Eleições 2024
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18 de outubro de 2024
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06:23

Acusações e pós-enchente pautam segundo turno sem debates em Canoas

Por
Bettina Gehm
bettinagehm@sul21.com.br
Jairo (esq) e Airton (dir) representam opostos de uma cidade polarizada. Foto: Reprodução
Jairo (esq) e Airton (dir) representam opostos de uma cidade polarizada. Foto: Reprodução

Mais de 180 mil pessoas foram atingidas pela enchente de maio em Canoas, fazendo com que a reconstrução da cidade e a proteção contra futuros eventos extremos sejam a principal pauta desta eleição municipal. As consequências da catástrofe deram a tônica do debate no primeiro turno, resultando em um percentual de 29,76% dos votos para o atual prefeito, Jairo Jorge (PSD), e 35,26% para Airton Souza (PL), que agora disputam o segundo turno.

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Acusações judiciais contra os dois candidatos também vêm pautando as discussões e levam a um questionamento: os postulantes estariam aptos a cumprir o próximo mandato? Airton é alvo de uma ação do Ministério Público por improbidade administrativa. O processo remonta a 2007, quando ele ocupava o cargo de diretor da então Companhia de Indústrias Eletroquímicas (CIEL), subsidiária da Corsan.

“A condenação de Airton é baseada na legislação da época, que não diferenciava culpa de dolo”, explica o jornalista Rodrigo Becker, que acompanha de perto a política canoense. “O processo previa perda dos direitos políticos, mas no meio disso a lei mudou. Para haver dolo, tem que ter enriquecimento ilícito. E não há provas de que Airton tenha enriquecido”, diz.

Do outro lado, Jairo tenta se eleger pela quarta vez após ter sido afastado duas vezes do cargo neste último mandato, somando quase um ano e meio longe do gabinete. Junto de outras pessoas, o prefeito é investigado por irregularidades em contratos de serviços terceirizados de saúde que ultrapassam R$ 66 milhões. A consequência desse entra e sai da prefeitura é a “falta de legado”, o que impactou negativamente o desempenho do candidato nas urnas, afirma Rodrigo.

“Quando se elegeu pela primeira vez em 2008, e depois em 2012, Jairo fez um governo de ruptura com uma política que vinha do passado. Ele deu saltos de qualidade nos serviços públicos, e nesse último governo nada disso ocorreu porque ele foi afastado duas vezes. Não se diz qual a grande obra de Jairo nesse mandato. A zeladoria da cidade não deixou de ser feita, mas isso não representa um salto de qualidade como se viu nos outros dois governos”, destaca o jornalista. “Para muitas pessoas, o prefeito não é o culpado pela enchente. A maior conta que Jairo pagou foi pelos afastamentos”.

Vereador eleito pelo PT nesta eleição, Gabriel Constantino reforça que os afastamentos de Jairo levaram à descontinuidade de políticas públicas no último mandato. “Tivemos sete secretários da saúde nos últimos quatro anos. É um tempo muito curto para cada um fazer políticas públicas, tocar a estrutura e fazer o serviço acontecer na prática para a população. A cada troca [de prefeito] que havia, todos os cargos comissionados eram trocados. Não se conseguiu avançar em vários debates importantes para Canoas”, afirma.

Para Constantino, a população canoense está desgostosa e confusa com o cenário político atual. “As pessoas querem estabilidade nos próximos quatro anos para poderem viver suas vidas. Não querem que a política prejudique seu cotidiano, porque já tiveram a vida prejudicada pela catástrofe”, diz.

Três dos quatro demais candidatos que concorriam ao primeiro turno em Canoas declararam apoio a Airton Souza. Apenas o PSOL, partido do candidato Rodrigo Cebola, orientou voto em Jairo Jorge ou nulo a fim de combater a extrema-direita.

