
De olho nas eleições municipais, o Sul21 conversou com lideranças dos bairros mais populosos de Porto Alegre para entender quais são as principais demandas das comunidades. O especial Raio-X das periferias iniciou no dia 19, pelo bairro Rubem Berta, prosseguiu no dia 23 com a Restinga e com o Sarandi, no dia 26. O especial se encerra com esta matéria sobre o bairro Lomba do Pinheiro.
Diversas comunidades formam a Lomba do Pinheiro, bairro na zona leste de Porto Alegre. Juntas, as “vilas” somam mais de 50 mil moradores, de acordo com o Censo 2010. As lideranças comunitárias se organizam – inclusive através de um Conselho Popular – para reivindicar melhorias para os territórios, mas sentem que a gestão municipal abandonou o bairro como um todo. Apesar da mobilização, falta o básico.
Confira mais do especial Raio-X das Periferias:
No Sarandi, demandas da comunidade se concentram nos rastros da enchente
No Sarandi, a vida ainda gira em torno da enchente
Transporte, saúde, escolas, creches e calçada: ‘Falta tudo’, diz moradora da Restinga
As muitas Restingas dentro da Restinga
Bairro mais populoso da Capital, Rubem Berta carece de vagas em creches, saneamento e segurança
Rubem Berta: os moradores, as distâncias e contradições
“A falta de água, no verão, é o ponto mais horroroso. Estar fazendo 35 graus e não ter água para beber, não ter como tomar um banho, é um descaso muito grande com a comunidade”, desabafa Geisa Farias, coordenadora da cozinha solidária que leva o nome da vila onde mora: Esmeralda. “Quando vem a água, fica umas quatro horas e falta de novo. Mais dois dias sem. E quando vem, não dá para usar, porque vem suja”.
Tavama Santos, professora e líder comunitária, relata que o problema se agrava ano a ano. “Começa a esquentar, falta água. No inverno desse ano também tivemos dois picos de falta d’água, já antes da enchente. Não é um problema técnico. O Moinhos de Vento também é alto, e não falta água como aqui. Nós passamos Natal, Ano Novo, sem água”, pontua.

As quedas de energia elétrica também são recorrentes no bairro. Segundo Geisa, qualquer vento e chuva é suficiente para que a comunidade fique oito ou nove horas sem luz. “Aí já estraga tudo na geladeira. Eles comentam que a culpa é da Equatorial, mas quem vendeu a CEEE? Não sei de quem é a culpa, mas a gente que paga o pato”, diz.
O saneamento básico, outro serviço essencial, é um “sonho distante”, nas palavras de Tavama. “O pior é que nós já tivemos”, relembra. “Ali na barragem tinha uma estação de tratamento de esgoto, mas depois tudo desandou. Tínhamos ganho um emissário pelo Orçamento Participativo. Seria a canalização do esgoto do bairro para ele não ir parar na barragem e não acessar os mananciais naturais. Também não saiu do papel. Se andar nas ruas aqui, vai ver o esgoto a céu aberto”.
A barragem a que Tavama se refere é a represa Lomba do Sabão, na Vila dos Herdeiros. Em dezembro do ano passado, a prefeitura anunciou que seriam feitos estudos para instalar uma estação provisória de tratamento de água na barragem para evitar o desabastecimento na região.
Além de o problema da falta d’água persistir, a barragem preocupa quem mora perto dela. Suelen Fagundes, moradora da Vila dos Herdeiros há 12 anos e coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), comenta que a população teme o rompimento da represa. “Tem um grande risco de a barragem romper, podendo atingir 70 mil pessoas. Na enchente, muitos moradores saíram de casa com medo do rompimento, porque ela está rachada. Quando chove, as pessoas nem dormem”, afirma.
Alguns moradores do entorno da Lomba do Sabão já foram removidos do local e levados para um condomínio no bairro Sarandi, na zona norte. O problema, de acordo com Suelen, é que as condições no novo local de moradia são piores ainda. “Esse condomínio não foi concluído, é um lugar totalmente isolado, sem escola perto para as crianças. Parece que [os moradores] foram atirados lá como se não fossem seres humanos. As pessoas resistem em sair de perto da barragem com medo de ir para um lugar pior”.

