Eleições 2024
|
30 de outubro de 2024
|
17:12

Laura Sito avalia eleições: erros, lições e pontos positivos

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Presidente municipal do PT em Porto Alegre, Laura Sito avalia o resultado das eleições de 2024 | Foto: Isabelle Rieger/Sul21
Presidente municipal do PT em Porto Alegre, Laura Sito avalia o resultado das eleições de 2024 | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Com 61,53% dos votos válidos contra 38,47% da candidata Maria do Rosário (PT), o prefeito Sebastião Melo (MDB) foi reeleito no último domingo (27) para seguir comandando Porto Alegre por mais quatro anos. Do ponto de vista do Partido dos Trabalhadores, afastado da Prefeitura desde 2004, esta foi a primeira vez que a legenda conseguiu chegar ao segundo turno desde 2008, quando a própria Maria do Rosário perdeu a disputa para José Fogaça (MDB). Na ocasião, ela fez 41,05% dos votos, mas cerca de 70 mil votos a mais do que neste pleito (327 mil contra 254 mil em 2024). O Sul21 conversou nesta terça-feira (29) com a presidente municipal do PT, a deputada Laura Sito, para entender o balanço que ela faz do resultado eleitoral, quais as lições foram aprendidas durante a disputa e quais caminhos ela vislumbra que podem ser seguidos pelo partido nos próximos anos.

A deputada reconhece que o resultado na disputa pela Prefeitura foi abaixo da expectativa do partido, mas pondera que, na disputa pela Câmara Municipal, o PT voltou a crescer e foi o partido que mais recebeu votos para vereador, tendo eleito cinco parlamentares. Somados com outros cinco do PSOL e o dois do PCdoB, que é federado com o PT, a oposição subiu de 10 para 12 vereadores. “Nós voltamos a ser a legenda mais votada da cidade, com mais de 80 mil votos. Nossa bancada voltou a crescer, fizemos a quinta cadeira. Uma bancada jovem, com uma energia renovada. Pela primeira vez, a presença de mulheres trans na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Então, esse é um saldo que fala muito do quanto o nosso projeto permanece vivo, não só para o momento presente, mas também sobre toda essa transição geracional que o nosso partido vem colhendo, especialmente de 2018 para cá”, diz.

Já do ponto de vista da disputa majoritária, apesar de saudar a unidade que foi formada com a federação PSOL-Rede em primeiro turno, ela pondera que talvez tenha faltado ao partido compreender melhor justamente esse processo de transição geracional. “Nós vivemos um momento do PT no Brasil de uma intensa vivência intergeracional. Nós temos no mesmo quadro os fundadores do PT ainda presentes, aqui figuras como Olívio Dutra, Tarso Genro, Paim, ainda ativos, e tem a minha geração, uma geração que está chegando e que não viveu nem os momentos do PT na Prefeitura. Uma geração que vem com os governos do presidente Lula, da presidenta Dilma. E, talvez, do ponto de vista de elaboração programática, nós ainda não tenhamos aberto internamente espaços para poder beber também nessas novas vivências, naquilo que é elaborado na academia, que faça com que nós possamos compreender as novas dinâmicas da classe trabalhadora brasileira, que não é mais uma classe trabalhadora operária. Nós vivemos em um País onde as pessoas absorvem a ideia do empreendedorismo e vivem a partir disso como MEIs e nós não conseguimos nos conectar com essa nova dinâmica da classe trabalhadora. Então, o quanto que nós vamos estar abertos também para isso. Eu acho que aproveitar dessa vivência intergeracional é o que pode também renovar a nossa conexão. Muitos dizem: ‘Ah, o PT se institucionalizou, o PT tá distante da base’. Eu não acredito que seja verdade. Em Porto Alegre, em tudo que se movimenta, o PT e seus militantes estão lá presentes, seja no Orçamento Participativo, associações de moradores, sindicatos, DCEs, grêmios estudantis, nós vivemos a cidade. Mas, talvez lá no centro da nossa elaboração, nós ainda privilegiemos numa proporção muito maior aqueles que foram exitosos nas nossas experiências de governo e talvez subestimemos a contribuição dos novos atores. Acho que talvez isso seja fundamental para que a gente consiga adequar a linguagem, conectar as pautas, compreender as novas visões sobre a cidade. Porto Alegre é uma cidade em que 70% vivem do setor de serviço, é uma cidade que tem muitos pobres, mas tem muitos operários qualificados ou pessoas que têm renda média, como nós dialogamos com isso? Eu acho que isso ainda não é bem compreendido, digamos assim, no seio da elaboração do PT na cidade”, diz.

