
Henrique Morrone (*)
A proposta de pacote de gastos do governo tem gerado uma forte reação nos mercados, com desdobramentos negativos para a estabilidade cambial. O que vem ocorrendo, na prática, é uma fuga de capitais, já que os investidores acreditam que o pacote não contempla medidas suficientes para alcançar o equilíbrio fiscal. Como resultado, há uma pressão sobre a taxa de câmbio, que acaba sendo desvalorizada de maneira substancial.
Como é comum, a política prevalece sobre a economia. É notório o desafio enfrentado pelos governos de esquerda na implementação de suas agendas progressistas. Isso ocorre porque os empresários, que controlam os investimentos, podem optar por reduzi-los. Vale lembrar que os empresários têm sindicatos e, em certos casos, podem fazer uma “greve” de investimentos, o que representa um grande desafio para os governos de esquerda da América Latina.
No entanto, o que estamos observando agora é algo um pouco diferente. O movimento do neoliberalismo, com sua ênfase na financeirização e na globalização, colocou a conta de capital como prioridade, relegando a balança comercial a um segundo plano. Nesse contexto, os fluxos de capitais passam a desestabilizar a taxa de câmbio. Assim, um plano malvisto pelo mercado provoca a fuga de capitais, resultando na depreciação da moeda. Importante notar que, atualmente, o espaço para políticas econômicas independentes dos países se reduz consideravelmente.
Faz sentido, então, que um governo progressista busque taxar grandes fortunas e isentar impostos para as camadas mais baixas e médias da sociedade. Essa política fiscal é bem-vinda em um país tão desigual como o Brasil. No entanto, o desconforto não se manifesta com relação à elevada taxa de juros e aos subsídios às empresas.
Além disso, se os investidores são racionais, eles não deveriam se preocupar mais com a quantidade de reservas que o país detém? Nesse aspecto, o Brasil está em boa situação, com reservas robustas que, em tese, garantem que seus recursos possam ser retirados a qualquer momento, servindo também como um indicador de “saúde” financeira nacional. A resposta é sim, mas apenas em parte. O que ocorre é que os investidores, tanto internacionais quanto nacionais, se preocupam principalmente com os diferenciais de juros e se aproveitam disso, no que é conhecido como carry trade. O setor financeiro lucra com as altas taxas de juros nacionais, e qualquer política distributiva acaba sendo vista com desconfiança. Para a elite local, a manutenção do poder e das desigualdades é central. Nesse cenário, como diria Samuel Bowles os economistas de mercado são serviçais do poder, justificando políticas que beneficiam os interesses dessa elite.
(*) Professor de Economia UFRGS)