O problema da falta de vagas em creches atinge todas as regiões da cidade, e não é diferente na Lomba do Pinheiro. A Comissão de Educação do Conselho Tutelar contabiliza pelo menos 120 crianças aguardando vagas no bairro.
Uma das soluções anunciadas pela Prefeitura para suprir a demanda é a compra de vagas em escolas particulares. No entanto, de acordo com a professora Tavama, isso não resolve o problema. “A Lomba do Pinheiro é um bairro enorme, mas com uma renda muito baixa. Nós não temos escolas infantis ou creches particulares com todos os pré-requisitos que a Prefeitura exige para adquirir essas vagas. Esse sistema, para a periferia, não se aplica”, afirma.
Na Vila Esmeralda, por exemplo, existe apenas uma creche, que é estadual. Para o ensino fundamental há o colégio La Salle, instituição privada que oferece bolsas de estudo. O professor de história Cleo Goulart, educador social, lembra que a prefeitura tem convênio com a irmandade lassalista desde a década de 1980. “Essa continua sendo a única escola que atende a vila. Durante muito tempo, teve uma atividade mais filantrópica, mas foi se elitizando. Hoje essa escola virou particular mesmo, e as crianças da vila precisam buscar espaço nas escolas públicas”.

O acesso à educação é dificultado também no ensino médio. “A Lomba tem apenas uma escola que oferece os três anos do ensino médio, para onze escolas de ensino fundamental. A maioria dos estudantes que querem ir pro ensino médio têm que pegar ônibus e sair do bairro”, revela Tavama, acrescentando que essa realidade eleva a evasão escolar na última etapa da educação básica.
Além de participar do Comitê Popular do bairro, Tavama coordena o cursinho pré-vestibular popular Kilomba – a forma que encontrou de ajudar os moradores da Lomba do Pinheiro a buscarem um futuro com mais oportunidades. “A gente tenta ajudar esses sobreviventes que concluíram o ensino médio a acessar o ensino superior. Apesar das adversidades, quando o aluno tem a oportunidade de aprender, ele aprende. A grande maioria dos alunos foram os primeiros da família a acessar a universidade”.
A dificuldade para arcar com o custo da passagem de ônibus é uma das causas para a evasão escolar no ensino médio, segundo as lideranças comunitárias da Lomba do Pinheiro. Tendo que ir estudar fora do bairro, os estudantes dependem do transporte público para acessar a escola.
“A decisão de limitar o passe de estudante foi absurda. Tem muitos jovens que acabam deixando de estudar pela questão da passagem”, afirma o professor Cleo. Ele se refere à medida do governo Melo de extinguir a universalidade do passe estudantil, em 2021.
Passou a vigorar um novo sistema que vinculou benefícios de 100% a 25% de desconto na passagem dependendo da renda familiar do estudante, mas limitados à faixa de renda per capita de R$ 2.640.
“Antes era algo automático, porque ser estudante já dava garantia da meia passagem”, relembra Tavama. “Hoje é preciso comprovar que a família não tem condições. Muitas famílias de fato não têm, mas não conseguem comprovar isso. Estamos andando para trás”.

O transporte público não é um problema apenas para os estudantes. De acordo com as lideranças comunitárias, as linhas de ônibus na Lomba do Pinheiro deixam muito a desejar. “Tínhamos a linha Herdeiros/Esmeralda, que ia até o centro. Junto com a linha Agronomia, eram duas. A Prefeitura simplesmente rebaixou essa linha a uma alimentadora, que vai só até o terminal [Antônio de Carvalho]. Isso causa atrasos, e as pessoas têm que pegar mais de um ônibus”, relata Cleo. “É muito condomínio, muita cooperativa que veio para cá. Aumenta o número de moradores e não se projeta o aumento da malha de serviços”.
A professora Tavama afirma que os ônibus não cumprem a tabela horária. “A própria tabela já é um deboche, com intervalo enorme entre uma viagem e outra. E as pessoas se submetem à lotação porque não têm outra opção. Aqui na Lomba, se paga caro em lotação para ir de pé”.
No que tange à mobilidade para além dos ônibus, os moradores reclamam da falta de sinalização numa das ruas principais do bairro, a Dolores Duran. “Há pouco tempo conquistamos dois quebra-molas, mas ainda é uma briga para conseguir atravessar a rua”, afirma Cleo.