A seguir, confira a íntegra da entrevista com a deputada Laura Sito.

 

Laura Sito destaca que o PT vivem um momento de transição geracional em Porto Alegre | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Sul21 — Como presidente municipal do PT, qual é o saldo que tu vês eleição de Porto Alegre?

Laura Sito: Sem sombra de dúvidas, do ponto de vista do PT, o maior saldo é a nossa bancada. É importante a gente registrar que, desde 2000, a nossa bancada não tinha uma curva de crescimento. Então, nós voltamos a ser a legenda mais votada da cidade, com mais de 80 mil votos. Nossa bancada voltou a crescer, fizemos a quinta cadeira. Uma bancada jovem, com uma energia renovada. Pela primeira vez, a presença de mulheres trans na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Então, esse é um saldo que fala muito do quanto o nosso projeto permanece vivo, não só para o momento presente, mas também sobre toda essa transição geracional que o nosso partido vem colhendo, especialmente de 2018 para cá.

Sul21 — E da campanha majoritária?

Laura Sito: Da campanha majoritária, eu acho que o maior saldo que fica é, de fato, a unidade histórica que foi constituída. O PDT, por exemplo, que nos apoiou no segundo turno, ainda que não da forma como imaginávamos ou gostaríamos, nunca tinha nos apoiado nem no primeiro, nem no segundo turno. Os próprios companheiros do PSOL, desde que fundaram o partido, nós nunca havíamos estado juntos numa eleição municipal. Então, pela primeira vez, nós podemos ter uma unidade com o PSB, com o PSOL, no segundo turno recebendo o apoio do PDT, além dos nossos companheiros de federação, o PCdoB e o próprio PV, assim como a Rede, que também estivemos juntos desde o primeiro turno. Então, essa concertação política, que é calcada na luta, na identidade programática, não foi uma unidade constituída através do debate sobre cargos. Nós nunca debatemos composição de governo, nunca debatemos nada fisiológico. Foi uma unidade puramente ideológica, programática, de uma visão comum da cidade, de algo que nós nos encontramos no dia a dia das lutas populares, nos encontramos no enfrentamento e na combatividade parlamentar na Câmara de Vereadores. Então, é muito orgânica essa nossa aliança, e com PSB também.

Sul21 — Deputada, tu falou da importância dessa unidade, mas se a gente olhar para os números frios, a candidatura do PT em 2024 fez menos votos do que a candidatura apoiada pelo PT em 2020, que foi a candidatura da Manuela d’Ávila, que teve menos alianças. É claro que, no segundo turno, foi semelhante essa construção, mas no primeiro turno não teve essa unidade. O que explica o resultado? Ele foi abaixo do esperado? O que faltou?

Laura Sito: Claro que nós esperávamos vencer a eleição. Agora, obviamente nós não podemos analisar Porto Alegre isolada como se fosse uma ilha. Em 2020, na eleição da Manuela, nós tínhamos um contexto nacional de maior enfrentamento político, o Bolsonaro era presidente, Manuela vinha como uma figura nacional legitimada pela esquerda brasileira. Ela foi a nossa candidata à vice-presidente da República na chapa com Haddad, na chapa da prisão do Lula, tinha um outro caldo político que impulsionava aquela candidatura. A candidatura da companheira Maria do Rosário é uma candidatura que enfrentava questionamentos, inclusive dos setores da nossa base social, é uma candidatura que colhia ataques sistemáticos da extrema-direita ao longo dos últimos 20 anos no Brasil. Então, tinha todo esse contexto e num contexto de anseio por uma normalidade democrática. Nós tivemos uma eleição onde 82% dos prefeitos brasileiros que disputaram a reeleição foram reeleitos. Nós viemos de um contexto da calamidade climática no Rio Grande do Sul, no qual teve um conjunto de recursos extras muito altos circulando. Nós viemos de um contexto onde a própria calamidade climática fez com que o aparato institucional do Estado, União, estados e municípios tivessem que ter uma presença muito ostensiva na vida da população, ainda que aqui nós tenhamos uma disputa clara sobre o modelo, e discordamos sobre o modelo que o prefeito Sebastião Melo optou na sua ação, mas, de fato, a Prefeitura teve que estar presente no acolhimento, na assistência social, na entrega de cestas básicas, de auxílios, no cadastramento das pessoas pra receber as suas casas, enfim. A prova disso é que a maior parte dos prefeitos das cidade atingidas também foi reeleita ou elegeu seus indicados. Então, tudo isso está dentro desse contexto, o que obviamente não quer dizer que nós não tenhamos que fazer vários tipos de balanços, autocríticas e reflexões do que nós erramos e daquilo que nós temos que construir.