Entre os apoiadores de Airton está Beth Colombo (Republicanos), que já foi vice de Jairo e Secretária de Educação no atual mandato. “Beth está num partido bem próximo do PL no plano nacional. O senador Mourão e a ex-ministra Damares Alves são do Republicanos. Já havia uma ideia de conduzir o partido a um distanciamento do Jairo, mas Beth mantinha esse laço – eles até se chamavam de irmãos”, relembra o jornalista Rodrigo. “Pesou a necessidade de uma ruptura política por uma postura ideológica. No plano local, há a ideia de criar uma frente de direita, pela primeira vez unida em torno de uma única candidatura”, explica.

 

Beth Colombo declarou apoio a Airton Souza. Foto: Republicanos/Reprodução

As idas e vindas da política canoense abrangem também o vice de Airton, Rodrigo Busato (União Brasil), que inicialmente era cotado para concorrer como vice de Jairo. Seu pai e colega de partido, o deputado federal Luiz Carlos Busato, foi coordenador da campanha de Jairo pela reeleição em 2012. “Em 2016, aconteceu a primeira grande ruptura”, relata o jornalista.

Na época, Busato era filiado ao PTB, parte do conjunto de partidos que compunham o governo de Jairo – que finalizava seu segundo mandato consecutivo–, e queria ser o candidato da situação naquele pleito municipal. No entanto, Beth Colombo seria escolhida para suceder a candidatura pelo PRB. Busato então saiu candidato pelo PTB, rivalizando com a sucessora de Jairo e vencendo a eleição.

“Busato e Jairo tiveram uma série de embates entre 2016 e 2020”, resume Rodrigo. No atual mandato de Jairo, marcado por idas e vindas, os dois chegaram a se reaproximar, mas acabaram sem consolidar a união. “Depois da enchente, a ideia de recuperação da cidade já estava em andamento, mas Busato entendia que a rejeição ao Jairo seria muito alta. Os ‘Busatos’ optaram pelo Airton, que era um vereador bolsonarista de oposição. Sua candidatura era relativamente pequena, mas eles o colocaram no segundo turno”, diz o jornalista.

Como resultado, o segundo turno em Canoas é marcado pela polarização: Airton representa o lado bolsonarista e Jairo tem ligação com o PT, partido de sua vice, Maria Eunice. “Jairo vincula muito as pautas e bandeiras do PT, como o apoio do Ministério da Reconstrução para Canoas”, afirma o vereador Constantino.

Após a confirmação do segundo turno em Canoas, Airton deixou de participar de debates com seu oponente. Os convites para debater na Rádio Guaíba e no Grupo Sinos foram recusados, assim como a entrevista ao Sul21. A argumentação dos dois candidatos, dessa forma, vira um monólogo da parte de cada um: sem espaço para questionamentos e contraposições.

“Essa tem sido uma linha política do PL”, considera Rodrigo. “Evitar o diálogo por um entendimento de que as pessoas aderiram a uma linha mais conservadora, mesmo não se discutindo uma proposta mais sólida de cidade. Esse debate seria fundamental para Canoas, que precisa mesmo entender o que o candidato pensa sobre o que vai ser feito da cidade daqui pra frente”.

Canoas teve uma taxa de abstenção de 31,8% no primeiro turno. O motivo pode ter a ver com a enchente de maio: muitos colégios eleitorais foram atingidos, e esses locais de votação precisaram ser transferidos. 

“O fato de as escolas não terem sido liberadas para que o eleitor pudesse exercer a cidadania foi determinante”, pondera o vereador Cris Moraes (PV), eleito para seu terceiro mandato. “No bairro Mathias Velho, a imensa maioria teve o local de votação transferido para o centro. São pessoas que estavam acostumadas a ir a pé votar”, exemplifica.

No primeiro turno, os eleitores contaram com o passe livre nos ônibus e também com transporte gratuito dos colégios eleitorais interditados até as novas seções de votação. “Cerca de 1,5 mil pessoas utilizaram o serviço”, afirma Cris.

Os candidatos agora tentam reverter, a seu favor, parte dos 82,6 mil candidatos que não foram às urnas no dia 6 de outubro.


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