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Ana Ávila
Embora mais de 30 anos tenham se passado desde a descoberta do vírus HIV, uma série de questionamentos ainda cercam a doença. Entre dúvidas já discutidas à exaustão e questionamentos que surgem com os avanços da medicina estão, por exemplo, o “coquetel do dia seguinte” e a transmissão vertical, da mãe para o bebê. Em entrevista ao Sul21, a médica Nêmora Barcellos, que atende pessoas vivendo com HIV/Aids no Sanatório Partenon, responde algumas delas.
Outros esclarecimentos podem ser obtidos nos Centros de Testagem e Aconselhamento, onde o atendimento é sigiloso e, em caso de resultado positivo, o paciente já é encaminhado para tratamento. Lá também a população encontra material de prevenção, como camisinhas masculinas e femininas.
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O tratamento inicia imediatamente após o paciente saber que tem o vírus?
Dra Nêmora Barcellos – O principal parâmetro utilizado para definir o momento de início do tratamento é a contagem de células TCD4+ (CD4), uma das células que compõem o sistema imunológico (de defesa do organismo) e que é o alvo preferencial do HIV. O HIV entra nas células CD4 e, ao se reproduzir em seu interior, acaba por destruí-las.
O momento ideal de início do tratamento tem variado ao longo do tempo, principalmente com base no conhecimento do comportamento do vírus e da infecção no organismo humano. Já se iniciou no passado em fases avançadas de doença, com CD4 abaixo de 200 céls/mm3, com CD4 inferior à 500 céls/mm3, com células CD4 abaixo de 350 céls/mm3. Atualmente no Brasil recomenda-se o início do tratamento com CD4 inferior à 500 céls/mm3, na maioria dos casos. Em algumas condições específicas inicia-se antes.
A tendência internacional de introdução mais precoce dos medicamentos, com supressão da carga viral, está baseada em dois principais argumentos: na desaceleração do processo inflamatório continuado promovido pela infecção viral no organismo (com repercussão em vários órgãos como o coração, os rins e o cérebro) e pela redução da transmissibilidade do vírus em função da mesma supressão da carga viral.
A tendência, portanto é de iniciar o tratamento assim que o diagnóstico for feito, independentemente dos níveis de CD4 (testar e tratar). Em função de características locais da epidemia, o testar e tratar vem sendo recomendado pelo Ministério da Saúde em alguns estados brasileiros como o Rio Grande do Sul e o Amazonas.
Sul21 – O paciente que testa negativo pode estar na janela imunológica? O que é necessário fazer neste caso?
Dra Nêmora – Janela imunológica é a fase inicial da infecção e, mais especificamente, o período entre o momento da aquisição do vírus e o surgimento de anticorpos capazes de serem detectados por exames. Portanto, sua duração depende da capacidade do organismo produzir anticorpos e, principalmente, da sensibilidade dos testes para detectar estes anticorpos. No passado, com os testes de rotina esta janela ficava entre três e seis meses. Hoje em dia, com testes mais sensíveis, inclusive os testes rápidos, e testes capazes de detectar o antígeno (que é o vírus, neste caso), reduziram muito a janela imunológica para menos de 30 dias. Atualmente recomenda-se realizar o teste cerca de 30 dias após a exposição de risco.
Sul21 – O que mudou na medicação ao longo das últimas décadas? Os efeitos colaterais ainda são muitos? Quais?
Dra Nêmora – Ao longo dos últimos 26 anos (o AZT, primeiro medicamento utilizado contra o HIV, começou a ser disponibilizado em 87/88), muitos medicamentos foram desenvolvidos e alguns, retirados do mercado. A tendência é o desenvolvimento de medicamentos mais efetivos, com menos efeitos adversos e mais fáceis de serem utilizados (menor número de comprimidos ou menor número de doses diárias). Desta forma, hoje dispomos de um número considerável de medicamentos efetivos e mais fáceis de serem utilizados.
Cabe ressaltar, entretanto, que: todos os tratamentos devem ser prescritos em combinações (de pelo menos três medicamentos); os medicamentos tomados de forma religiosa, ou seja, é fundamental que todas as doses sejam efetivamente respeitadas; o uso descontinuado dos medicamentos acarreta grande risco de falha terapêutica, fazendo com que os medicamentos não tenham mais efeito sobre o vírus; os efeitos adversos a curto, médio e longo prazo, embora menos importantes do que aqueles que ocorriam com os medicamentos disponibilizados no passado, ainda podem ocorre. Estes efeitos adversos variam para cada medicação e em cada indivíduo.