Sul21 — Já tem tempo de fazer algum balanço no sentido de erros que foram cometidos?

Laura Sito: Nós estamos na semana de fazer essas análises. Ontem, a nossa Executiva Nacional se reuniu, mas posso dizer por mim, a minha opinião, não só como presidente do PT, como deputada, mas especialmente como uma militante. Nós vivemos um momento do PT no Brasil de uma intensa vivência intergeracional, nós temos no mesmo quadro os fundadores do PT ainda presentes, aqui figuras como Olívio Dutra, Tarso Genro, Paim, ainda ativos, e tem a minha geração, uma geração que está chegando e que não viveu nem os momentos do PT na Prefeitura. Uma geração que vem com os governos do presidente Lula, da presidenta Dilma. E, talvez, do ponto de vista de elaboração programática, nós ainda não tenhamos aberto internamente espaços para poder beber também nessas novas vivências, naquilo que é elaborado na academia, que faça com que nós possamos compreender as novas dinâmicas da classe trabalhadora brasileira, que não é mais uma classe trabalhadora operária. Nós vivemos em um País onde as pessoas absorvem a ideia do empreendedorismo e vivem a partir disso como MEIs e nós não conseguimos nos conectar com essa nova dinâmica da classe trabalhadora. Então, o quanto que nós vamos estar abertos também para isso. Eu acho que aproveitar dessa vivência intergeracional é o que pode também renovar a nossa conexão. Muitos dizem: ‘Ah, o PT se institucionalizou, o PT tá distante da base’. Eu não acredito que seja verdade. Em Porto Alegre, em tudo que se movimenta, o PT e seus militantes estão lá presentes, seja no Orçamento Participativo, associações de moradores, sindicatos, DCEs, grêmios estudantis, nós vivemos a cidade. Mas, talvez lá no centro da nossa elaboração, nós ainda privilegiemos numa proporção muito maior aqueles que foram exitosos nas nossas experiências de governo e talvez subestimemos a contribuição dos novos atores. Acho que talvez isso seja fundamental para que a gente consiga adequar a linguagem, conectar as pautas, compreender as novas visões sobre a cidade. Porto Alegre é uma cidade em que 70% vivem do setor de serviço, é uma cidade que tem muitos pobres, mas tem muitos operários qualificados ou pessoas que têm renda média, como nós dialogamos com isso? Eu acho que isso ainda não é bem compreendido, digamos assim, no seio da elaboração do PT na cidade.

 

Presidente municipal do PT em Porto Alegre faz balanço sobre o resultado das eleições | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Sul21 — Deputada, em livro recém lançado, o sociólogo Jessé Souza analisa o que ele chama de “pobre de direita” e diz que a esquerda perdeu a capacidade de oferecer um futuro, um sonho pra essa parcela da população. Considerando sua trajetória de vida e política junto às populações mais vulneráveis, como a senhora avalia a atual capacidade do PT de dialogar com essa fatia do eleitorado?

Laura Sito: Eu não gosto muito da expressão pobre de direita. Agora, com certeza, um impulso social que levou o presidente Lula às suas eleições dialogava de certa forma com valores conservadores que são presentes na nossa sociedade. E muito possivelmente as alterações do mundo do trabalho, que tem a ver com as mudanças no próprio sistema capitalista, aprofundam visões individualistas das pessoas. Talvez a forma como nós ainda apresentamos o nosso programa, dialogamos com isso, muitas vezes um tanto utópicas, não compreendem e não criam aderência para dialogar de maneira mais direta com esse setor. Talvez seja até polêmico o que eu vou dizer, mas talvez quando a gente fala em participação popular, Orçamento Participativo e etc., a forma como nós falamos sobre isso não seja um anseio da população como era nos anos 90. Talvez as pessoas não queiram participar da forma que a gente está trabalhando, as pessoas talvez nem tenham disposição hoje, trabalhando como trabalham, de ir para uma plenária debater horas e horas o orçamento que vai ir pra sua rua, pro seu bairro. A disposição das pessoas de participação talvez seja uma outra forma de participação. Nós precisamos também conseguir perceber isso, captar isso, para que nós consigamos atualizar aquilo que a gente fala. Eu acho que talvez seja mais isso do que uma transformação da classe trabalhadora brasileira sobre seus valores. Eu acho que são os mesmos valores.

