Da Redação

Eleito após sucessivas tentativas de boicote da própria base aliada do governo, o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS) agora é o presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara. Dando mostras de que aprendeu a lição com a perda do espaço em 2013, quando o cargo acabou com o pastor Marco Feliciano (PSC ), o PT comemora o ter garantido o espaço de representação dos segmentos que historicamente defendeu. No entanto, para avançar em pautas como a criminalização da homofobia, Paulo Pimenta espera contar com uma Frente de Esquerda e a mobilização da sociedade. “A Comissão é um espaço provocador do debate, mas nenhum Parlamento avança sem pressão popular”, afirma nesta entrevista ao Sul21.
Em meio a um monitoramento e outro das redes sociais pelo telefone, o deputado petista falou sobre a estratégias que pretende adotar para enfrentar a legislatura mais conservadora do último período e liderada pelo presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). “Não podemos recuar nenhum milímetro. Eu pretendo por em pauta o debate da descriminalização do aborto, da maconha e a criminalização da homofobia”, garantiu, dizendo que a pauta LGBT também precisará de respaldo da presidenta Dilma Rousseff por conta do discurso feito na última eleição.
Pimenta falou ainda sobre temas em pauta no Congresso Nacional, como a possível aprovação da PEC do Diploma de jornalista que é de sua autoria e atualmente tranca a pauta de votações da Câmara. Ele analisou o momento político do país e a onda conservadora que se manifesta nas ruas como uma preocupação de médio e longo prazo. Ativista da Comunicação, Pimenta diz que irá puxar o debate da redemocratização da mídia e criticou a omissão do governo federal neste tema.
Sul21 – A sociedade está dividida politicamente. Nas manifestações contra o governo Dilma, se viu uma série de manifestações de ódio e intolerância nas ruas. Como o senhor avalia este cenário e o desafio que tem pela frente na CDH?

Paulo Pimenta – Em primeiro lugar, este cenário vai além do Brasil. Vivemos um momento de confronto acirrado por conta de uma crise do capitalismo mundial. Isto se manifesta de diferentes maneiras: nos altos índices de desemprego na Europa, no crescimento de uma onda conservadora, na existência de uma pauta de intolerância religiosa e numa evidência na questão da imigração. O Brasil não está fora deste contexto. Em minha opinião, os reflexos do grande processo de transformação do Brasil nos dois governos Lula, que colocaram novos cidadãos no mundo de direitos, possibilitaram a reorganização dos espaços na sociedade. Por exemplo, as empregadas domésticas conquistaram o direito de ter carteira assinada. Na medida em que elas conquistam este direito, para quem contrata, criou obrigações a mais. Isto significa alterar toda uma cultura. Existem reflexos também na área da educação, onde os programas de acesso ao ensino (Enem, Prouni, cotas, Fies) colocaram os filhos dos trabalhadores trabalhando com os filhos dos patrões. Os aeroportos estão lotados. Ao menos três em cada dez brasileiros andaram de avião depois que Lula foi eleito. Tudo isso mudou a sociedade e o grau de insatisfação das classes até então dominantes. A partir de 2010, o governo começa a gastar para evitar aumentos de gastos e conter a crise. O que já não é mais possível. Com a última eleição (2014), o setor da elite mais conservadora tinha convicção de que ganharia a eleição com Aécio (Neves). A derrota nas urnas não acalmou a insatisfação desta parcela da sociedade. Por sua vez, o governo viu a necessidade de fazer ajustes que aumentaram taxa de juros, o preço do combustível, da conta de luz que contribuíram para esta disputa pós-eleição que vivemos. Isto foi o que vimos nas ruas em 15 de março. Assistimos a uma grande presença de diferentes insatisfações. Eles ainda não têm com clareza uma pauta, mas têm como fundo isso. Alguns dizem que foi contra a corrupção. Creio que teve esse aspecto também. Mas, por exemplo, aqui no Rio Grande do Sul, toda bancada do PP está sendo investigada (Operação Lava Jato) e não teve cartazes contra isto. A corrupção de fato existe, mas atinge o modelo político brasileiro, não apenas o PT.
Sul21 – Quais os erros do PT e do governo? A crise econômica, os ajustes fiscais adotados por Dilma e a existência da corrupção são fatos inegáveis.
Paulo Pimenta – O erro do PT, em minha opinião, foi que, diante de não conseguir avançar na reforma política nos moldes que imaginávamos, passou a fazer um processo de financiamento das campanhas eleitorais aos moldes do que os outros sempre fizeram. Foi dentro da lei, mas foram feitas captações financeiras de grandes empresas que têm contratos com o poder público. Isso é exatamente o que nossos adversários fizeram. Para um partido constituído com uma narrativa social e pautada pela ética (PT), não basta agora dizer que os outros faziam o que fizemos. Isto fragiliza uma expectativa que setores importantes da sociedade depositaram em nós, inclusive votaram na Dilma por conta disso. O PT precisa tomar decisões que sinalizem reações para a sociedade. O partido precisa tomar posição com os filiados que estão citados nesta investigação. Não pode ser ações pró-forma. Não pode ser o ‘todos são inocentes até que se prove o contrário’ porque o julgamento pode levar 10 anos e o discurso do partido ficará enfraquecido e as ações de combate à corrupção do governo também. Precisamos mais do que isso. Temos que fazer um esforço para retomar uma pauta comum com o PCdoB, PSOL, PSTU e o conjunto de movimentos sociais, uma pauta de mobilizações comuns que se contraponham a esta pauta conservadora da sociedade.

