
O Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan) no Rio Grande do Sul está mobilizado para localizar filhos e filhas de ex-pacientes internados compulsoriamente com hanseníase no Hospital Colônia Itapuã (HCI), em Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre. O movimento atua na conscientização dos familiares de pacientes sobre seus direitos e na preservação da memória do HCI.
Entre as décadas de 1940 e 1980, mais de duas mil pessoas com hanseníase, então chamada de lepra, foram isoladas no HCI, sem possibilidade de convivência com seus familiares. O confinamento compulsório fazia parte de uma política nacional de combate à doença, na época considerada incurável e altamente contagiosa.
Em 2021, com pacientes ainda internados no complexo hospitalar, foi anunciado o encerramento das atividades do Hospital. Diante das incertezas sobre o futuro do espaço e das pessoas que ali permaneciam, foi criado o núcleo gaúcho do Morhan, um movimento de atuação nacional, com o objetivo de assegurar os direitos humanos dos pacientes.
Magda Chagas, coordenadora do Núcleo Morhan Porto Alegre e Região Metropolitana e neta de ex-pacientes do Hospital Colônia, relata que o movimento teve papel fundamental na garantia de que todas as pessoas ainda internadas recebessem a assistência devida, conforme previsto em lei.
“Os pacientes tinham que ter vontade de sair do hospital. Alguns foram para residenciais terapêuticos, outros foram para família, teve quem alugou casa na vila de Itapuã. E cinco pacientes ficaram até o último momento da luta, porque não quiseram sair do hospital”, relembra Magda.
A partir de 2024, com a regulamentação da indenização vitalícia para filhos separados de seus pais por conta das internações compulsórias, o Morhan tem atuado ativamente para localizar essas pessoas e ajudá-las a reunir a documentação necessária para obter a pensão. A legislação reconhece como um erro histórico a separação forçada de crianças de seus pais em razão da hanseníase, e busca reparar os danos causados a esses indivíduos, que foram privados da convivência familiar.
Conforme Magda, estima-se que cerca de 400 pessoas sejam filhas de ex-pacientes do Hospital Colônia no Rio Grande do Sul. No entanto, até o momento, apenas aproximadamente 30 indivíduos procuraram o Movimento para receber auxílio nos pedidos de indenização. “Temos que achar, eles têm direitos. A gente teria que fazer um agito para localizar essas pessoas, porque senão nós não vamos conseguir, muitos foram embora para outros estados, é complicado”, relata a coordenadora do Morhan.
Dentre os filhos, há tanto bebês que nasceram dentro do hospital e foram encaminhados para educandários, sem contatos com seus pais, quanto aqueles que permaneceram com outros integrantes da família após a internação de sua mãe ou pai.
O primeiro caso é o de Joel Ramos Rosin, um dos doze filhos de Matheus Rosin e Valdeci Ramos Barreto, ambos pacientes internados compulsoriamente no Hospital Colônia Itapuã (HCI). Durante o período de internação, o casal teve doze filhos, todos encaminhados para educandários após o nascimento e separados dos pais.
Joel conta que ele e seus irmãos cresceram no educandário Amparo Santa Cruz, em Belém Velho, bairro de Porto Alegre, ao lado de outras crianças que também possuíam pais diagnosticados com hanseníase. Até 1986, o contato dos pais, residentes do Hospital Colônia, com seus filhos, era proibido.
“Eu carrego as minhas sequelas. Porque a infância é um período onde a gente tenta fazer uma construção do que tu vai ser na vida adulta. E o processo da criação do Hospital Colônia e do Amparo Santa Cruz, o objetivo das duas instituições eram separar as pessoas que tinham hanseníase da sociedade, as pessoas eram segregadas, os filhos eram segregados”, relata Joel.
Hoje, a mãe de Joel, Valdeci, reside em um lar administrado pelo Governo do Estado, para onde foi transferida após o fechamento do Hospital Colônia Itapuã. Seu pai, Matheus, faleceu em 2007, ainda durante o período de internação no hospital. Joel e seus irmãos já encaminharam a documentação necessária para solicitar a indenização prevista pelo Governo Federal.
“Mas isso não termina agora, não termina agora depois da aprovação desta lei, depois de todos os processos que está sendo criado e para que aconteça a reparação em si, a indenização. Tem os próximos passos daqui adiante, que são as memórias que a gente tá tentando resgatar e preservar”, pontua Joel.
O processo de preservação da história do Hospital Colônia Itapuã e das trajetórias dos pacientes que ali viveram por décadas é uma das prioridades do trabalho desenvolvido pelo Morhan. Parte desse esforço envolve a questão do espaço físico do hospital. Em 2023, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou a inclusão do HCI na lista de patrimônios históricos e culturais do estado. Em âmbito federal, o processo de tombamento ainda está em andamento. Até o momento, o destino definitivo da área permanece indefinido.
No entanto, a deterioração da estrutura preocupa. “Tiraram os pacientes, mas deixaram tudo vazio. As estruturas estão abandonadas, caindo aos pedaços. Já se vão quase dois anos sem um projeto definido para o local”, denuncia Magda.
Para dar visibilidade à história, uma exposição sobre o HCI está sendo realizada pelo Morhan nesta semana na Assembleia Legislativa do RS e segue até a sexta-feira (16). Com formato itinerante, a exposição deve circular por outros municípios e entidades.