Sul21 — Fala-se muito que ‘tem que fazer isso’, ‘tem que fazer aquilo’, e se fica nesse campo um pouco etéreo. Tu poderia me dar um exemplo de um caminho que poderia ser seguido para atualizar esse discurso e que não foi seguido dessa vez? E pode ser algo que talvez até esteja errado, porque se existisse um livro com o jeito certo de ganhar eleição, qualquer um poderia ir lá e ganhar.

Laura Sito: Eu acho que o sentimento de atualizar o discurso, nós precisamos ter um processo. A gente criou a nível nacional núcleos de estudo em políticas públicas, monitoramento permanente sobre isso no Brasil. Eu acho que, em Porto Alegre, nós precisávamos ter, de fato, um instrumento como esse mais cotidiano, que pudesse inclusive subsidiar a nossa bancada de oposição, que cresceu, um dos maiores saldos nossos é nós termos uma bancada de 12 parlamentares, seremos uma oposição que não poderá ser tratorada de qualquer forma, terão que debater conosco, e assim esperamos que, democraticamente, a base governista o faça, com as suas composições internas e etc. Mas acho que nós precisamos ter um processo permanente de interlocução dos partidos de esquerda, da sociedade, dos movimentos sociais e da academia para que a gente possa também ir, num processo de humildade e escuta, aperfeiçoando esses mecanismos. Porque acho que muitas vezes a gente também se perde numa leitura como se a nossa bolha falasse a verdade. Mesmo entre aqueles que criticam aquilo que foi produzido, também tomam como temperatura muitas vezes a vivência do Twitter, que não é a vivência do trabalhador real. Então, eu acho que falta muito humildade na discussão e de fato compreender a classe trabalhadora, que ela não tem decisões e análises porque é ignorante, não sabe participar. Ela faz avaliações pragmáticas. Eu não sou fantasiosa do pensamento mágico, o trabalhador brasileiro faz análises pragmáticas sobre sua vivência. Veja bem, quando tu olha que 92% dos municípios que mais receberam emendas PIX foram os municípios que tiveram as maiores taxas de reeleição, bom tu está falando da eleição que teve o maior número de dinheiro circulando da história desse País, onde o conjunto de setores da sociedade, portanto, foi diretamente beneficiado por esse volume financeiro, que fez com que o Centrão, que é quem mais consegue abocanhar esse recursos e concentrá-los, tenha tido as melhores taxas nas eleições. Então, as coisas não são desassociadas, o eleitor faz escolhas diretas. Eu estava vendo uma entrevista do próprio prefeito Sebastião Melo falando sobre sua eleição, dizendo que ele enfrentou a enchente e que enfrentou com a sociedade, com diversas parcerias, parceirizando vários setores. E foi o que aconteceu mesmo. A área da assistência foi uma área que teve um volume de dinheiro extra significativo, teve vários setores tendo benefícios diretos e, nós, talvez pelo tempo da campanha, pelas nossas opções talvez equivocadas do que abordar, não conseguimos explicitar para a sociedade. Mas não tínhamos um conjunto, por exemplo, no gerenciamento de abrigos, eu cheguei a fazer uma diligência….

Sul21 — A gente fez reportagens sobre isso.

Laura Sito: Abrigos que estavam recebendo recursos e que não tinham nem abrigados e nem trabalhadores suficientes, ou que trabalhadores iam lá e ficavam horas e horas sem fazer nada. Então, tem um volume de recursos circulando, beneficiando vários setores e conectando esses setores com a manutenção desse projeto, porque mantém os recursos. Se a gente não falar disso, nós não vamos conseguir debater o modelo de democracia que temos no Brasil hoje.

