

Luís Eduardo Gomes
Uma comitiva de vereadores da Comissão de Saúde e Meio Ambiente (Cosmam) da Câmara Municipal de Porto Alegre realizou, na manhã desta terça-feira (20), uma visita ao posto de Pronto-Atendimento Cruzeiro do Sul (Pacs) para verificar as condições de trabalho dos servidores, de atendimento aos pacientes e de segurança do local.
No dia 25 de setembro, uma disputa entre traficantes deixou oito pessoas feridas, que precisaram ser levadas às pressas ao posto e levou à suspensão temporária do atendimento do Pacs, que fica no bairro Santa Tereza. No mesmo dia, um ônibus foi queimado na região.
Após o prefeito José Fortunati fazer um pronunciamento à imprensa pedindo que o governo do Estado enviasse a Força Nacional para ajudar no policiamento da região, o contingente de policiais militares foi reforçado. Profissionais do Postão da Cruzeiro, como o local é mais conhecido, dizem que a medida melhorou um pouco a situação, mas salientam que ainda é rotineira à chegada de pacientes feridos em tiroteios e que, nesses momentos, a segurança deles é colocada em risco.
“No dia em que entra um baleado, o perigo é o familiar, que entra armado”, conta Rosana Metrangolo, enfermeira no Pacs. No relato de quem convive diariamente com a violência no bairro, Metrangolo diz que posto alterna momentos mais tranquilos com outros de total “muvuca”. A situação se torna mais complicada, segundo ela, porque, muitas vezes, não há macas suficientes para todos os pacientes. “Quando colocamos um bandido no chão, corremos o risco de sermos baleados (por um familiar indignado)”, diz.

Uma das principais reclamações que os vereadores ouviram dos profissionais de saúde foi justamente sobre o controle de entrada do posto. Eles contam que como não há macas suficientes para fazer a recepção de pacientes, vítimas de tiroteios chegam ao posto carregadas por familiares, muitos deles armados, que acabam entrando posto adentro.
Eles defendem que deveria haver pessoas treinadas para fazer essa recepção na porta de entrada, o que ajudaria a conter o acesso de pessoas armadas que colocam em risco os profissionais e demais pacientes.
De acordo com o diretor-geral do Pacs, Luis Henrique Tarragô, desde os incidentes do dia 25 de setembro, foi instalada uma campainha de emergência na entrada do posto para facilitar o atendimento quando chega um paciente baleado e para que os familiares possam ser encaminhados para esperar na recepção, sem entrar nos setores de atendimento.
Para amenizar a situação da violência dentro do posto, o vereador Clàudio Janta (SDD) propôs a colocação de um contêiner da Brigada Militar dentro do Pacs que pudesse abrigar até cinco policiais. Janta salientou que a medida se faz necessária por se tratar de uma “zona diferente”, com confrontos frequentes entre facções criminosas. “É uma coisa vista a olho nu. Todos os funcionários não sabem se vão voltar para casa. Nós que viemos aqui já ficamos preocupados”, disse. Durante a reunião, foi possível ouvir um tiro próximo e, da janela, ver homens armados se movimentando em uma via.

Janta salientou que outros hospitais de Porto Alegre já contam com reforço policial, enquanto o Pacs atualmente é protegido apenas por dois homens da Guarda Municipal e por uma empresa de segurança terceirizada. “O HPS tem um posto de polícia lá dentro. O Cristo Redentor tem posto de polícia lá dentro”, disse.
Contudo, de acordo com um líder comunitário identificado apenas como João, os moradores da região não querem que um posto da BM seja colocado no Pacs. Ele diz que o necessário seria trazer a comunidade, que ajudou a construir o Pacs, para participar da rotina do posto.
O reforço do policiamento na região é uma decisão que cabe ao governo do Estado, mas os vereadores se comprometeram a levar a solicitação e a ideia de Janta para a Secretaria de Segurança Pública.
Falta de pessoal e de condições de trabalho
As outras duas principais reclamações feitas pelos trabalhadores do posto aos vereadores na reunião dizem respeito à falta de profissionais e às más condições de trabalho.
Segundo levantamento do Conselho Regional de Enfermagem do Estado (Coren-RS), faltam ao menos sete enfermeiros e 16 técnicos de enfermagem no Pacs. Contudo, como há muitas aposentadorias represadas pela impossibilidade de reposição, a necessidade real seria quase o dobro.
A vereadora Jussara Cony, vice-presidente da Cosman e responsável por presidir o encontro, solicitou que fosse feito um levantamento completo das necessidades de pessoal do Pacs para que a Cosman pudesse pleitear junto à prefeitura o chamamento de profissionais aprovados em concursos – há no momento 63 técnicos de enfermagem aguardando convocação.

