
Marco Weissheimer
As medidas anunciadas pelo governador José Ivo Sartori na última segunda-feira não só não resolverão os problemas estruturais da crise financeira do Estado como agravarão a situação econômica do Rio Grande do Sul, repetindo experiências fracassadas que seguiram essa mesma lógica em anos anteriores. A avaliação é do ex-governador Tarso Genro que, em entrevista ao Sul21, define o pacote encaminhado à Assembléia Legislativa como um conjunto de medidas de olho apenas no caixa imediato e que transfere as responsabilidades da crise para o funcionalismo público, agravando ainda mais a situação de serviços públicos essenciais como saúde, educação e segurança.
“Tanto o governador Britto como o governador Simon trilharam o mesmo caminho e o resultado foi lamentável. Estas medidas privatizantes e de ataque ao serviço público são espasmódicas em cada crise do capitalismo global e tem apenas um efeito hipnótico, de suposto avanço em setores do empresariado e da alta classe média, que acham que o Estado atrapalha a sua vida. O problema é que a ampla maioria da sociedade, num país de brutais desigualdades sociais e concentração de renda, como o nosso, precisa de políticas públicas fortes para ter uma vida decente, mesmo que elas não sejam perfeitas”, afirma o ex-governador.
Sul21: Qual a sua avaliação sobre o pacote de medidas anunciado na última segunda-feira pelo governador José Ivo Sartori?
Tarso Genro: Estas medidas não vão tirar o Estado da crise financeira nem a curto nem a médio prazo, por três motivos fundamentais: enfraquecem as funções públicas do Estado, que é um grande comprador de serviços e obras do mundo privado; não criam um clima de segurança jurídica e política capaz de atrair investimentos, já que não geram nenhuma diferença competitiva, em termos de paz social e agilidade, para o funcionamento do setor público para atrair investimentos privados locais, nacionais e globais. São medidas de governo apenas de olho no caixa imediato, transferindo as responsabilidades pela crise apenas para o funcionalismo público, criando brutais dificuldades principalmente para a saúde, educação e segurança.
A incoerência das medidas é de tal monta que o Governo do PMDB não privatiza a Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), criada pelo nosso Governo, sob duras críticas do PMDB, e acaba, por exemplo, com a FEE, que os Governos do PMDB sempre elogiavam. Ambas são instituições importantíssimas para o Estado, como são as demais estatais, que o Governo pretende sejam privatizadas, sem consulta pública.
Sul21: Ao justificar o pacote de medidas, o governador Sartori chegou a citar a ex-pirmeira-ministra britânica Margaret Thatcher para justificar a necessidade das mesmas. Estamos assistindo a um retorno das teses do Estado mínimo?

Tarso Genro: Tanto o governador Britto como o governador Simon tentaram trilhar o mesmo caminho e o resultado foi lamentável. Estas medidas privatizantes e de ataque ao serviço público são espasmódicas em cada crise do capitalismo global e tem apenas um efeito hipnótico, de suposto avanço em setores do empresariado e da alta classe média, que acham que o Estado atrapalha a sua vida. O problema é que a ampla maioria da sociedade, num país de brutais desigualdades sociais e concentração de renda, como o nosso, precisa do Estado e as pessoas mais pobres e de renda média-baixa, precisam de políticas públicas fortes para ter uma vida decente, nem que elas não sejam perfeitas.
Na questão segurança pública, por exemplo, uma minoria de famílias pode se encerrar em condomínios seguros, ou podem, quanto às questões da saúde, fugir para um bom plano privado. Em determinados momentos, as posições políticas sobre as funções do Estado, se confundem, e o direitismo liberal se junta ao esquerdismo dos extremos. Lembro que na disputa pela minha reeleição, quando já tínhamos concedido 74% de aumento aos professores, que mereciam mais, é óbvio, mas era impossível fazê-lo naquele momento, o CPERS, sob outra direção, lançou uma nota recomendando que os professores não votassem na nossa candidatura. Essa corrente política ajudou a construir esta situação que aí está.
Sul21: Ao apresentar o pacote de medidas, o governador Sartori fez críticas ao setor público e ao trabalho desenvolvido atualmente pelos servidores do Estado, classificando-o como “ultrapassado e defasado, que não enxerga mais as pessoas”. O seu governo foi acusado pela oposição da época de promover uma “gastança” com reajuste de servidores. Qual sua opinião sobre essa avaliação?