Sul21 — O Sebastião Melo, de alguma forma, foi consagrado pelas urnas, teve 61%, a votação mais expressiva desde o Fortunati em2012. A posição da oposição é de que a cidade não está essa maravilha, tem uma série de problemas que vão para além da enchente. Mas, a população não entendeu dessa forma ou não acreditou que era o suficiente para trocar a gestão. Qual foi a dificuldade que a campanha enfrentou para desmontar a figura do Melo que apareceu na campanha com o chapéu de palha e abraçou a imagem do “chinelão”, que foi um sucesso na base eleitoral dele?

Laura Sito: Vou separar em duas. Tem a política e as personas. Nós sempre soubemos, inclusive pela taxa de rejeição da nossa candidata, que, se a eleição fosse para o embate entre personas, isso traria mais dificuldades para nós, porque o Melo é uma figura da direita populista. Então, não acho que a imagem que ele conectou com a população é uma imagem não verdadeira, acho que ela é verdadeira. O Melo é bonachão, o Melo anda com aquele chapéu de palha, adotou como uma imagem dele remetendo às suas origens, o que é legítimo. Ele ressignificou o termo chinelão, que é um termo que não foi cunhado por nós, foi cunhado pela sociedade. Nos protestos, as pessoas chamam ele de chinelão. E ele ressignificou falando sobre aquilo ser um signo de humildade. Na verdade, não é sobre humildade. Eu acho que nós nos equivocamos de não gastar um tempo, do pouco tempo que nós tínhamos, para desconstituir também a persona do Melo, porque o chinelão nunca foi sobre ele ser humilde. Chinelão é um xingamento bem porto-alegrense que fala sobre o cunhado teu que pede dinheiro emprestado e, quando tu abre o Instagram, ele tá curtindo o réveillon em Floripa e te devendo. É o cara que leva Glacial e toma tua Heineken, que leva salsichão e come tua picanha. Fala desse valor de quem é o chinelão. E a gente não conseguiu, optou por não enfrentar isso que estava posto na sociedade de quem é cidadão e se opõe ao Melo. Nós optamos por não tratar sobre isso e ele ressignificou isso como um símbolo seu. E eu acho que, do ponto de vista da política, nós tivemos um equívoco de escolha mesmo. Nós tínhamos um tempo muito reduzido na TV, nós precisávamos enfrentar a rejeição à nossa candidata, precisávamos apresentar a nossa política e contrapor a gestão. Fazer isso num curto espaço de tempo é muito difícil. Então, nós fomos lá e falamos do que o Melo não fez para proteger a cidade, mas nós não falamos sobre como ele respondeu à calamidade. Nós não falamos sobre isso. Ele, com mais tempo, conseguiu dividir a responsabilidade sobre a prevenção e falar do que ele fez, e nós não contrapomos o que ele fez. Não conseguimos falar sobre os abrigos. Não falamos que o secretário de Assistência Social fugiu da cidade, já tinha morrido 11 pessoas no incêndio da Garoa e o secretário pegou um avião por Florianópolis para a Europa, no momento em que a cidade precisava dele e as pessoas não tinham onde ser acolhidas. Nós não conseguimos falar sobre isso, tampouco sobre a corrupção.

Sul21 — Tem também a questão da própria dificuldade ou da opção que a grande imprensa fez de não tratar de determinados assuntos e de que 45 de campanha pode ser um tempo curto ou longo, dependendo do ponto de vista, mas talvez não dê para debater todos os temas. Qual foi a dificuldade, durante o exercício do mandato do Melo, de fazer essa desmistificação dessa persona dele?

Laura Sito: Eu acho que tem algo que está sendo reconhecido nessas primeiras horas de avaliação, que eu acho que é importante, que é que a oposição foi muito eficiente, na minha avaliação, na pré-campanha. Veja bem, há um ano atrás, era dado como certo que o Melo venceria no primeiro turno, já tendo 10 partidos aliados com ele. Esse era o cenário antes disso. Eu fui vereadora metade dessa gestão, Melo é uma figura difícil de fazer oposição e nós fizemos uma oposição ferrenha. A maior prova disso foi a nossa chegada à Assembleia Legislativa. Os candidatos a deputado do Melo, da base dele, fizeram votações pífias em 2022. A oposição elegeu cinco vereadores deputados estaduais e federais. Isso fala muito de que nós fizemos uma oposição combativa ao Melo. Depois, tem um certo arrefecimento pós-eleição e nós, quando pegamos ali a pré-campanha em outubro do ano passado, conseguimos abrir uma janela que era dada de reeleição do Melo para uma oportunidade real de derrotá-lo. E, talvez, as nossas opções na campanha fizeram com que nós não aproveitássemos essa janela de oportunidades. Então, acho que eu enxergo dessa forma o calendário que se colocou. A enchente de setembro, o apagão de janeiro e a enchente de maio, nós conseguimos, a partir dessas janelas, estabelecer um debate sobre o modelo de desenvolvimento da cidade que o Melo empenhava, tanto que o Melo, que era um cara sem rejeição, ele chega no último mês de pré-campanha com 54% de rejeição em todas as pesquisas, uma rejeição empatada com a da Maria. Só que eu acho que nós tivemos opções que não foram as melhores, as adequadas para enfrentar um candidato tão forte logo depois, no exercício da campanha.