Segundo o vereador Dr. Thiago Duarte (PDT), a Câmara precisa avançar na questão dos recursos humanos e certificar-se que os próximos profissionais convocados sejam encaminhados para os estabelecimentos de maior necessidade. “Precisamos carimbar esses recursos para dar prioridade para o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV) e para o Pacs”, disse.
Contudo, talvez a maior reclamação dos funcionários esteja relacionada à falta de manutenção da estrutura do prédio. Diversos profissionais reclamaram que não havia macas suficientes para o atendimento aos pacientes, o que obrigava muitas pessoas a serem colocadas no chão. Também dizem que não há camas e cadeiras para fazer o transporte adequado de pacientes, especialmente quando há necessidade de contenção.
A enfermeira Rosana Metrangolo diz que há berços com grades de segurança quebradas, em que as crianças correm risco de cair, macas sem proteção, cadeiras de rodas pesadas e com as rodas quebradas, além de armários, escrivaninhas e outros equipamentos administrativos em mau estado de conservação.
“Tu entra na sala de atendimento e tem vontade de sair correndo. Tudo é muito difícil para nós. É um sucateamento de muitos anos”, diz, acrescentando que uma melhoria na estrutura também teria um impacto positivo na segurança do posto. “Se tu qualificar o que tu tem aqui dentro, eles vão passar a respeitar mais”.

Elaine Romil, técnica de enfermagem da ala de saúde mental no turno da noite, narrou aos vereadores as dificuldades que enfrentam diariamente causadas tanto pela falta de pessoal quanto pela falta de leito. Segundo ela, recentemente, um pai de uma menina lhe questionou sobre o fato de sua filha ter sido colocada no chão.
“Ele me disse: ‘Tu acha justo que a minha filha que acabou de tentar suicídio seja colocado para dormir no chão?’ É óbvio que não é justo”, disse Elaine. “A gente que trabalha na saúde sofre ameaças, agressões, mas não é direito botar um paciente para dormir no chão. Não interessa se ele é usuário de crack, se é bandido ou o que ele fez lá fora, ele aqui é meu paciente”.
Ela também afirmou que, devido à falta de pessoal, muitas vezes apenas três profissionais são responsáveis por atender mais de 40 pacientes de sua ala por turno. No feriado, a situação pioraria ainda mais, o que também se daria devido ao fato de que a Prefeitura estar limitando o pagamento de horas extras para servidores de todas as áreas.

O depoimento de Romil chegou a emocionar a vereadora Jussara. Ela disse que a situação descrita a fez lembrar de sua mãe, que também atuou na área da enfermagem. Segundo Jussara, já há uma verba federal aprovada de R$ 10 milhões para a reforma do Pacs, mas ainda seriam necessários mais R$ 29 milhões para que fosse realizada uma reforma geral que desse melhores condições de atendimento aos pacientes e de trabalho aos profissionais.
A vereadora salientou que está sendo feita uma articulação para que esta verba esteja prevista no Orçamento Municipal de 2016 como uma emenda popular encaminhada por três entidades, o que aumentaria as chances de inclusão na comparação com um projeto encaminhado pela oposição.
Para melhorar as condições físicas do Pacs, os vereadores Janta e Dr. Thiago lembraram que já há uma lei aprovada na Câmara municipal que permitiu a correção dos índices construtivos de hospitais beneficentes – como Mãe de Deus, Moinhos de Ventos e também inclui o Hospital de Clínicas – em troca da contrapartida de cederem equipamentos que não estão mais em uso para estabelecimentos da rede pública municipal.
Segundo Dr. Duarte, o Mãe de Deus já doou equipamentos que ajudaram na reforma de dois andares do HMIPV e o mesmo poderia ser feito para modernizar o Pacs. O diretor do posto, Luís Tarragô, saudou a possibilidade de receber equipamentos sem a necessidade de ser feita uma licitação, o que seria praticamente inviável. “Qualquer equipamento que eles não usam vai ser melhor do que o que a gente tem aqui”, disse a enfermeira Rosana Metrangolo.
Jussara Cony garantiu que a Cosman se compromete a marcar uma reunião com representantes do governo municipal e dos hospitais para agilizar o processo de doação desses equipamentos.
Apesar de chegar já com a reunião em andamento, o líder do governo na Câmara, vereador Kevin Krieger (PP), salientou que irá levar as demandas indicadas na reunião para o governo municipal, em especial a questão chamamento dos 63 aprovados em concursos e a necessidade de realização de novos concursos públicos para médicos e enfermeiros.