Sul21 – Mas a esquerda e o próprio PT estão divididos. Como fazer?
Paulo Pimenta – Precisamos fazer, neste momento histórico, um esforço para unificar uma Frente de Esquerda. Nós estamos enfrentando uma onda conservadora que apenas iniciou. Ainda não está claro até onde ela está disposta a ir. Nós vimos (no dia 15 de março) pedidos de golpe, do retorno da ditadura militar, do fim dos partidos e até professor de História se manifestando contra Paulo Freire.
Sul21 – Esse contexto pesa na expectativa da sociedade em relação ao trabalho da Comissão de Direitos Humanos. Qual será a sua estratégia para avançar frente a uma legislatura tão conservadora no Congresso?
Paulo Pimenta – Entre 2013 e 2014, a Câmara Federal e também as Assembleias Legislativas, passaram a incorporar três setores: a bancada evangélica – ainda que não em sua totalidade porque existem diferentes matizes dentro desta religiosidade -, a extrema direita, representada pelo deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), e representantes políticos da área da segurança pública, que enxergam os direitos humanos como uma ameaça. Há um conjunto de delegados que se elegeram com o discurso de endurecimento da polícia. Essa junção de forças forma um cenário de pautas comuns entre eles. Não obrigatoriamente os da extrema direita e da segurança pública convergem sobre políticas públicas de pessoas do mesmo sexo, por exemplo. Mas, para avançar nos temas de interesse dos seus segmentos, eles unem forças na hora de votar.
Sul21 – O PT perdeu espaços em todas as comissões importantes do Congresso por conta destas alianças e quase que o senhor não é conduzido à presidência da CDH. Como fará para garantir a votação de temas progressistas?
Paulo Pimenta – Havia o grande risco de eu não ganhar por conta da composição atual da Câmara, mas ganhamos. Isto tem um símbolo e significado muito importante. A CDH completará 20 anos e cumpre um papel fundamental na resistência, na luta democrática de representação das chamadas minorias e das pautas marginalizadas na sociedade, como o extermínio dos jovens negros. A manutenção deste espaço foi um grande desafio. Ocorreram várias tentativas para que não alcançássemos esta eleição, porque esta presidência é quase uma instituição. Ela empresta prestígio para temas e segmentos sociais que podem ser ouvidos e ganham respaldo. É isso que as outras forças queriam evitar. Eles fizeram isto quando o Marco Feliciano (PSC- SP) presidiu a CDH. Chamavam debates e pautas conservadoras para reforçar o protagonismo do pastor Marco Feliciano.
Sul21 – Qual garantia de avanços reais podem existir nas pautas de direitos humanos frente à permanência de Marco Feliciano na CDH e com este jogo de forças que o senhor descreveu e que conta com o apoio do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ)?

Paulo Pimenta – Eu vou mesclar o meu trabalho na Comissão com agendas externas que permitam a ampla visibilidade dos temas que precisamos pautar na sociedade e ter intervenção do governo. Por exemplo, já tenho agendada uma série de visitas nos trabalhos sociais de enfrentamento ao crack junto com o secretário de Direitos Humanos de São Paulo, Eduardo Suplicy. Também vou visitar as comunidades do Rio de Janeiro para avaliar a situação do extermínio de jovens negros. Também quero verificar uma denúncia que recebi relacionada ao governo estadual do Rio Grande do Sul, de que estaria mandando pacientes da Saúde Mental para o Hospital Colonial de Itapuã. A situação deste espaço é precaríssima. É um hospital derivado das antigas colônias criadas por Getúlio Vargas para levar pacientes com lepra e hanseníase e conter a epidemiologia pelo isolamento dos doentes. Atualmente existe um abandono destes pacientes. Muitos daquela época ainda vivem lá. Hospitais como este existem em vários estados brasileiros. Vou intervir nesta realidade. Sou totalmente favorável ao avanço e regulamentação dos estados à Lei Antimanicomial.
Sul21 – O senhor assumiu a CDH dizendo que faria a Comissão voltar a ter as pautas que lhe são genuínas. O senhor pretende enfrentar as pautas travadas há anos no Congresso, como por exemplo, a criminalização da homofobia?