Uma vida saudável, incluindo uma nutrição equilibrada, a prática de exercícios físicos, o abandono do tabagismo e do abuso de bebidas alcóolicas podem reduzir consideravelmente estes efeitos.
Sul21 – Um portador do vírus em tratamento pode não transmitir HIV?
Dra Nêmroa – O tratamento bem feito suprime a carga viral. Esta redução da carga viral também se evidencia no esperma e na secreção vaginal acarretando uma redução significativa da transmissibilidade do vírus. Entretanto, esta redução da transmissibilidade não deve reduzir o uso de outras medidas de prevenção como o uso consistente de preservativos no cotidiano das pessoas.
Sul21 – Ainda existe o conceito de “grupo de risco”?
Dra Nêmora – Não. O conceito de grupos de risco é antigo, discriminatório e favorece a transmissão do HIV uma vez que as pessoas que não pertencem a estes grupos se consideram livres de risco o que está muito longe de ser verdade.
Sul21 – Fala-se em comportamento de risco. Existe um perfil no qual se identifica mais este comportamento?
Dra nêmora – Falou-se bastante no passado e mesmo hoje em dia, algumas vezes, de comportamentos de risco. Prefere-se, entretanto, pensar em termos de exposição ao HIV, ou seja, independentemente de grupos ou comportamentos, quem tem relações sexuais desprotegidas com parceiros de sorologia desconhecida ou soropositivos está se expondo. Ao mesmo tempo, se um usuário de drogas injetáveis (e o uso de drogas injetáveis ainda existe em diversos países do mundo) não compartilhar seringas e usar preservativos nas relações sexuais, não estará se expondo à infecção.
Algum tipo de relação sexual tem maior risco de transmissão que outra?
Dra Nêmora – Existe certa hierarquização do risco em diferentes práticas sexuais, esta hierarquização tem levado, mesmo, à escolha de práticas mais seguras por algumas pessoas. A relação de maior risco é a relação anal receptiva. O importante, entretanto, é que uso de preservativos é capaz de reduzir consideravelmente o risco em qualquer prática sexual.
Sul21 – O que é o “coquetel do dia seguinte”?
Dra Nêmora – A expressão diz respeito ao uso de medicamentos antirretrovirais em situações de acidentes como o não uso de preservativos, sua ruptura ou deslizamento em uma relação sexual com parceiro/a desconhecido/a ou sabidamente portador/a do HIV. A estratégia é conhecida domo PEP sexual (profilaxia pós-exposição sexual). O mecanismo de ação se assemelha ao que determina o uso de medicamentos em acidentes com materiais pérfuro-cortantes contaminados em ambientes de saúde.
A medicação deve ser iniciada o mais breve possível e utilizada pelo período de quatro semanas. Locais de referência para tais casos estão habilitados para avaliar, encaminhar e acompanhar este tipo de situação.
Sul21 – Bebês de gestantes soropositivas podem nascer sem o vírus?
Dra Nêmora – Sem qualquer intervenção, a transmissão do HIV da mãe gestante para o bebê (denominada transmissão vertical) gira em torno de 30%. Os determinantes são muitos e incluem, entre outros, a carga viral materna.
A partir de estudos que determinaram o benefício do tratamento da gestante (o primeiro estudo foi o ACTG 076) na redução da transmissão do HIV, a testagem anti-HIV universal para gestantes, o tratamento das gestantes com testes reagentes, o uso de antirretrovirais no parto e pelo bebê, além do uso de aleitamento artificial, reduziram a transmissão para menos de 1% em alguns locais.
É importante salientar que todos os bebês nascem com anticorpos anti-HIV recebidos da mãe. Se o bebê não foi contaminado na gestação, no parto ou pela amamentação, em um prazo variado, mas que em geral não é superior a 18 meses, estes anticorpos desaparecem – a criança está livre da infecção.
Nos casos onde houve a transmissão do HIV, além dos anticorpos, o vírus também passa para o bebê e, consequentemente, o organismo da criança passa a produzir seus próprios anticorpos contra o vírus adquirido e estes anticorpos não desaparecem – a criança é, portanto, também portadora do HIV.