
Marco Weissheimer
“Crédito em cinco minutos!” “Crédito na hora!” “Crédito sem burocracia!”…A cena é bem conhecida nas grandes cidades brasileiras. As promessas de crédito fácil se multiplicam pelas calçadas das regiões centrais oferecendo facilidades e solução rápida para problemas financeiros, mas escondendo um mundo de juros altíssimos, desregulamentação, falta de controle e precarização do trabalho. Além disso, chamam a atenção para um fenômeno que assumiu proporções gigantescas: a proliferação de serviços e produtos financeiros. Esse universo não se limita mais a bancos e instituições financeiras propriamente dias: grandes lojas de departamentos, supermercados, montadoras de automóveis, pequenas franquias de crédito, agências lotéricas…a relação de possibilidades para realizar operações financeiras não para de crescer. O Sul21 inicia hoje uma série de matérias que abordam esse universo onde o brilho de supostas facilidades aparece misturado com muitas sombras e incertezas.
Esse processo vem sendo marcado por alguns avanços e por muitos problemas, diz Carlos Eduardo Bobsin, diretor de Financeiras e Terceirizadas do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários). “O lado positivo é que nos últimos três anos principalmente houve um processo de bancarização das financeiras que eram vinculadas a bancos. Todos os grandes bancos fizeram isso. O último foi o Bradesco, em fevereiro deste ano. Com isso, os funcionários dessas empresas migraram da condição de financiários para a de bancários, com todas as vantagens decorrentes e, em alguns casos, com acordos indenizatórios retroativos”, assinala Bobsin. Os bancos fizeram isso porque vinham acumulando um passivo trabalhista muito grande. As pessoas realizavam trabalho de bancário, mas não recebiam como tal.

Promotoras de vendas: precarização e machismo
Outro universo bem diferente é o das financeiras individuais, pequenas financeiras que têm carteira de crédito própria. No Rio Grande do Sul, essas financeiras operam com um alto grau de terceirização e precarização. As chamadas promotoras de vendas, em geral mulheres jovens, não são enquadradas como financiárias. Nas financeiras que foram bancarizadas, diz Carlos Bobsin, não há denúncias da existência de promotoras de venda trabalhando nesta condição. “Quem passa pela rua e é abordado pode ver que está sendo cometido um atentado contra a dignidade dessas trabalhadoras. Vemos a repetição de uma prática machista-consumista muito antiga. O público alvo preferencial dessas abordagens é composto por homens de mais idade, para não dizer que é 100% de homens. Essa situação é muito preocupante”, afirma o diretor do SindBancários.
“Essas promotoras de vendas são os terceirizados dos terceirizados”, resume Luiz Carlos dos Santos Barbosa, diretor jurídico da Federação das Trabalhadores e Trabalhadores em Instituições Financeiras do Rio Grande do Sul (Fetrafi-RS). “Imagine o que vai acontecer se o PL 4330 for aprovado. Veremos uma enxurrada desses promotores de venda em cada esquina oferecendo empréstimos, vendendo seguros. Não teremos controle algum. Que direitos terão essas pessoas? Nenhum!”, adverte Barbosa.
As lojas travestidas de financeiras
Essa prática, assinala Bobsin, é de difícil comprovação, pois há uma alta rotatividade. “A gente denuncia em um dia e quando a fiscalização vai no local, elas não estão mais lá. Quando conseguimos comprovar que essas promotoras estão trabalhando sem serem reconhecidas como financiarias, conseguimos intervir”. “Muitas destas pequenas franquias de crédito são do BMG e têm procuração para atuar como correspondentes do banco. Legalmente, como empresas terceirizadas, não poderiam atuar sem autorização do Banco Central. Esse vínculo com um grande banco dá essa autorização”, explica ainda o diretor do SindBancários.
Mas o problema não termina aí. Além dessas pequenas franquias de crédito e das grandes financeiras, existem as lojas travestidas de financeiras. Entram nesta categoria, empresas como a Renner, C&A, Paquetá, Colombo, Magazine Luiza. Os serviços financeiros prestados nestas lojas não se resumem a operações de crédito para a compra de produtos, abrangendo também a venda de seguros e a oferta de empréstimos.

Os clientes que entram nas lojas atrás de dinheiro
Os funcionários que operam esses serviços são enquadrados como comerciários, apesar de desempenharem funções de bancários e financiários. O setor financeiro destas empresas tem crescido muito. Já há muitas pessoas que entram nas lojas não para comprar algum produto, mas sim para pegar dinheiro. A Fetrafi-RS enviou uma correspondência formal para duas destas lojas no ano passado questionando esse tipo de prática. As empresas não se deram o trabalho de responder a correspondência. Diante dessa ausência de resposta, a Fetrafi planeja acionar o Ministério Público do Trabalho para tratar do tema.
O Sindicato das Instituições Financeiras Não Bancárias do Rio Grande do Sul (Sindfin) tem um número limitado de filiados. As financeiras destas grandes lojas, por exemplo, não são associadas a ele. “Tirando a Colombo, que é daqui, o CNPJ destas empresas está lá em São Paulo. O CNPJ da Magazine Luiza é do interior de São Paulo. Isso traz uma dificuldade muito grande para a nossa ação, pois retira capacidade de negociação”, relata Luiz Carlos Barbosa.
“Olha o caso do banco do Silvio Santos (Banco Panamericano), que faliu recentemente. A Caixa Econômica Federal e o banco Votorantim ficaram com ele. Pois eles diziam para nós que não eram um banco. Eles quebraram dizendo que não eram um banco, só uma financeira, e não queriam negociar conosco alegando que estavam sediados em São Paulo”, exemplifica.

O cenário de uma terceirização total
“Hoje as pessoas entram numa loja para comprar um fogão ou uma geladeira e saem com um seguro e um empréstimo. Quem faz essas operações é, na verdade, um financiário ou um bancário. Éramos 1 milhão e 200 mil bancários em 1989. Hoje somos pouco mais de 450 mil. Onde é que estão esses bancários que sumiram. Eles até podem ter deixado de existir dentro do banco, mas muitos deles estão trabalhando dentro dessas financeiras. Esse pessoal que trabalha na rua oferecendo crédito é mais precário ainda do que a gente imagina”, diz o diretor jurídico da Fetrafi.
Muitos desses funcionários de financeiras de lojas, observa ainda Barbosa, trabalham sábados e domingos sem receber hora extra. “Por isso, repito, imagine o que vai ser um cenário de terceirização total? Essa barbárie agressiva do marketing dos empréstimos que nós vemos nas ruas hoje só vai piorar. Onde é que esse pessoal vai parar? Vão ficar no limbo”.