
O curta-metragem “Nhemongarai” estreou nesta quinta-feira (22) na Tekoá Anhetenguá, conhecida como Aldeia Guarani da Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. O Sul21 conversou com os diretores Jorge Morinico e Hopi Chapman sobre o processo de realização do filme e os desafios de representar a espiritualidade indígena no cinema.r
O nome da obra origina-se dos rituais do Nhemingarai, cerimônias tradicionais de nomeação de crianças e de purificação de sementes e alimentos. Esse ritual espiritual e cultural é o elemento central do filme, que acompanha o cotidiano da comunidade Guarani Mbyá na preservação e transmissão de seus saberes ancestrais.
As gravações aconteceram na própria aldeia Anhetenguá, na Lomba do Pinheiro. O elenco é formado inteiramente por integrantes da comunidade Guarani. Para Jorge, a produção fortalece a aldeia tanto internamente quanto no diálogo com a sociedade. “A gente tem que mostrar a nossa realidade, como a comunidade se organiza também em termos de espiritualidade, porque é importante que a sociedade não indígena veja a diferença, que nós estamos em dois mundos diferentes, um mundo dos branco e um mundo indígena”, afirma.
A ideia do curta surgiu a partir de uma produção anterior da dupla de diretores. Jorge e Hopi já haviam trabalhado juntos no média-metragem “Guata”, lançado em 2022, onde o ritual Nhemongarai é mencionado. Com a nova obra, decidiram aprofundar esse aspecto da espiritualidade Guarani. O filme foi viabilizado por meio da Lei Paulo Gustavo Porto Alegre – Cinema, com apoio da Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre e do Ministério da Cultura.
Segundo os diretores, a produção foi construída como um intercâmbio de visões entre Jorge, indígena Guarani Mbyá, e Hopi, não indígena. “Ele respeita muito a minha decisão, de quais imagens a gente tem que mostrar, quais a gente não vai. O que é pra traduzir da fala, como traduzir. Então eu aprendo muito com ele e ele aprende também”, conta Jorge.
O diretor Hopi destaca a oportunidade que as gravações proporcionaram a ele para “aprender com a maneira Guarani de fazer cinema”. Segundo relata, estar inserido na comunidade durante as filmagens foi essencial para o processo. “Permite conhecer a cultura profundamente, um conhecimento ancestral, com rituais. A sabedoria Guarani é diferente, sobre a questão da sustentabilidade, da espiritualidade e da ancestralidade”, pontua.
Jorge também relata o desafio de adaptar elementos da espiritualidade indígena para o roteiro, transformando uma linguagem simbólica em componentes técnicos do documentário. Além dessa adaptação de significados, foi necessário um cuidado especial com as traduções da língua guarani para o português, garantindo que o sentido espiritual e cultural fosse preservado. “Tem que sentar com as pessoas mais velhas para traduzir, pelo menos o mais parecido, porque às vezes não tem a fala em português, só tem mais próximo. A gente tem que ir com calma, respeitando, entendendo o ritmo”, conta.
A sessão de estreia ocorreu na quinta-feira (22) na Aldeia Guarani. A exibição contou com a presença de cerca de 70 pessoas, entre moradores, convidados e crianças e faz parte de uma série de pré-estreias em aldeias da região metropolitana de Porto Alegre, como a Pindo Poty, no Lami, Cantagalo, em Viamão, e Tekoá Mirim, em Mariana Pimentel. A expectativa dos diretores é que o filme circule em mais comunidades indígenas e também em salas de cinema e festivais.