Paulo Pimenta – Nenhum Parlamento avança sem pressão popular. A Comissão tem que ser um canal provocador dos debates na sociedade e que elas se sintam representadas naquele espaço. Nós não ficaremos acuados. Não podemos recuar nenhum milímetro por conta da presença deles lá. Ao contrário, eu vou defender todas as minhas posições. Descriminalização do aborto, descriminalização da maconha, criminalização da homofobia, entre outras. Será quente o debate, mas vamos enfrentar. A CDH também será uma ferramenta de pressão sobre o governo. Vários dos partidos da Comissão também integram o governo e a Dilma, durante a última eleição, falou sobre este tema (criminalização da homofobia). Ela terá que ter um compromisso sobre isso para que avancemos.
Sul21 – Qual será a primeira pauta que irá propor?
Paulo Pimenta – Eu consegui aprovar um requerimento para audiência pública com todas as entidades que atuam na área dos Direitos Humanos no Brasil e também o poder judiciário. Vamos debater e tirar as principais pautas prioritárias. Mas também está prevista a participação dos segmentos chamados pelos fundamentalistas. Este ato será um balizador importante, além de ter a possibilidade de promover um diálogo entre os dois campos para confrontar as crenças deles inclusive. No debate é possível ouvir os argumentos e questionar se, por exemplo, quando alguém diz que é contra a união civil entre pessoas do mesmo sexo e tem um filho ou uma filha que ama outra pessoa do mesmo sexo, ele pregará o mesmo ódio ou intolerância? Questionamos se é esta orientação que dão nos grupos religiosos que eles atuam os fazendo refletir sobre os valores do respeito, amor e tolerância que fazem parte da religiosidade. Puxar o debate para este patamar, não teorizando as diferentes doutrinas que determinam normas, mas fazer com que eles percebam que a condição humana lhes exige outras condutas.
Sul21 – Qual é a sua trajetória na área dos Direitos Humanos que o legitimam a estar à frente desta Comissão?
Paulo Pimenta – Meus mandatos em Santa Maria, como deputado estadual e outros mandatos sempre foram ligados à área dos Direitos Humanos. Esta é uma pauta que hoje tem outra dimensão. Participei da CPI do Sistema Carcerário, fui relator do projeto da Nova Lei de Drogas. A grande questão dos Direitos Humanos, que envolve todos os segmentos, é a valorização da pessoa humana e a tolerância. Não podemos só conceituar que é necessário aceitar ou respeitar as pessoas nas suas condições, precisamos valorizá-las. Cada ser, em sua diferença, é algo positivo. Não precisamos que uns ‘permitam’ que outros sejam como são. “Ah eu não sou homofóbico porque tenho um amigo gay”. Temos que valorizar o conceito de todos e não só daqueles que a sociedade definiu como padrão. E também precisamos incentivar a tolerância. Isto engloba a intolerância religiosa, de gênero, mulheres, ocupações dos espaços sociais, condição econômica. É essa a grande dificuldade do governo, inclusive. Pessoas de determinadas classes foram às ruas ofender outras que são de outras. Sobretudo, eu fui para a CDH para que PT fosse o partido a ocupar este espaço. Seria mais um que perderíamos. Fui para esta trincheira mais para resistir e não recuarmos em direitos conquistados.
Sul21 – Está prevista a apreciação da PEC da desmilitarização das polícias. É possível que este tema prospere? Qual sua opinião a respeito do fim da influência militar nas polícias?
Paulo Pimenta – Hoje, no cenário político que temos, a chance de aprovarmos pautas como este é próxima a zero. Só aprovaremos esta PEC e qualquer outro projeto se ocorrer grande mobilização social. Na mesma proporção que os outros setores se organizam. Por exemplo, a bancada evangélica já se reuniu para criticar a novela da Rede Globo que mostrou um beijo lésbico. Isto acaba, de alguma maneira, levando o debate a se voltar contra eles. Mas demonstra capacidade de mobilização. Nos EUA foi aprovada esta semana uma lei para permitir que os estabelecimentos atendam ou não o público LGBT. Eu não me admiro que isto seja apresentado também no nosso Parlamento. Já temos absurdos como um projeto de criação do Dia do Orgulho Hetero e o Estatuto da Família.

