
Fernanda Canofre
A semana foi marcada por protestos e ocupações de indígenas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, em escritórios da Secretaria Especial da Saúde Indígena, ligada ao Ministério da Saúde (Sesai) e do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) nos dois estados e em Brasília. Mas na quinta-feira (7), cerca de 700 indígenas kaingang chegaram a Passo Fundo, na região norte do RS, para colocar o contraponto. Sem prestação de serviços por causa dos escritórios paralisados, segundo eles, o grupo participou de reuniões com a Advocacia Geral da União (AGU), Ministério Público Federal (MPF), Justiça Federal (JF) e Polícia Federal (PF) para pedir a desocupação imediata da sede da Sesai no Planalto Médio.
As ocupações que ocorrem em pólos da saúde indígena administrados pelo Distrito Sanitário da Região Sul pediam pela apuração de denúncias de assédio moral e sexual, que teriam sido cometidos por servidores contra servidoras, e o afastamento do atual gestor Gaspar Paschoal, nomeado para o cargo em outubro do ano passado. De acordo com Zaqueu Claudino, presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas (Cepi), o pedido de que o grupo de indígenas fosse retirado do escritório da Sesai em Passo Fundo partiu de 14 lideranças kaingang que cobravam a normalização dos serviços de atendimento.
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“Em nenhum momento estamos apoiando gestor A ou B. O que queremos é que os serviços voltem a funcionar”, explica Zaqueu. “Independemente de gestor, a questão da saúde indígena está ruim desde que era a Funasa [o órgão encarregado]. Só que nós precisamos conversar entre nós, não é afastando ninguém que vai melhorar”.
Assim como os indígenas que optaram pela ocupação denunciam loteamento político de cargos da saúde, os indígenas que são contra o movimento também o acusam de interesses políticos por trás. A questão acabou virando um embate entre povos indígenas do Rio Grande do Sul.
“Só quem ganha é o pessoal da mídia, acho que eles deveriam ver o tamanho do estrago que isso fez para a imagem dos indígenas do Rio Grande do Sul”, diz Zaqueu. Sobre as denúncias de assédio levantadas por servidoras indígenas, ele diz que “não acredita, nem desacredita”. “Isso é caso de polícia, não de gestão. O que envolve a gestão é depois de ter sido denunciado”. Zaqueu questiona que as servidores não teriam apresentado Processo Administrativo e Disciplinar contra os supostos assediadores, optando em partir direto para o movimento. Ele também diz desconhecer o caso de agressão sofrida por mulheres indígenas que participavam da ocupação em Passo Fundo, até quinta-feira.
Uma das servidoras que denuncia ter sofrido assédio sexual, Leda Sales, conta que na manhã de quinta, um grupo de quatro mulheres teria entrado na Sesai de Passo Fundo, ainda ocupada e agredido ela e outras pessoas. “Nós estávamos trabalhando perto da janela, ela chegou e arrancou as faixas de ocupação que estavam lá e deu na cara [de outra companheira], puxou o óculos dela. Quando eu olhei, foi tudo muito rápido, a outra guria me deu dois tapas na cara”. Leda chegou a prestar queixa na delegacia de Polícia por agressão.
Os cartazes levados pelos manifestantes contrários à ocupação citavam nomes de várias pessoas ligadas ao movimento que pede a saída de Gaspar. Entre elas, a indígena Fernanda Kaingang, que esteve em Brasília para levar as denúncias ao secretário da Sesai, Marco Antônio Toccolini. Uma das faixas dizia: “você não nos representa”. Em nota, a Sesai prometeu investigar as denúncias com “rigor”, para então decidir sobre a permanência ou saída de Gaspar do cargo.

“O interessante é que eu não estou dentro da Saúde Indígena, porque ela hoje é chefiada por uma máfia. Então, eu estou fora mesmo e quero continuar dentro. Quero, de quem está dentro, que apurem as denúncias e seja feito afastamento e responsabilização dos prepostos do Dsei Região Sul o mais rápido possível”, se defende Fernanda. Ela questiona o que indígenas da reserva de Guarita faziam protestando em Passo Fundo, já que não seriam atendidos pelo polo da Sesai da cidade.
Zaqueu contraria a versão. Com escritórios sendo desocupados, ele, que mora em Guarita, reserva com população de 9 mil indígenas, acredita que a saída é o diálogo. “A questão da saúde indígena não está boa, só temos que dialogar para melhorar. Dessa forma, não tem como. As lideranças falam que não está boa, mas do jeito que começou tudo isso, piorou”.