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23 de agosto de 2015
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17:08

Cidade também é lugar de índios, nós estávamos aqui antes, diz cacique guarani

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
O cacique guarani Cirilo foi o palestrante da abertura da Semana dos Povos Originários | Foto: Guilherme Santos/Sul21
O cacique guarani Cirilo foi o palestrante da abertura da Semana dos Povos Originários | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Luís Eduardo Gomes

A Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) realizou entre quarta e sexta-feira (19 a 21) a Semana dos Povos Originários para debater a situação das comunidades indígenas na sociedade gaúcha. A conferência de abertura do evento ficou a cargo do cacique guarani Cirilo Morinico, que abordou temas como a cultura e o dia-a-dia nas terras indígenas, o choque entre as culturas originária e ocidental e também a situação da demarcação de terras indígenas no Estado.

Cirilo é o cacique da tribo guarani que vive na Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Segundo ele, são 39 famílias e 128 pessoas, incluindo crianças, que vivem do plantio de milho e batata-doce.

Segundo Cirilo, apesar de esta aldeia estar localizada na região há mais de 40 anos – e também existirem antigas aldeias guaranis nas regiões do Lami e do Cantagalo -, o restante da sociedade porto-alegrense acredita não haver mais índios na cidade. “Porque os índios não vivem mais pelados, a sociedade muitas vezes não vê mais índios. Esse preconceito vem porque a sociedade não entende a diferença. Mas não é só roupa, temos cultura, língua, espiritualidade, danças e cantos”, disse ao Sul21.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Semana dos Povos Originários teve três dias de eventos na PUCRS | Foto: Guilherme Santos/Sul21

Para o cacique, um dos principais estranhamentos culturais ocorre quando, por exemplo, famílias inteiras indígenas são vistas no Centro da cidade. “As pessoas dizem que não deveríamos viver assim, com adultos e crianças juntos. Mas nós temos uma cultura diferente, milenar. A maioria vive com crianças porque elas sustentam a nossa alma, o nosso espírito”, disse. “Não é exploração, só uma diferença cultural. Nos criticam, dizem não é lugar dos índios. É o lugar dos índios. Nós somos povos originários que permanecem aqui. Depois que os brancos vieram, mas é um território originalmente guarani”.

Culturas fechadas

Além da conferência do guarani Cirilo, durante a Semana dos Povos Originários foram exibidos os filmes e documentários com temáticas indígenas “Bicicletas de Nhandeú”, “As hiper-mulheres”, “Flor Brilhante e cicatriz de pedra” e “Nós e a Cidade”. Também foram realizadas três mesas-redondas que discutiram temas como aldeias no entorno urbano, a presença indígena na universidade, terra territorialidade e o lugar do indígena na História.

Evento teve debates sobre temas como a participação de indígenas na universidade | Foto: Divulgação/Pucrs
Evento teve debates sobre temas como a participação de indígenas na universidade | Foto: Divulgação/Pucrs

Segundo a professora Maria Cristina dos Santos, do Programa de Pós Graduação em História e uma das organizadoras do evento, a presença de público foi “muito boa”, com uma média de 70 pessoas por palestra e 20 por sessão de filme.

O cacique saudou a realização da Semana dos Povos Originários e afirmou que a presença indígena dentro da universidade é importantíssima, justamente para tratar dessas diferenças culturais.

Contudo, Cirilo reconheceu que uma parte da responsabilidade por esse desconhecimento do restante da sociedade sobre a cultura indígena, especialmente guarani, reside sobre eles próprios. “O guarani, principalmente, é muito fechado, não fala muito, para ter cuidado”, disse, salientando que, no lado espiritual, por exemplo, o branco não pode entrar em casas de reza. “É um local dos deuses, que chamamos de Nhanderu, e não pode entrar quem é de fora. É um conhecimento milenar para nós, não para o público”.

Segundo Cirilo, um dos objetivos desse isolamento cultural é justamente a preservação da cultura guarani, o que também envolve alfabetizar crianças primeiro em guarani e depois em português. “Tem que se formar dentro da cultura guarani e depois na outra. Se forma-se dentro da cultura ocidental, acaba se esquecendo da cultura dele. Esse é um cuidado que os caciques discutem bastante”, afirmou.

Foto: Guilherme Santos/Sul21
Cirilo afirmou que o atual governo cortou recursos do CEPI |  Foto: Guilherme Santos/Sul21

Falta de diálogo com o governo Sartori

Sobre a questão da demarcação das terras indígenas, Cirilo lamenta que a situação esteja totalmente parada no Estado. “No RS, é muito pouca demarcação de terra pela Funai (Fundação Nacional do Índio). O que teve mais foi na época do governo Olívio Dutra, que beneficiou muito os guaranis”, disse o cacique, que também é membro do Conselho Estadual de Povos Indígenas (CEPI).

Em relação ao governo de José Ivo Sartori (PMDB), Cirilo sequer nutre esperanças de avanços na questão de demarcação. “O governo não ajuda em nada. Não estamos esperando, porque é muito difícil”, disse. “Tem que ter uma estratégia de luta para agir nesse governo”.

Além da falta de diálogo com o governo, ele afirma que o CEPI também teve os recursos cortados desde o início do ano, o que prejudica a organização dos diversos povos indígenas que vivem no Estado. “Se não tem recurso, não tem movimento também. Não tem telefone, não tem como se mobilizar”.


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