Sul21 – As chamadas minorias já sofrem discriminação e tem muita resistência da sociedade para debater suas pautas, o senhor não acha que o Parlamento é que deve agir para garantir leis e não retrocessos?
Paulo Pimenta – Eu acho. Mas existe um isolamento da base governista e uma divisão da sociedade. Precisamos de mobilização social. O governo pecou quando abdicou em disputar na sociedade os fundamentos dos seus programas sociais. Ele errou em tratar os beneficiários como meros consumidores. Tratou-se com tecnocracia e reduziu os resultados destes programas a meros indicadores. Isso afasta a sociedade do governo. Muitos não compreendem a complexidade do momento. Temos beneficiários do Pronatec, do Fies e tantos outros nas ruas junto com a onda conservadora que pede uma série de retrocessos hoje.
Sul21 – Está trancando a pauta da PEC do Diploma que retorna a obrigatoriedade da contratação de jornalistas diplomados. É uma proposta sua, quais as chances de aprovação?

Pimenta – Nós temos condições de aprovar a PEC. O trabalho da Fenaj está sendo incansável. Não há identificação de ganho para a sociedade com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) desde a derrubada do diploma. Não melhorou a qualidade do jornalismo, não diminuiu o monopólio dos veículos de comunicação e nem ampliou os espaços de participação. Ao contrário, reduziu os investimentos em pesquisas na área da Comunicação, fecharam cursos de Jornalismo em universidades, comprometeu a qualidade dos cursos também, além de ter precarizado as relações do trabalho. Dou um exemplo concreto. Recentemente, o credenciamento dos jornalistas da Folha de São Paulo no Senado Federal. A exigência da cópia da carteira de trabalho revelou que uma leva grande de profissionais são contratados como auxiliares administrativos por uma ‘política de pessoal da empresa’. Tem várias outras consequências, se eventualmente não aprovarmos esta PEC. Quando o ministro Gilmar Mendes deu o voto dele, ele reinterpretou a Constituição Federal no artigo que diz que não pode existir lei que cause embaraçado ou restrição à livre manifestação ou liberdade de expressão. Mas nós consultamos os discursos dos constituintes para elaborar a PEC e não existe nada neste sentido. Este artigo foi posto na Constituição para evitar que o país voltasse a ter censura. O ministro, no entanto, entendeu que o diploma é embaraço para a liberdade de expressão por conta do trabalho dos comentaristas, colunistas e demais formadores de opinião. Mas a atividade jornalística não é mera manifestação de opiniões. Mendes colocou como exceções as Ciências Médicas, Engenharias e Direito, todas as demais profissões devem ser rediscutidas sobre a exigência do ensino superior. Isto inclui cozinheiro, professores de Educação Física, entre outras que poderiam ser profissões de nível médio. As demais áreas das Ciências Humanas estão preocupadas com esta decisão. Se não conseguirmos reverter, poderá gerar um efeito cascata nas demais atividades.
Sul21 – Até onde vai a liberdade de expressão, na sua avaliação? O humor e as redes sociais cumprem um papel importante na formação da opinião das pessoas e não raro despolitizam o debate sobre temas importantes, além de, às vezes serem utilizados para difamar as pessoas e criar fatos.
Paulo Pimenta – O debate sobre a regulamentação da mídia, que ainda não fizemos, é fundamental para aprofundar justamente tudo isso. Na Constituição Federal já existe uma série de previsões legais não cumpridas, como a impossibilidade de políticos serem donos de concessões de veículos de comunicação. A internet alterou muito o cenário da comunicação. O governo, por sua vez, foi tímido neste tema. A ex-secretária Helena Chagas criou um decreto para definir ‘mídia técnica’ como balizador das políticas públicas e da distribuição dos recursos publicitários. O decreto define que órgãos de governo interessados na veiculação de conteúdos na mídia devem procurar veículos com maior capilaridade, mais velocidade de fazer chegar a informação e maior abrangência nacional. É evidente que, com este decreto, apenas os grandes grupos de comunicação são beneficiados. Isto foi um erro do governo, que hoje paga o preço. É algo absurdo ver no domingo das manifestações o Faustão sendo tendencioso com o banner do Banco do Brasil atrás dele. Ainda, nesta semana, o Jornal Nacional fez espetáculos midiáticos com os fatos da Operação Lava Jato e nos intervalos apareciam comerciais da Petrobras. Isto demonstra que faltou decisão do governo sobre este tema. O governo cria programas como Minha Casa, Minha Vida para beneficiar famílias de várias faixas salariais e o Pronaf para incentivos a pequeno, médio e grande produtor agrícola, e tantos outros na mesma linha. Porque então, não faz isso com a Comunicação? Tem que adotar o mesmo critério para todas as áreas.
