúcha”, de autoria de Aldemir Marchetti e Duilio de Ávila.

Devemos aos estudos da FEE a superação da síndrome da crise estrutural da economia gaúcha, que nos atormentava desde a publicação, nos anos 60, da série de reportagens, no Jornal do Brasil, de um maranhense aqui aquerenciado, Franklin de Oliveira, e que foram reunidas em livro sob o título de “Rio Grande do Sul, um novo nordeste”, Ed. Civilização Brasileira, RJ, 1962.(ver 50 anos do Rio Grande do Sul, um novo nordeste – Paulo Timm)

Uma bela iniciativa da FEE, inexplicavelmente extinta, foi, também, a criação de um Núcleo de História, na qual pontificou a produção do historiador Luis Roberto Peccoits Targa, presente em duas exemplares coletâneas por ele organizadas: “Gaúchos e Paulistas, 1996 – Dez escritos de história” e “Breve inventário de temas do Sul”, 1998. Na primeira, Targa reitera um tema caro aos pioneiros evidenciando o caráter militar na formação da sociedade e Estado riograndenses – “O Rio Grande do Sul: fronteira entre duas formações históricas” – e a persistência da especificidade desta sociedade em contraste às plantations do açúcar e café e mesmo ao longo da trajetória industrializante; a segunda, inicia-se por um libelo contra os que insistem em desconhecer a especifidade desta sociedade intitulado “Manifesto pelo Sul, à guisa de Prefácio” e contém 13 artigos, todos de prestigiosos pesquisadores, sobre os mais variados aspectos da formação riograndense.

Registro especial, decorrente da produção acadêmica, merecem as publicações que informam sobre a bibliografia relativa aos vários temas rio-grandenses, uma delas de valor excepcional ao apresentar um alentado rol de títulos de portugueses e outros estrangeiros, como é a “Bibiografia Sul-Riograndense”, de Abeilard Barreto, Conselho Federal de Cultura, RJ,1975. Outras obras de referência bibliográfica, merecem destaque:

– O Ensino Universitário e as fontes da Revolução Farroupilha, por Antonio S. Mottim, Eni Barbosa e Jandira M.M. da Silva, publicado por ocasião do sesquicentenário da Revolução Farroupilha pelo Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul,

Dicionário Bibliográfico Gaúcho, de Pedro Leite Villas-Boas, EST/EDIGAL – Editora e Distribuidora Gaúcha Ltda. , POA, 1991,

Imigração Italiana no Rio Grande do Sul, Fontes Históricas, EST/EDIGAL – Editora e Distribuidora Gaúcha Ltda. , POA, 1988,

Modernismo no Rio Grande do Sul, materiais para o seu estudo, por Ligia Chiappini Moraes Leite, publicada pelo Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, SP, 1972.

De uma forma geral, pode-se dizer que nas últimas décadas saímos das imagens – descritivas, ficcionais e jornalísticas – para o documento, convertido em monumento para o Historiador profissional ou em sólido material submetido ao instrumental teórico do conjunto das Ciências Humanas, seja Sociologia, seja Antropologia, seja a Economia. Uma obra seminal desta nova etapa é “O Regionalismo Gaúcho”, de Joseph Love, Ed. Perspectiva, S. Paulo, 1975. O fulcro desta nova produção parece ter se centrado na contestação do mito libertário da Revolução Farroupilha e seu protagonista, o gaúcho valente e libertário, atingindo em cheio um dos pontos centrais da cultura rio-grandense, que foi o regionalismo, sempre em questão. Dois artigos retomam as origens históricas deste debate, evidenciando, já na primeira metade do século XX, uma divergência entre o que poderíamos chamar de visão atávica do heroísmo gaúcho, defendida, por exemplo, por Vargas Neto em sua polêmica com Athos Damasceno em 1935, e a visão mais cosmopolita deste último, que viria desembocar na franca denúncia da mitificação do gaúcho:

A) O regionalismo sul-rio-grandense de Athos Damasceno e sua polêmica com Vargas Netto (1932), de Gabriela Correa da Silva

