
Jaqueline Silveira
O painel “Devido Processo e o Valor da Legalidade” reuniu professores ligados à área em seminário realizado no Curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na tarde desta terça-feira (29), para um debate sobre o momento vivido pelo país, especialmente do ponto de vista jurídico.
Professor de Processo Penal, Antônio Carlos Tovo Loureiro foi um dos painelistas e focou sua exposição nas decisões jurídicas referentes à operação Lava Jato. No início, ele conclamou os estudantes, que acompanhavam o painel no Salão Nobre do Direito da UFRGS, a dialogar e refletir sobre o momento. “Os temas são muito graves para tratar em ritmo de Gre-Nal”, justificou o advogado, acrescentando que as questões vão além do “Fora PT”, e “Não vai ter golpe”.
Antes de tecer críticas à condução da operação Lava Jato, que investiga desvios de recursos na Petrobras, Loureiro adiantou “que não sou petista e não votei na presidente (Dilma Rousseff).” “Eu concordo com a finalidade declarada (combate à corrupção) da Lava Jato, o que eu discordo é do procedimento”, explicou ele. O professor questionou, por exemplo, se o juiz, no caso Sérgio Moro, tem a imparcialidade necessária para o julgamento dos réus, já que também é o magistrado que concede medidas cautelares, ou seja que acompanha toda a instrução do processo.

Delação premiada
Sobre a delação premiada, o advogado questionou sua validade, citando, por exemplo, a colaboração do senador Delcídio do Amaral. “A delação gerou uma convulsão social, mas não falaram quanto tempo ele ficou preso antes da delação”, observou Loureiro. Nesse mesmo contexto, o advogado citou a Operação Xepa, a 26ª fase da Lava Jato, em que a secretária da empreiteira Odebrecht forneceu informações em delação premiada, feita depois que seus dois chefes foram soltos.
Conforme ele, a secretária, “uma pessoa com menos participação, com menos gestão dos fatos”, continuou presa e acabou pressionada para revelar as informações. “Qual a possibilidade de confiança em uma prova obtida dessa forma?”, questionou o professor, referindo-se à pressão psicológica a qual a secretária foi submetida. Apesar das delações provocarem debates e discordâncias, observou ele, elas têm sido homologadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “O Supremo quando tenta coibir excessos é pressionado pela população”, avaliou ele, lembrando das ameaças sofridas por ministros e familiares ao tomar decisões que desagradam os interesses de um grupo ou de outro da sociedade.
Áudios vazados
As interceptações telefônicas também foram abordadas pelo advogado. “Todos os diálogos de interceptações transcritos em jornais e áudios em rádio e televisão são fruto de uma prática delituosa”, afirmou o professor, esclarecendo que são sigilosos e só dizem respeito ao processo e às partes. Loureiro deixou claro que não estava se referindo somente aos áudios divulgados no dia 16 de março envolvendo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta Dilma, mas também às interceptações feitas e divulgadas, por exemplo, entre traficantes da Vila Cruzeiro, na Capital. Na opinião dele, áudios vazados para a mídia com “claro interesse político e de convulsão social, é crime”. “Isso é fruto do crime. O Processo Penal é formalidade”, frisou Loureiro, acrescentando que é preciso respeitar as garantias e que elas valem “tanto para o réu x quanto para o réu y.” Ele alertou, ainda, para as consequências de um juiz assumir o papel de justiceiro: “acabou a possibilidade de julgamento justo.”
Em relação às conduções coercitivas, medida tomada com frequência pelo juiz Sérgio Moro e que foi alvo de questionamentos, principalmente pela condução de Lula à Polícia Federal, o advogado afirmou que, de acordo com a lei, “ela se prestaria ao sujeito que é intimado e não comparece.” “Esse tipo de violação do procedimento tem um efeito radioativo péssimo”, opinou Loureiro, ao responder uma pergunta de um dos estudantes.
Em resposta a outro estudante sobre o pedido de impeachment protocolado pela OAB nacional, na última segunda-feira (28), na Câmara dos Deputados, o professor avaliou como “juridicamente fraco.” O pedido é baseado nas pedaladas fiscais, renúncia fiscal para a Copa do Mundo de 2014, tentativa de nomeação de Lula para ministro-chefe da Casa Civil para garantir prerrogativa de função e a delação premiada do senador Delcídio. “Existe viabilidade para processar, não digo que tenha validade no mérito. “Há indícios de prática de crime de responsabilidade”, avaliou Loureiro.

Combate à corrupção
Outro painelista, o professor de Ciência Política Luciano Da Ros fez uma exposição sobre o combate à corrupção em outros países do mundo, como na Itália, com a Operação Mãos Limpas. A investigação, inclusive, foi tema de um artigo publicado pelo juiz federal Sérgio Moro. Na opinião dele, essas operações servem mais para a “escandalização da política” do que para reformas, citando como exemplo a própria Itália. “As pesquisas apontam que não alterou substancialmente”, comentou ele, sobre as consequências da operação no país europeu. No caso dos países em que houve esforços liderados pelo Poder Judiciário, avaliou Da Ros, o combate à corrupção resultou mais “em campanhas transitórias” do que em reformas de resultados duradouros. Assim, tanto os políticos que combatem a corrupção quanto agentes como Moro, conforme Da Ros, “correm o disco de passar e não deixar grande resultado se suas medidas não forem acompanhados de outras reformas.”
Já o professor Paulo Baptista Caruso MacDonald, organizador do seminário, analisou o interesse público alegado para justificar algumas decisões judiciais. Para ele, o interesse público “não tem sido usado no sentido jurídico.” “Interesse público é o que dá ibope, vende revista”, criticou MacDonald.

Ainda participaram do painel os professores Laura Beck Varela, Wladimir Barreto Lisboa e Eduardo Scarparo.