Como há pouca oferta de emprego bem remunerado na Lomba do Pinheiro, muitos trabalhadores precisam se deslocar para o centro de Porto Alegre todos os dias e são impactados pela precariedade do transporte coletivo.
“Nosso atual prefeito trabalha para bairro nobre, não trabalha para a comunidade. Mas quem mantém o comércio é o pessoal da periferia, trabalhador”, afirma Suelen. “E eles não têm a dignidade que teriam de ter. Tudo é difícil, da ida ao trabalho até a vinda para casa num ônibus lotado. Chegam em casa e querem descansar, mas muitas vezes não têm como tomar um banho ou ligar o ventilador, porque não tem luz. E, no outro dia, seguem a vida normal”.
A Lomba do Pinheiro tem uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), localizada na rua João de Oliveira Remião, a principal do bairro. Cleo relata que, lá, o atendimento é insuficiente e demorado. “Por que um bairro desse tamanho não tem uma UPA equivalente à do IAPI, ou Cruzeiro? Com mais médicos especialistas e exames de imagem? Parece que, para a Lomba do Pinheiro, tudo é mais complicado”, desabafa. Muitos moradores acabam procurando atendimento em Viamão, município que faz divisa com o bairro.
Tavama relata que houve redução dos agentes de saúde e dos médicos da família no bairro. “Chega ao cúmulo de, em muitas ocasiões, ter posto de saúde sem médico. Houve uma queda em termos de quantidade e qualidade dos atendimentos, com a terceirização que o governo fez”, acrescenta. Desde 2022, 96% das unidades de saúde de Porto Alegre são terceirizadas.
Na Vila Mapa, outra comunidade do bairro, a unidade de saúde está com problemas estruturais que foram intensificados pelas chuvas de maio. Segundo Cleo, inicialmente a Prefeitura propôs realocar os atendimentos do posto para a sede do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) do bairro, que fica na mesma vila.
A solução encontrada, no entanto, foi passar a prestar os atendimentos de saúde numa unidade móvel estacionada ao lado do cemitério Jardim da Paz. O local fica a 1,2 km do posto de saúde original. “Pessoas idosas têm que se deslocar da vila Mapa e ir até lá. De manhã, às vezes passo ali e já tem fila às 7h”, afirma Cleo.

“Falam tanto em comunidade, e a gente quer essa vida comunitária”, destaca Tavama. “A gente quer os recursos aqui na periferia. Nem todas as famílias têm tempo e dinheiro para se deslocar até a Orla ou ao Brique da Redenção. As famílias têm que ter lazer na periferia, e sair daqui se quiserem, como uma opção”.
Quando falta o básico, a cultura e o lazer também ficam de lado. Na vila Esmeralda, por exemplo, não há praças ou quadras esportivas. Geisa diz que é preciso construir mais lombadas para os carros, já que as crianças acabam jogando bola na rua e os veículos passam em alta velocidade.
“A gente sabe que não é luxo. É um direito tão importante quanto saúde educação. A cultura amplia repertório, te abre horizontes. Mas virou uma preciosidade”, lamenta Tavama. A professora diz que, no período eleitoral, a Prefeitura reabriu o centro cultural do bairro em parceria com duas escolas de samba locais. “Agora, na praça da juventude, tem oficina de capoeira e de dança. Mas nós estamos aqui há décadas”, ressalta.
Tavama denuncia ainda o que chama de devastação do parque Saint’Hilaire, cujo território fica parte em Porto Alegre, parte no município de Viamão. A prefeitura da Capital concedeu sua parte do território à cidade vizinha por 30 anos. “Há um processo ininterrupto de derrubada de árvores, um crime ambiental atrás do outro. Nem aquilo que a gente tinha pertinho da nossa casa a gente vai poder usufruir”, diz a professora.
“É muito diferente da propaganda oficial”, resume o professor Cleo, sobre o bairro como um todo. “A Lomba do Pinheiro está abandonada. O exemplo está aqui na vila Esmeralda – não temos uma escola municipal. O transporte é sempre uma briga. Nos últimos oito, dez anos, a gente sente um abandono”.

O resultado da votação no segundo turno de 2020 mostra a Lomba do Pinheiro como um bairro dividido. Manuela d’Ávila (PCdoB) obteve apenas 49 votos a mais do que Sebastião Melo (MDB). Entre os bairros mais populosos de Porto Alegre, foi a menor diferença de votos entre os dois candidatos naquele ano.
No total, 24,3% dos votos em Manuela e 21,6% dos votos em Melo foram da Lomba do Pinheiro. Os eleitores da Lomba do Pinheiro representam 22,9% dos votos nos dois candidatos que disputaram o segundo turno.