Este trabalho analisa a polêmica travada entre Athos Damasceno Ferreira (1902-1975) e Vargas Netto (1903-1977) acerca da produção regionalista no Rio Grande do Sul. As fontes são os artigos veiculados nos jornais porto-alegrenses O Correio do Povo e A Federação, entre junho e julho de 1932. Pertencentes ao célebre “Grupo” que reunia a intelectualidade local em torno da Livraria do Globo e dos Bares e Cafés de Porto Alegre, os polemistas são definidos aqui como intelectuais preocupados com a representação do Rio Grande do Sul no recente contexto de industrialização e de mudanças no comando do poder central. Os posicionamentos na contenda são compreendidos à luz do processo de ressemantização do regionalismo em voga em todo o país desde o início do século XX. Levando isso em conta, as opiniões de Damasceno em relação à identidade regional recebem maior atenção, uma vez que parecem imersas nesse processo. O debate relaciona-se ao período de questionamento do futuro da representação do homem do pampa em tempos de progresso e da inserção do intelectual sul-rio-grandense no cenário cultural nacional. A fim de esquematizar o estudo, primeiramente é apresentado o contexto do estado das primeiras décadas do século XX. Em seguida, são expostos os argumentos dos autores. A polêmica é aqui entendida como uma modalidade de investimento em prol do “enquadramento”, conforme Pollack (1992), da memória coletiva do Rio Grande do Sul.

b) O regionalismo literário na concepção de Alcides Maya, Marlene Medaglia Almeida – UFRGS.

Em 1935, Alcides Maya escreveu “Regionalismo”, “Regionalismo I” e “Estilo crioulo”, apreciando o livro publicado por Félix Contreiras Rodrigues com o pseudônimo de Piá do Sul, Farrapo (Memórias de um cavalo), cuja introdução, “Apreciação histórica e sociológica do gaúcho e do caudilho brasileiro”, inspirou-lhe uma ampla digressão sobre o regionalismo no Rio Grande do Sul e nos países platinos.

No ano seguinte, deu continuidade à discussão com as “Cartas abertas” a Dante de Laytano, “Sobre o regionalismo” e outros textos de menor repercussão.

“Sobre o regionalismo” constitui uma resposta tardia a Athos Damasceno Ferreira, que criticara o “verbalismo” da literatura regionalista, apontando seu esgotamento como temática ficcional, e propusera a necessidade de buscar horizontes mais condizentes com a realidade rio-grandense contemporânea. Ao fazer tal afirmação, Damasceno Ferreira certamente não previra a veemência com que suas ideias seriam impugnadas anos depois. Ocorre que, na ocasião em que as veiculara no Correio do Povo (em “Regionalismo”, “Regionalismo I”, “Regionalismo II” e “À margem do regionalismo” ), em junho-julho de 1932, Alcides Maya estava no Rio de Janeiro e delas não tomara conhecimento ou não tivera oportunidade de se manifestar. Agora, reacesa a polêmica, voltara ao tema, cobrando a Ferreira os conceitos emitidos então, apontando-lhe indefinições, dizendo que havia muito a anotar à margem de seus comentários e, particularmente, rebatendo sua tese central de que a literatura regionalista no Rio Grande do Sul, delimitada pelo quadro da Campanha, estava definitivamente encerrada.

Um livro importante para se perceber a revisão crítica de certos mitos da historiografia pioneira é “Rio Grande em debate – Conservadorismo e mudança”, Ed. Meridional, POA, coletânea organizada por Nelson Boeira com artigos de Juremir Machado da Silva, Tau Golin, Antonio Hohlfeldt e outros:

O livro reúne onze textos que abordam questões sobre o Rio Grande do Sul. Como um mapa de ideias, os autores propõem e discutem os temas que estão sempre presentes na cultura, na diversidade das ideias sociopolíticas e históricas que são tratados pelos conferencistas no Fronteiras do Pensamento em 2007. O professor Nelson Boeira, como organizador da obra, procurou juntar as idéias, as sínteses dos autores numa proposta de abertura para o diálogo com os leitores. Espera-se que o conjunto de artigos possa suscitar reflexões e servir como pesquisa e estímulo para futuros debates sobre as alternativas de desenvolvimento econômico e cultural que estão abertas ou estão ainda para serem conquistadas pela sociedade. Autores: Juremir Machado da Silva, Vítor Fernando Bertini, Paulo G. M. de Moura, Kathrin H. Rosenfield, Marcelo F. de Aquino, Fabrício Carpinejar, Paulo Faria, Regina Zilberman, Tau Golin, Antonio Hohlfeldt, Gunter Axt.

