
Jaqueline Silveira
“Esse PL ele criou, o nosso dinheiro ele roubou, mas se as mina se uni, o Cunha vai caí.” Com cânticos como esse, mulheres saíram, na tarde deste sábado, (7), às ruas da Capital para protestar contra o projeto de lei 5069, de autoria do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), também investigado na Operação Lavo jato por supostamente receber propina e, ainda, manter contas secretas na Suíça.
Aprovado já pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o projeto de Cunha dificulta o aborto legal em caso de estupro e veda as instituições públicas de saúde de fornecerem informações às mulheres vítimas de violência sobre os procedimentos. Também veda o acesso à pílula do dia seguinte. Além disso, propõe a exigência de boletim de ocorrência e do exame de corpo de delito para a vítima de estupro, hoje dispensados.
A iniciativa de Cunha propõe, ainda, punição aos profissionais de saúde que orientarem as mulheres sobre os procedimentos adequados para não correr risco em virtude do aborto. Atualmente, a legislação prevê a punição de dois responsáveis diretamente pelo aborto: a própria gestante e quem realiza esses procedimentos. Já pelo projeto de Cunha, também serão penalizados quem induzir, instigar ou auxiliar a gestante abortar, incluindo os profissionais de saúde.
O próximo passo do projeto é a apreciação no plenário da Câmara dos Deputados. Atualmente, a lei autoriza o aborto em caso de haver risco à gestante ou se a gravidez for resultado de estupro. Além disso, em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) incluiu mais um hipótese: aborto de feto anencéfalo.

O ato na Capital integrou o movimento “Fora Cunha” que vem ocorrendo em várias partes do País, como em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte (Minas Gerais). A concentração em Porto Alegre ocorreu no Parque da Redenção. Coletivos feministas, grupos independentes, estudantes e alguns representantes de partidos organizaram faixas e cartazes e proferiam palavras de ordem ao som de uma batucada, antes de partirem em marcha. Mulheres pintaram o rosto. Algumas delas manifestaram seu protesto em frases no próprio corpo, como “Meu útero é laico”, expressão contida também em muitos cartazes.

“Nesse momento, o PL está sendo simbólico de toda a política do governo”, disse Fabiana Sanguiné, do movimento Mulheres em Luta, referindo-se ao conjunto de projetos que tramita no Congresso Nacional e retira direitos, como o Estatuto da Família, o Estatuto do Nascituro. O retrocesso, na opinião dela, é resultado de um “acordo do PT, PMDB e PSDB.” “As mulheres são as que mais sofrem, ocupam os postos de trabalhos mais precarizados, ganham menos”, comparou Fabiana, apontando que elas serão as maiores vítimas do “pacote de retirada de direitos”.
“O ‘Fora Cunha’ chamado em Porto Alegre é a palavra de ordem mais gritada”, explicou a feminista. Entretanto, havia cartazes com protestos contra a presidente Dilma Rousseff (PT), o vice Michel Temer (PMDB) e o senador Aécio Neves (PSDB). Da Redenção, as manifestantes partiram em marcha até a frente da Assembleia Legislativa. O “Fora Cunha” estava expresso em cartazes em forma do aparelho reprodutor feminino.
Na Avenida João Pessoa, as mulheres distribuíram panfletos aos motoristas com informações sobre o PL 5069 e recebem apoio, por meio das buzinas. Com a ajuda de um megafone e do coro, elas procuram esclarecer os motivos da marcha: “Isso não é sobre sexo, é sobre violência”. Além da posição contrária à proposta de Cunha, as feministas defenderam a legalização do aborto. Alguns cartazes, inclusive, traziam frases, como “Em 74% do mundo, o aborto não é crime” e “Saúde pública diferente crença pessoal”, além de gritos de “A pílula fica, o Cunha saí” e “que contradição, aborto é crime, homofobia não.”
“As mulheres que mais sofrem com a criminalização do aborto são as mulheres negras, as trabalhadoras e as da periferia”, afirmou a estudante de Letras Adriele Albuquerque de Souza, coordenadora do Diretório Central de Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Também integrante do coletivo Primavera e da Assembleia Nacional de Estudantes Livre, ela criticou o fato de uma mulher governador o país e “não lutar pelos direitos” das representantes do sexo feminino.
Outra estudante que carregava um cartaz em defesa da legalização do aborto lamentou os retrocessos praticados no Congresso Nacional. “Certamente é um ano perdido para as mulheres, para os trabalhadores com um Congresso conservador e reacionário”, avaliou ela, que preferiu não se identificar. Ao mesmo tempo, a estudante comentou que atos como ocorrido na tarde deste sábado “é um alento” de que no futuro “nossas pautas vão se legitimar”.

Ao longo do trajeto, as manifestantes, que receberam o apoio de muitos homens na marcha, gritaram diferentes palavras de ordem contra o presidente da Câmara dos Deputados: “Cunha, seu machista! É corrupto e ainda moralista.” Já alguns professores e funcionários de escolas, que representavam o coletivo Construção Socialista, tiveram como alvo, além de Cunha, os ajustes fiscais da presidente Dilma e do governador José Ivo Sartori (PMDB), protesto estampado nas camisetas. “Também é contra a corrupção. É uma vergonha que esse homem ainda esteja lá”, frisou a professora Laura Marques, referindo-se ao presidente da Câmara dos Deputados.

Em alguns locais, como na Avenida Salgado Filho, em que muitas pessoas se aglomeravam nas paradas de ônibus, as manifestantes as convidavam para se juntar à marcha: “Vem, vem, vem pra rua, vem pro fora Cunha”. Ainda na Salgado Filho teve um efeito especial, quando um dos manifestantes lançou uma fumaça rosa, colorindo um dos trechos da via.
Já na Avenida Borges de Medeiros ocorreu um fato inusitado. Enquanto as mulheres marchavam e gritavam palavras de ordem, um homem saiu em meio às pessoas que estavam nas paradas, baixou as calças e mostrou as nádegas às manifestantes, que responderam com “Machista, machista, machista”.
A marcha se encerrou na Assembleia Legislativa. As manifestantes tomaram a entrada do Teatro Dante Barone, empunharam cartazes e bandeiras e repetiram as palavras de ordem proferidas em coro durante o trajeto desde a Redenção. Na próxima sexta-feira (13), um novo ato deverá ocorrer na Capital.

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