Sul21 — Sem criticar os vereadores que assumiram os cargos ou aqueles que tomaram a decisão que todos desejam de sair de um cargo para outro mais importante, não pesou de alguma forma esse êxodo da bancada negra, e também do Leonel Radde, pessoas que tiveram grande sucesso na eleição anterior, de sair “antes da hora”, digamos assim, sem concluir o trabalho de enfrentamento ao governo Melo?

Laura Sito: É difícil falar assim, porque, veja bem, nós nos elegemos com votações extremamente expressivas, então havia um anseio, não só do povo de Porto Alegre, mas do Estado, de que essa representação ela também fosse focalizada em outros espaços. Acho que isso também faz parte da dinâmica da política. Acho que nós fomos substituídos, no nosso caso, meu e do Leonel, por vereadores experientes, o Comassetto e o Adeli.

Sul21 — Mas de outro perfil.

Laura Sito: De outro perfil. E, no caso do PCdoB, também acho que a Abigail e o Giovani. O Giovani, jovem também, foi muito combativo durante esse período que assumiu na Câmara. O Matheus substituído pelo professor Alex, que é um vereador que acabou até não conseguindo se reeleger, convivi com ele quando estava na coordenação da bancada do PSOL na Câmara, um vereador altamente qualificado intelectualmente, com uma capacidade de elaboração muito boa. Mas, enfim, acho que não dá também para culpabilizar, digamos assim, algo que o eleitor nos levantou para outros espaços. Mas acho que a eleição das novas bancadas diz que o eleitor quer ter bancadas mais atualizadas, mais combativas, com outra energia, similar à energia da que foi eleita em 2020, foi a energia da que foi eleita em 2024.

 

Deputada diz que não houve debate sobre alternativas de candidaturas porque apenas Maria do Rosário estava colocada como candidata | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Sul21 — Veio à tona na tua fala, em várias questões, o tema da rejeição da candidata Maria do Rosário e a questão da janela de oportunidade da enchente. A candidatura estava consolidada desde o ano passado, mas, em algum momento, teve uma discussão de eventualmente trocar o candidato e de que poderia ter uma outra estratégia para lidar com essa rejeição da Rosário?

Laura Sito: Então, eu falo da turma do Twitter, brinco dessa maneira, tinha outras opções que ali eram bradadas, diversos nomes. Mas, de fato, os nomes que vieram para a mesa, nós tivemos apenas três nomes postos, que eram o nome da deputada Sofia Cavedon, a deputado Luciana Genro e a deputada Maria do Rosário. Não houveram outros nomes postos na mesa. Se alguém queria que fosse outro nome, deveria ter conversado com o seu representante e proposto que ele fosse pra mesa. Tem muitas falas de que as bases não foram ouvidas, não é verdade. Discutiu-se com os partidos, os partidos fizeram seus processos congressuais, tiraram suas dinâmicas, tiraram os seus nomes e dois desses três nomes retiraram suas candidaturas e sobrou um nome. Então, não tem porque os partidos debaterem de tirar o nome se não tem outro nome posto, tu só pode fazer um debate de avaliar que não vai este nome para ir outro se tem outro colocado. Não teve outro nome colocado. Então, não tem como a gente debater o que poderia ter sido sem os elementos materiais. Teoricamente, nós não temos nenhuma dúvida que nós tínhamos muitos nomes que poderiam ter sido, assim como nós não temos nenhuma dúvida da qualidade da companheira Maria do Rosário, daquilo que ela representa. Não temos nenhuma dúvida de que ela é alvejada pelas suas qualidades e não pelas suas limitações. Muitos de nós temos qualidades e defeitos, mas ela é uma pessoa que em momento algum é descredibilizada para ocupar o espaço por alguns dos seus defeitos, e sim pelas suas qualidades, pelos seus valores, pelos seus compromissos. Então, para mim, vejo essa discussão como algo que não é muito calcado na materialidade do debate que foi realizado, não pelos partidos, mas pela sociedade.