Quem levou mais longe, porém, a desmistificação da exaltação do gauchismo, foi o Sociólogo e dublé de jornalista Juremir Machado da Silva, o escritor mais completo dos últimos tempos no Estado, tanto pela sua sólida formação acadêmica, ultimada na Universidade de Paris, cuja tese se converteu no oportuno “Anjos da Perdição”, como pela vasta obra já publicada que vai da crônica diária, hoje no Correio do Povo, ao ensaio histórico, passando pelo romance, alguns de caráter histórico. No tocante à Revolução Farroupilha, destaco seu “A História Regional da Infâmia – A Revolução sem mitos”, Ed. LP&M , POA, no qual denuncia as limitações e traições das lideranças farroupilhas, principalmente contra os combatentes negros. Pela importância do autor, do tema e da obra, reproduzo a apresentação da Editora:

A Revolução sem mitos
História regional da infâmia – O destino dos negros e outras iniquidades brasileiras (ou como se produzem os imaginários) é um livro que contesta os mitos que por séculos sustentaram o imaginário acerca da Revolução Farroupilha. Juremir Machado da Silva, romancista, professor universitário, ensaísta, historiador e tradutor, juntamente com uma equipe de dez pesquisadores, se debruçou sobre 15 mil documentos para trazer à luz este minucioso estudo sobre as verdadeiras causas da Guerra dos Farrapos.

Assim como Jorge Luis Borges em sua História universal da infâmia, Juremir tira do pedestal da glória os grandes heróis da Revolução – Bento Gonçalves, David Canabarro, general Neto, Vicente da Fontoura, entre outros – e os devolve ao plano terreno dos mortais, revelando como interesses pessoais corroeram o lema revolucionário de “liberdade, igualdade e humanidade”. O autor também questiona a origem dos recursos financeiros que possibilitaram a Revolução Farroupilha. Por trás dos discursos abolicionistas havia o sistemático financiamento da luta armada com a venda de negros e promessas vazias de liberdade aos cativos que nela lutassem.

Sem receio de tocar em tabus da história gaúcha, Juremir alimenta a discussão sobre uma possível traição na batalha de Porongos, quando grande parte dos negros foi massacrada num ataque surpresa das forças imperiais, sustentando que a batalha não passou de um estratagema para o aniquilamento dos negros revolucionários.

História regional da infâmia revela em detalhes os bastidores dessa revolução de estancieiros gaúchos que, em quase dez anos de luta, contabilizou menos de 3 mil mortos – número que reduz o conflito a uma dimensão infinitamente menor do que aquela ensinada nas escolas. A partir da análise da mistificação criada por historiadores que não só incharam a história e a importância da revolta, como também deturparam suas principais causas e escolheram seus heróis, o autor mostra que a Revolução Farroupilha acabou bem – ao menos para os seus líderes, que foram regiamente indenizados pelos vencedores imperiais.

Com obras de grande alcance, dois autores se somam às obras pioneiras selecionadas por Reverbel e Velhinho:

Guilhermino Cesar, crítico literário, Professor da UFRGS, dedicado ao estudo da literatura rio-grandense, com sua obra clássica “História da Literatura do Rio Grande do Sul”, Ed. Globo, PA, 1971,

Sandra Jathay, historiadora, também professora da UFRGS, com 29 livros publicados, 22 capítulos/ensaios em livros nacionais, três capítulos/ensaios em livros estrangeiros, 54 artigos em periódicos científicos nacionais, 13 artigos em periódicos científicos estrangeiros, 17 publicações em anais de congressos, dentre os quais destaco como indispensável a leitura sua contribuição ao “História Cultural no Rio Grande do Sul (Narrativas, imagens e práticas sociais)”, 2008, editora Asterisco,

Carlos Urbim, Lucia Porto e Magda Achutti, nos brindam com “Um século de História”, 2 vls. Ed. Mercado Aberto, 1999, num estilo leve, jornalístico, que lembra o dos pioneiros e torna temas e personagens relevantes da nossa história palatáveis ao grande público.

