
A Articulação Antinuclear Brasileira (AAB) dirigiu mensagem aos participantes da 5ª Conferência Nacional de Meio Ambiente, encerrada sexta-feira passada, em Brasília, revelando algumas ”Verdades sinistras da política nuclear brasileira”. O documento chamou a atenção para a crise vivida pelo setor que rendeu R$ 5 milhões de prejuízos diários, gerados pela histórica greve dos trabalhadores da Eletronuclear, em abril último, contra demissões, baixos salários e a alarmante falta de segurança nas usinas atômicas de Angra dos Reis (RJ).
A paralisação de 21 dias escancarou o caos interno de uma indústria marcada por disputas políticas e corrupção, que derrubou até dirigentes da empresa. O mais chocante? A indústria nuclear brasileira nunca dominou a tecnologia de geração de energia nuclear que tenta empurrar ao País há 70 anos. São quase 100 anos de estudos, dívidas e promessas não cumpridas.
O documento listou as características principais do programa nuclear brasileiro: a insegurança em radioproteção, que ameaça a vida de humanos e da Mãe Terra; a mentira institucionalizada ocultando perigos da energia nuclear; a falta de transparência e controle social, que encobrem a caótica gestão e o monitoramento e fiscalização deficitárias.
O manifesto reafirmou as reivindicações da AAB e de centenas de entidades e movimentos sociais e populares: fim da mineração de urânio; desmonte das usinas Angra 1 e 2 e a renúncia à conclusão de Angra 3. Abaixo reproduzimos parte do manifesto que pode ser acessado na íntegra aqui.
“R$5 milhões de prejuízo diário foi o saldo da greve anti-demissão, por melhores salários e por preocupação com a incorrigível falta de segurança nas instalações da Eletronuclear, gestora das usinas atômicas de Angra dos Reis (RJ). O fim da greve de 21 dias (abril/25) permitiu à política nuclear contornar um de seus mais graves conflitos – causados pelo histórico duelo entre interesses de grupos rivais – que rendeu até a queda de dirigentes da empresa. A crise evidenciou o desastre da indústria nuclear tupiniquim. O setor completa 70 anos sem nunca ter conseguido dominar a tecnologia de geração de energia nuclear, apesar dos militares terem iniciado estudos uraníferos no Brasil há 95 anos.
Falhas técnico-operacionais e a temerária gestão financeira chegou ao auge, com previsão da Eletronuclear falir em junho próximo, se não conseguir o aporte emergencial de R$ 2,1 bilhões, que o Ministério da Fazenda hesita em facilitar. Recorrentes vistorias de órgãos fiscalizadores registram ilegalidades, processos judiciais e multas bilionárias devidas à Agência Nacional de Mineração, BNDES e CEF (empréstimos para produção do combustível das usinas atômicas). Há anos, auditorias do TCU questionaram o desempenho do ‘caixa-preta’ do setor, que move cifras astronômicas, advertindo que a falta de regras na produção do combustível atômico e deficiências na gestão de riscos poderiam resultar em desequilíbrio econômico e financeiro.
Gestada no seio da ditadura militar, a política nuclear viveu divergências e acirradas disputas entre os projetos secretos das forças armadas, abrangidos pelo Programa Nuclear Paralelo/Clandestino, dedicado a enriquecer urânio para fabricar armas e combustível para usinas. Conflitos se davam também entre setores pró norte-americanos e nacionalistas, que denunciavam entreguismo, corrupção e erros elementares dos projetos. Nos anos 1940, o Brasil já fornecia minerais só construiu (durante 20 anos) Angra 2. Por desconfiar da segurança do projeto, a Alemanha desistiu de financiar Angra3 (em construção há 44 anos). A obra do submarino nuclear (acordado com a França) dura anos, com previsão de radioativos (como urânio, tório) aos Estados Unidos, que “autorizaram” a construção (durou 13 anos) da primeira usina nuclear, Angra 1. Depois, o acordo de cooperação com a Alemanha Ocidental – previa a construção de 8 usinas – mas conclusão (sempre adiada) para 2040.
A política nuclear brasileira parece condenada a uma eterna dependência tecnológica. As críticas ao conceito de ‘segurança nacional’, que cercam essas atividades, levaram à criação, em 1978, de uma CPI nuclear, que, apesar da confirmação de problemas em transações, como exportação de materiais estratégicos, deu em ‘pizza’.”
(*) Professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco, graduado em Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP/SP), mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de Pernambuco (DEN/UFPE) e doutorado em Energética, na Universidade de Marselha/Aix, associado ao Centro de Estudos de Cadarache/Comissariado de Energia Atômica (CEA)-França.
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