Tarso Genro: Não há dúvida que existem diferenças salariais exageradas no setor público e distorções acumuladas neste últimos cinquenta anos. Mas a correção destas distorções deveria servir para deslocar ganhos para a base da pirâmide salarial, que é muito mal remunerada, e não apresentá-las à sociedade como prova de que os servidores públicos são um bando de privilegiados que impedem a recuperação financeira do Estado, como está sendo feito. Na verdade, mesmo que se fizesse um corte de direitos de forma linear, isso não atingiria nenhum resultado salvacionista, porque o principal problema financeiro do Estado é a dívida pública, que tem raízes numa negociação feita pelo próprio PMDB, não a folha de pagamentos do Estado.
Essa propaganda que fazem, do excesso salarial de determinados setores do serviço público, seja do Judiciário, do Executivo, do Legislativo, não visa, na verdade, corrigir estes erros dentro de um programa de reforma do Estado Social, para melhorá-lo, mas visa chegar ao Estado Mínimo, sem preservar direitos e visa cativar o ódio do cidadão comum, contra o serviço público, contra o Estado, como se as questões mais profundas pudessem ser resolvidas por uma tecnocracia iluminada, sem democracia, sem participação democrática da sociedade.
Sul21: O teor das medidas anunciadas agora para enfrentar a crise financeira do Estado chegou a surpreendê-lo?

Tarso Genro: Até há pouco eu dizia que pelo menos a população não poderia se dizer enganada, porque o então candidato Sartori disse, claramente, que não sabia o que iria fazer, se ganhasse a eleição. Depois que ele citou Margaret Thatcher, para justificar as suas reformas, eu mudei de opinião: acho que ele sabia, mas não queria dizer. Não é qualquer um que conhece a senhora Thatcher. Aumentou impostos, deixou de pagar a dívida com a União, congelou salários e concursos, atrasou salários, vai privatizar empresas, acabou com as políticas de combate a pobreza e de segurança pública, reduziu em termos reais a arrecadação, vai receber recursos da repatriação e o Estado só anda pra trás. Só mesmo Thatcher poderia ser a sua musa. Seus porta-vozes dizem que a culpa é do governo anterior, que deu aumentos salariais para os servidores e contratou mais servidores para a segurança e a educação, principalmente, governando dentro da mesma crise.
Sul21: O governo Sartori está chegando à metade do seu mandato. Considerando as medidas propostas agora qual a projeção de futuro que é possível fazer para os últimos dois anos do atual governo e para a disputa eleitoral de 2018?
Tarso Genro: O que nos espera é o seguinte: no último ano do seu governo, usando os recursos dos contratos de financiamento, todos deixados prontos pelo nosso governo, a chamada grande imprensa vai mostrar algumas obras, como prova da recuperação do Estado, para tentar manter o eixo PMDB-PSDB no poder, o que fará, tanto aqui, como em nível nacional. Governos como este só são montados através de uma grande aliança do liberal-rentismo com o oligopólio da mídia, para fazer as reformas ao gosto da senhora Thatcher.
Não será surpreendente, porém, se o campo democrático progressista não se acordar para um sistema de alianças de alta qualidade programática, em torno de temas como democracia, desenvolvimento, participação e emprego, forjando desde logo formas inovadoras de comunicação com a sociedade, menos destinadas a questões meramente eleitorais e mais para a formação de uma consciência cidadã autônoma, que o eixo PMDB-PSDB, até mesmo com Sartori, se torne novamente competitivos, em termos eleitorais. Vejam a tragédia que foi a gestão Alckmim, em termos de corrupção, incompetência de gestão, caos na segurança, violência policial desmedida. Mesmo assim, obteve uma vitória no primeiro turno, na sua reeleição. Vivemos uma época em que o real, as idéias e os fatos, contam muito pouco para a formação da soberania popular. O que conta é a narrativa dos oligopólios da mídia, como eles desenham a realidade, segundo seus interesses políticos. Afinal, a campanha que destituiu Dilma, foi uma campanha contra a corrupção e quem foi para o poder foi uma confederação de investigados e denunciados, explicitamente para fazerem o chamado ajuste.