Mas assim como as grandes narrativas definharam no final do século XX, também nos estudos sobre o Rio Grande do Sul, relevam-se como “cases” sobre uma ou outra sub-região, tal como um livro pouco divulgado que trata da formação sócio-econômica da Fronteira Oeste, desde os “campos realengos”, ou seja, terras não-demarcadas de fronteira dos reis de Portugal e Espanha de autoria de Raul Pont, pai do deputado homônimo, “Campos Realengos – Formação da Fronteira Oeste do RS”, cuja primeira edição, propiciada pela Prefeitura de Uruguaiana, é da Martins Livreiro; um ou outro setor da vida social, como melhor entendimento das instituições ou do positivismo no Estado, tal como “O Rio Grande do Sul e as suas Instituições Governamentais”, de R. de Monte Arraes, um clássico de 1925, reeditado pela Ed. UnB, Brasilia; ou de rigorosa avaliação sociológica de um de seus momentos históricos, como foi o “Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional”, de Fernando Henrique Cardoso, Ed. Civilização Brasileira, RJ; sejam ainda de tentativa de melhor compreensão das contorções de uma economia primário-exportadora interna em seus ajustes à modernização do país, como a tese de Mestrado na Escolatina, Universidade do Chile, do Economista Paulo Renato Souza, 1972; seja dos conflitos políticos de 1893 e 1923 como “RS: Conflitos Políticos na República Velha”, de Pedro Cesar D. Fonseca, Ed. Mercado Aberto, POA, 1983 ou “Julio de Castilhos e sua época”, Ed. Globo, POA, 1956 e “Maragatos – o Partido Federalista Rio-grandense”, Secretaria da Cultura, 2006 , “A guerra civil de 1893” , Ed. UFRGS, 1993, “A Pacificação de 1923: as negociações de Bagé” , Ed. UFRGS, 1996 dentre outros, da vasta obra de Sérgio da Costa Franco; sejam finalmente, coleções biográficas sobre protagonistas da vida cultural e política no Estado, como “Comunistas Gaúchos – A vida de 31 militantes da Classe Operária”, de João Batista Marçal, Ed. Tchê, 1986, POA, a qual contempla um capítulo dedicado a Dyonélio Machado, uma das figuras mais respeitáveis da história rio-grandense, político atuante e autor do celebrado “Os ratos”, obra tipicamente urbana, publicado originalmente pela Cia. Editora Nacional, SP, em 1934; ou, finalmente, sobre o enigmático campo da economia, como o bastante atual “Reflexos da Reestruturação Produtiva Mundial sobre a Economia do Rio Grande do Sul”, organizado por Duilio de Ávila Bêrni, Ed. EDIPUCRS, POA, 2000.

Consequência desta fragmentação das disciplinas e dos enfoques nos tempos que correm, abundam as coletâneas – ou meros arquivos na INTERNET, tanto de fragmentos literários, contos ou avaliações no campo das ciências sociais, dentre as quais seleciono como importantes por alguns textos extremamente cativantes as seguintes:

“RS – Cultura & Ideologia”, Ed. Mercado Aberto, POA 1980, na qual destaco os artigos de Décio Freitas, “O gaúcho: O mito da “Produção sem Trabalho” e de Sérgius Gonzaga “As mentiras sobre o gaúcho: Primeiras contribuições da literatura.”

“Guerra Civil de 1893” – Ed. UFRGS, POA, 1986.

“A Revolução Farroupilha: História & Interpretação”– Ed. Mercado Aberto, POA, 1985, no qual destaco o artigo “A Guerra dos Farrapos e a construção do Estado Nacional”, por Helga I.L. Piccolo.
“Integração 2002”, Coletânea, Org. por Hilda H.Flores, Ed. EDPUCRGS, POA, 2003.
– Economia do RS – Textos Selecionados pela FEE –

Não há crise nos campos do Rio Grande – Por Paulo Timm, publicado no site Sul21 e do autor: Não há Crise Econômica no Rio Grande.

Por fim, caberia mencionar um conjunto de obras biográficas, vez que não faltam ilustres personagens históricos que o justifiquem, como Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, Silveira Martins, Assis Brasil, Osvaldo Aranha, Leonel Brizola ou algum inquieto general maragato, como o lembrado por Tabajara Ruas – um dos grandes escritores contemporâneos – e Elmar Bones no livro “A Cabeça de Gumercindo Saraiva”, Ed. Record SP/RJ, 1997. Detenho-me, porém, na recentemente lançada biografia de Getúlio Vargas, aquele que muitos consideram o maior brasileiro de todos os tempos: “Getúlio, uma biografia”, por Lyra Neto, 3 vls., Cia. Das Letras, 2012-2013-2014.

Ao término desta exaustiva relação de títulos e autores, que pode levar os leitores ao devaneio, sublinho a importância da obra dos contemporâneos Juremir Machado da Silva, sociólogo e jornalista, Sandra Jathay, historiadora, e Assis Brasil, romancista, bem como da biografia do ex-presidente Getúlio Vargas, pelo jornalista João Lyra Cavalcante, para a boa compreensão da alma e do desenvolvimento do Rio Grande moderno.


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