Sul21 — Para fechar, deputada, quais que são as lições que tu acha que o Partido dos Trabalhadores e tu tiram desse processo eleitoral e que podem ser levadas para os próximas eleições?

Laura Sito: Primeiramente, nós não temos como analisar as eleições de 2024 sem analisar o período histórico que nós vivemos. Nós saímos de uma eleição em 2016, de um golpe que nós vivemos contra a presidente Dilma Rousseff, uma eleição dificílima para a esquerda no Brasil. Viemos de 2020, uma eleição sob um governo do Bolsonaro, ultra Liberal, de ideias fascistas, hegemonizando a agenda da política desse governo. E viemos pra primeira eleição, após uma certa normalidade democrática, que sofre intensa captura da sua agenda política por setores de centro-direita que tentam se reorganizar e, de certa forma, disputar com o fascismo. Eu não tenho nenhuma dúvida de que quem foi mais derrotado nessa eleição foi o ex-presidente Jair Bolsonaro, foi quem teve a maior derrota nesse processo. Porque ele se dispôs a ir para o enfrentamento dentro do seu próprio campo e perdeu praticamente todos os embates que fez, apesar do PL ter tido um resultado significativo nas eleições. Há uma disputa no campo deles para além do bolsonarismo. Do ponto de vista do nosso campo, nós temos uma melhora do PT do que nós vivemos em 2020. Em 2024, no Rio Grande do Sul, ganhamos eleições importantes como Bagé, Rio Grande e Pelotas, eleições que são enfrentamentos diretos com a extrema-direita. Em Bagé, enfrentamento contra o crime organizado, vencemos uma eleição não contra o PL, mas contra o crime organizado posto ali. Em Pelotas, da mesma forma, uma eleição épica, o retorno do Marrone depois de 20 anos que ele tinha sido prefeito. Uma eleição apertadíssima contra o mesmo grupo que organiza a região Sul, que organiza Bagé, onde nós tivemos até um atentado contra a vida do nosso candidato a prefeito. Então, nós não estamos falando de uma eleição simples. Acho que conseguimos manter quase 400 vereadores no Estado, 20 prefeituras, entre elas essas prefeituras importantes. Tivemos algumas derrotas mas com resultados significativos, como foi o caso do Valdeci em Santa Maria, onde nós seguramos 45% dos votos, demonstra que nós estamos jogando o jogo do Estado e estamos jogando o jogo do Brasil. Acho que fica como aprendizagem pra nós é que vencer as eleições de 2022 não significaria um momento de pacificação política no Brasil. Nós vivemos um processo de intensa luta política no Brasil, não com a polarização, como a grande mídia tenta colocar. Nós não temos polarização porque nós não temos extremos, nós temos a extrema-direita contra setores democratas que defendem o processo civilizatório no Brasil. Então, dentro dessa intensa luta política, nós ainda vivemos esse período e precisaremos recompor muito tecido social para ter capacidade de, em 2026, ainda assim termos uma capacidade de defesa do projeto do presidente e de manutenção desse projeto à frente da Presidência da República. Mas o saldo acho que não é essa catástrofe que os grandes veículos mais uma vez tentam fazer de balanço. Eu só tenho 32 anos, mas todos os processos eleitorais que acompanhei tentam fazer um balanço de que o PT foi às farras. Então, para o pesadelo dos nossos detratores, permanecemos vivos, fortes e com uma capacidade de presença em todo o território nacional, como um dos poucos partidos nacionais do Brasil. Temos vários partidos que têm resultados significativos, mas que são partidos que, em cada lugar, são uma coisa. O próprio PSD, que é o campeão de prefeituras, em um lugar está conosco, noutro está com a extrema-direita. Nós somos um partido de projeto nacional para o Brasil. Eu acho que saímos em pé desse processo e o presidente Lula é muito maior do que o PT.

 

Deputada argumenta que partido teve vitórias importantes e sai “de pé” das eleições municipais | Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Leia também